Centro de internação mais parece presídio

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O HOJE teve acesso ao interior do Centro de Internação Provisória e mostra como vivem ali os jovens infratores .

O residente mais antigo do Centro de Internação Provisória (CIP) para menores infratores de Goiás é um gato, e um gato para perseguir os ratos. O local, que funciona nas dependências do sétimo Batalhão da Polícia Militar (Batalhão Triunfo), no Jardim Europa, em Goiânia, assemelha-se a um presídio normal, sendo, em alguns pontos, até pior. O que era para ser provisório, na época, já tem mais de 20 anos, e a estrutura física – danificada pelo tempo, além da falta de espaço para corresponder à demanda, assim como a ausência de manutenção–, contribuem para a ineficácia de qualquer intenção em recuperar ou educar o menor infrator.

O Ministério Público de Goiás (MP/GO) acompanha a situação e fez o governo estadual assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em agosto do ano passado, comprometendo-se a construir um Centro novo até dezembro deste ano. Na entrada do local, é possível ver mofo no teto, nas paredes, infiltrações e a nitidez dos problemas gerados ao transformar um local alternativo, relativamente pequeno, em espaço pra receber os jovens e executar programas e projetos psicopedagógicos. “Impossível”, foi essa a resposta dada à reportagem tanto pelos funcionários, como pela juíza do Juizado da Infância e Juventude de Goiânia, Maria Socorro de Sousa, e pelo promotor da Infância e Juventude, Alexandre Mendes Vieira.

A reportagem, que já esteve nas dependências de presídios em outras oportunidades ditos convencionais, como a Penitenciária Odenir Guimarães (POG) e a Casa de Prisão Provisória (CPP), ambos no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, não conseguiu encontrar diferença. Pelo contrário. Atravessado o primeiro portão do CIP, na companhia da coordenadora geral Wilma Aparecida Duarte e do gato, sempre ao lado, a sensação foi a de estar em um presídio convencional, com as mesmas deficiências, cenário e até o cheiro. A começar pelo refeitório, pequeno e incapaz de acomodar todos os 63 jovens que estavam internados no local, na última sexta-feira. Se comparado ao da CPP, é pior, mais degradado, com chão, mesas e teto velhos.

O CIP é o único Centro de Internação Provisória para menores de Goiás. Acolhe, portanto, jovens de todo o Estado, com capacidade máxima de 60 adolescentes. Não é raro, no entanto, viver momentos de lotação, com os nove alojamentos abarrotados. Onde era para ter seis pessoas, ficam até 10. Na sexta, eram 63, no total, mas no final do ano esse número ultrapassou 70. Fugas, investidas, reações bruscas e até princípios de rebelião são constantes. “Aqui, é um dia de cada vez”, descreve a assistente social Sany Silveira Nogueira.

Revolta
No fim de semana, haviam jovens de 14 a 18 anos no CIP. A idade mínima permitida é 12. Eles são divididos nos alojamentos de acordo com a faixa etária e composição física. Pelo menos é isso o que os funcionários tentam fazer, mas nem sempre é possível, porque a estrutura física é insuficiente. Em cada quarto, três beliches, um banheiro, com vaso no nível do chão e chuveiro, cujas descarga e liberação da água para banho são monitoradas pelos agentes, que acionam os controles colocados do lado de fora das celas, para evitar desperdício.

A revolta dos jovens é perceptível nas mensagens escritas nas paredes, no teto, no jeito de falar, abordar. Ao notarem a presença da reportagem, todos começaram a bater nas grades, fazer barulho e pedirem para falar. Com autorização judicial que vedava o contato ou a identificação deles, restou-nos ouvir, à distância, os gritos de: “Mostra a realidade, jornalista!” Alguns disseram, inclusive, que o espaço havia sido organizado e algumas coisas disfarçadas para a nossa entrada.

Perfil
Quando se fala em criminalidade e juventude, dois pontos chamam a atenção hoje: a alta reincidência e a inconsequência, a crueldade. No Centro de Internação Provisória, os apreendidos ficam no máximo 45 dias. Um mês e meio, esse é o período, teoricamente, para se tentar conversar, ouvir o que eles têm para dizer e proporcioná-lhes atividades pedagógicas, com o intuito de distrair e conscientizar. Conforme as assistentes sociais, é quase unânime a vontade, dentre eles, de se recuperar, voltar a estudar e melhorar de vida. Mas, ao passo, carregam consigo uma indignação diante da própria condição.

Sany Silveira e Wilma Aparecida pontuam características comuns destes jovens. Segundo elas, são pessoas que, geralmente, cresceram sem a presença paterna, muitos com famílias monoparentais, apenas com a família da mãe, de baixa renda, baixa escolaridade, pais sem qualificação profissional e, em alguns casos, com exemplos de pais também envolvidos com o crime e até presos. “É daí que a gente retira o argumento de que a redução da maioridade penal, hoje, só vai transferir o problema de lugar e não vai mudar muita coisa. A questão é social, é mais complexa do que isso”, expõe Sany.

Falta de segurança amedronta até mesmo servidores

Os 93 funcionários que compõem a equipe técnica do CIP, na verdade, aceitam a função. Dizer que trabalham tranquilos e, ainda mais, com o risco iminente e diário gerado pela insegurança da estrutura física do local, é impossível. Afinal, passam por ali de homicidas a traficantes. As grades são frágeis, fáceis de serem serradas, o que já aconteceu, propiciando a fuga de menores. A proximidade da unidade com os muros que dão para a rua é outro agravante.

Fora isso, existe ainda o fator da rebeldia e indignação para com a estrutura e as condições do alojamento. Apesar da rotina regrada, com horários, alimentação, garantia da visita de familiares na quinta-feira, atividades socioeducativas, com sala de aula e biblioteca, os adolescentes não se conformam e, tampouco, se acalmam. Brigas entre eles é outro aspecto que preocupa. A coordenadora geral, Wilma Aparecida Duarte, conta que todo dia é preciso cumprir um procedimento de rotina para avaliar o humor e o temperamento no interior das celas. Dependendo da situação, eles nem saem para comer e são servidos dentro do alojamento.

As assistentes sociais tentam manter um clima cordial, utilizando a mesma linguagem, dando o mesmo tratamento. Tudo para manter uma identificação e facilitar o contato. É comum, por exemplo, elegerem um líder de cada alojamento para representar o grupo nas conversar com integrantes da direção do CIP e exporem as reivindicações. “Serviram o lanche desse jeito, só porque vocês estão aqui”, gritavam alguns adolescentes, enquanto a reportagem visitava os cômodos próximos ao refeitório. Falaram, ainda, da caixa de som ligada e da TV passando filme, coisas que comumente não acontecem. Eles reclamam muito, também, do tratamento policial e denunciam supostos espancamentos e utilização da pistola taser. “Isso acontece muito na rua. Aqui dentro, não”, contrapôs Wilma.

A figura policial é odiada por eles. Quando alguém com farda entra na unidade, o clima de tensão impera. Ao todo, são 19 policiais que trabalham na segurança do CIP, divididos em quatro equipes que atuam em diferentes turnos. Dos 93 servidores, apenas três são pedagogos, três psicólogos, cinco assistentes sociais, dois enfermeiros e um psiquiatra. Hoje, seria necessário, pelo menos, mais dois psicólogos e 12 educadores para realizar os trabalhos.

Promotor define situação do CIP como caótica

O Ministério Público de Goiás (MP/GO) pediu, em 2011, a interdição do CIP e obteve decisão liminar favorável, mas o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ/GO) caçou posteriormente. Foi quando, em acordo com o governo do Estado, conseguiu-se o estabelecimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que estipula prazo de 15 meses para a construção de um pavilhão no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case), que funciona no Conjunto Vera Cruz e é para onde são levados os jovens.

Até o momento, o que o promotor da Infância e Juventude, Alexandre Mendes Vieira, sabe é que a data para finalizar o processo licitatório era o início deste mês. Ele oficiou a Agência Goiana de Transporte e Obras Públicas (Agetop) para saber se a licitação foi feita e aguarda a resposta. “Não é segredo para o Ministério Público a situação do CIP. O caos já vem de algum tempo”, afirma. Uma delas é acabar com a prática de transferir jovens sentenciados para o CIP, misturando-os com internados provisoriamente.

A alternativa, conforme o promotor, é utilizada com frequência, embora, a seu ver, seja um absurdo. Ele explica que essa é a saída encontrada para isolar adolescentes que não se dão bem com os demais ou já arrumaram confusão. No entanto, não existe uma readequação da proposta pedagógica, o que interfere no processo de internação. “Essa situação caótica não permite que tenhamos uma estatística positiva de recuperação dos adolescentes. Chega a ser pior que alguns presídios”, diz.

Fonte: Jornal O Hoje