"Precisamos criar a cultura da bicicleta em Goiânia"

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Nascido e criado na roça, como faz questão de ressaltar, o secretário de Desenvolvimento Urbano e Sustentável — pasta criada pelo prefeito Paulo Garcia para a atual gestão —, Nelcivone Soares de Melo é hoje um dos homens de visão mais ampla sobre o panorama urbano não só de Goiânia, mas de cidades referência pelo mundo inteiro. Durante a entrevista, na sede do Jornal Opção — e também após ela, em um bom bate-papo, ele faz questão de citar e mostrar exemplos de cidades que adotaram formas sustentáveis para lidar com seus desafios de metrópole.

Não foi à toa que ganhou proeminência no segundo governo de Paulo Garcia, de quem era amigo pessoal mesmo antes de o prefeito entrar no mundo da política. “Tínhamos um grupo de médicos que se reunia e lembro-me do dia em que o Paulo nos comunicou que tinha decidido sair candidato a vereador. Lembro que disse a ele para não mexer com isso. Ainda bem que não ele não ouviu meu conselho”, recorda, descontraído.

A carreira de Nelcivone inclui desde ajudante de sapateiro, balconista de farmácia (“meus primeiros rudimentos de farmacologia”, brinca, relembrando), assistente de laboratório clínico, médico hematologista, dirigente classista na CUT-GO, empresário (foi sócio do Laboratório Atalaia) e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Agora, é um dos mais importantes agentes públicos de Goiânia. E mostra, sem afetação alguma, o desejo de deixar um legado importante para a cidade: uma Goiânia realmente sustentável.

Frederico Vitor — Em que estágio se encontra Goiânia em relação a esse conceito de cidade sustentável?

Se você se reportar ao estudo do IBGE do ano passado verá que, nos indicadores que foram utilizados, Goiânia foi a melhor classificada entre 15 cidades com mais de 1 milhão de habitantes. Fomos muito bem no quesito “área verde por habitante”, assim como no tratamento de resíduos sólidos. No Brasil, são poucas as cidades que têm um tratamento adequado do lixo. Para dar um exemplo, somente no ano passado o Rio de Janeiro adotou um aterro sanitário, o de Seropédica [cidade da região metropolitana do Rio]. Até então, a prefeitura carioca usava o lixão, o que foi até objeto do filme, “Lixo Ex­traordinário”. Estamos entre as dez cidades com melhor tratamento de resíduos sólidos, em relação a lixo doméstico. Um desafio que temos ainda é o do resíduo da construção civil, mas estamos com estudos em andamento para buscar soluções. Pode parecer uma heresia, mas, sobre o trânsito, apesar de muito criticado, se formos comparar o que temos com o das 15 cidades brasileiras com mais de 1 milhão de habitantes, temos um trânsito melhor. Basta verificar itens como velocidade média dos veículos e transporte urbano. Nosso transporte é integrado, com um Eixo Leste-Oeste de alta capacidade, um BRT e um Eixo Norte-Sul com trecho de via exclusiva para ônibus. Sabemos que não é o ideal, mas não é tão ruim, é uma situação razoável. Já morei em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em São Paulo, dependendo da situação, você não consegue marcar dois compromissos para o mesmo dia. Vim do Paço até aqui [Setor Marista] em menos de 15 minutos. Da mesma forma, durante a campanha eleitoral um dia o prefeito pediu para que eu o representasse na Região Noroeste. Eu estava no Paço Municipal e calculei pelo GPS a distância até o local do evento: 24 quilômetros. O compromisso era às 20 horas e resolvi mais de uma hora antes para não chegar atrasado. Saí do Paço às 18 horas, o pior horário para se trafegar pela cidade. Em meia hora eu tinha chegado ao destino e ainda estava tudo fechado no local. Fiquei uma hora e meia esperando porque calculei mal, pensei que fosse demorar muito mais. Faço um trajeto de 15 quilômetros todo dia de minha casa, no Privê Atlântico, até o Paço, por quatro vezes. Nunca demorei, exceto em circunstâncias especiais, mais do que 15 minutos. Só que temos a realidade e o que é a percepção do cidadão. No estudo do BID, os cidadãos veem como principais problemas a saúde, a mobilidade urbana e a segurança, o que não se traduz na realidade dos indicadores. Mas é a percepção do cidadão.

Frederico Vitor — Preocupa o fato de Goiânia já ter excedido o número de 1 milhão de veículos emplacados?

É preocupante, mas precisamos entender que o carro é um ícone em nossa sociedade. Se você parar em uma esquina e observar os carros, verá que a maioria dos carros, até 90%, tem uma pessoa só. Uma tonelada para deslocar 80 quilos. Do ponto de vista da mobilidade urbana isso é irracional. No mundo todo, o que deu certo foi criar políticas de mobilidade urbana centradas no transporte coletivo e criar restrições ao uso do veículo. Não existe solução privilegiando o automóvel. Em Bogotá, recentemente, vimos um exemplo da França, de um deputado que foi um grande lutador da chamada “Green Mobility” [“Mobilidade Verde”]. Em Londres, também, e todas as grandes cidades do mundo a política é restringir o uso do automóvel. O ex-prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa argumenta que não se pode proibir a pessoa de comprar carro, mas o carro é um bem privado e é problema da pessoa resolver o que for relativo a ele. Em Tóquio, ao comprar o carro, é preciso provar que se tem o lugar onde guardar o veículo. Mas, enfim, há várias medidas que podem ser tomadas. Uma é o rodízio de carros, que funciona até certo momento, quando a pessoa compra um segundo carro para rodar dia sim, dia não, com cada carro. Muitas cidades do mundo hoje têm também o pedágio urbano, para inibir o acesso a certas áreas da cidade. Nas principais cidades europeias há atualmente também as zonas de restrição: na Itália, em Milão, Padova e outras, você não entra de automóvel particular no centro da cidade, o acesso é permitido somente para táxis, bicicletas, moto, ônibus e ambulância. Para visitar a torre de Pisa, por exemplo, há um bolsão de estacionamento na entrada da cidade. Dali para frente é a pé.

Cezar Santos — São medidas duras. Já se prevê algo assim em Goiânia?

É a realidade o que determina o que virá ou não. O poder público tem de intervir: se o quesito mobilidade urbana chegar a um ponto intolerável, isso será necessário e essas são soluções técnicas viáveis.

Cezar Santos — Concordo com o sr. quando afirma que se diz que o trânsito é muito pior do que realmente é. Mas o transporte coletivo realmente é uma lástima. Quem o usa tem razão de reclamar, pois sabe o tanto que é desumano.

Elder Dias — Resolvendo o problema do transporte já se resolveria muita coisa. Mas tudo passa também pela solução do trânsito.

O modelo do transporte coletivo de Goiânia é muito bem desenhado: há os eixos, os terminais de integração, as linhas alimentadoras. É um modelo correto. Nosso problema é a velocidade média dos ônibus. Segundo o presidente da CMTC [Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo], José Carlos Grafite, Goiânia, há dez anos, tinha 800 ônibus em circulação. Hoje, a frota quase que dobrou. Só que os 1,5 mil ônibus de hoje fazem menor número de viagens do que o que ocorria dez anos atrás. Por quê? Porque o ônibus fica preso no trajeto. Na central de operações da RMTC [Rede Metropolitana de Transporte Coletivo], é possível observar a posição de cada veículo da frota. Os pontinhos vermelhos mostram os que estão atrasados e é o caso da maior parte dos que a gente vê. Isso ocorre porque eles têm de competir com o automóveis. O modelo do Eixo Anhanguera é altamente eficiente, com capacidade de transportar 30 mil passageiros por hora, enquanto os ônibus que estão presos nos engarrafamentos deixam de ocupar sua capacidade e de fazer o número de viagens que poderiam fazer.

Pode-se criticar também o conforto dos veículos e a idade da frota, tudo isso é passível de melhorias. Outro modelo, que não é uma faixa exclusiva, mas preferencial, é o do Corredor Universitário [entre a Praça Cívica e a Praça da Bíblia]. Naquela região, houve uma melhora substancial do tráfego dos ônibus, somente por conta da faixa preferencial. Uma crítica que deve ser feita é que Goiânia deveria ter mais faixas preferenciais e exclusivas, porque isso é realmente eficiente.

Elder Dias — É algo que está no planejamento, inclusive.

Sim, já estamos com projetos prontos, como o dos corredores das avenidas T-7, T-9 e T-63. Se implementarmos todos os corredores previstos, teremos uma melhoria significativa na eficiência do transporte coletivo, com certeza.

Cezar Santos — Sobre as ciclofaixas, o que o sr. pode dizer? Hoje está muito claro que esse tipo de transporte precisa ser estimulado.

Um livro interessante é “Diário de Bicicleta”, do cantor David Byrne, em que ele relata suas experiência com uma bicicleta dobrável, que ele abre para pedalar em cada cidade em que desembarca. Ele diz que é a melhor maneira de se conhecer uma cidade. É um erro fundamental das pessoas achar que para circular pela cidade é preciso ter uma ciclofaixa ou ciclovia. Está em nossa lei de trânsito que a bicicleta tem direito de trafegar na pista de rolamento, e com prioridade sobre o automóvel. Esses dias, indo e voltando para o trabalho, fotografei ciclistas transitando por faixas de rolamento em avenidas como T-7 e T-63.

Logicamente, precisamos aplicar a legislação existente, o que às vezes é um problema em nosso País. Em São Paulo, a morte de uma ciclista na Avenida Paulista, atropelada por um ônibus no ano passado, causou um impacto grande. Hoje, naquela avenida há uma ciclofaixa, embora utilizada só no fim de semana. Mas o fato é que eu posso pegar uma bicicleta e andar na faixa de rolamento. Os demais veículos precisam manter 1,5 metro de distância em relação à bicicleta e ultrapassá-la como a um carro. Infelizmente, muitos condutores consideram que o ciclista está apenas “atrapalhando” o trânsito.

Cezar Santos — Podemos entender então que a Prefeitura vai preparar campanhas educativas.

Certamente. Estive em Wa­shington, nos Estados Unidos, em julho do ano passado. Lá há três formas de andar de bicicleta: a via compartilhada, a ciclofaixa e a ciclovia. A ciclovia é uma pista segregada, em que só trafegam bicicletas. Já a via compartilhada é um local em que se desenham bicicletas no asfalto e é preciso respeitar sua velocidade. Precisamos, então, criar a cultura da bicicleta em Goiânia. Na década de 70, quando eu entrei na Faculdade de Medicina, tinha apenas um colega que tinha carro. Todos os demais ou iam de ônibus ou de bicicleta. Eu trabalhava em Campinas e descia de ônibus no Setor Universitário. Hoje, basta passar no vestibular para ganhar um carro ou nem isso — às vezes basta fazer 18 anos para ganhar um automóvel. Além do trabalho educativo, é preciso criar as ciclofaixas, ciclovias e vias compartilhadas. Nesta gestão, em nosso planejamento queremos criar cem quilômetros de ciclovias. Demos o primeiro passo, que são os três quilômetros entre a Praça da Bíblia e a Praça Cívica. Outro trecho, de 8,5 quilômetros entre os câmpi da UFG, que ainda não foi executado. Foi um compromisso da Prefeitura com a UFG, que se comprometeu a fazer o projeto arquitetônico. Órgãos receberam ordens de dar prioridade à obra, mas encontraram regiões complicadas, como a travessia do Rio Meia Ponte, no Setor Goiânia 2. Agora a universidade vai entregar o projeto executivo para que a Prefeitura faça a obra. Ao longo do complexo Macambira-Anicuns teremos 24 quilômetros de ciclovia de cada lado. E também no estudo em andamento com o BID consta, como um dos produtos, o plano de mobilidade, em que entram calçadas, ciclovias e ciclofaixas, bem como a questão do BRT. Engraçado é que, quando eu entrei na Prefeitura, se se falasse de bicicleta, ninguém dava ouvidos, ninguém acreditava na ideia. Eu ainda coordenava o projeto Macambira-Anicuns, que foi minha primeira função da gestão, quando recebi uma vez o pessoal do Pedal Goiano [um dos maiores grupos de ativistas da prática do ciclismo em Goiânia] levaram um abaixo-assinado para ser entregue ao prefeito, com mais de 3 mil assinaturas. Ninguém nem queria receber o documento, falavam “bicicleta é coisa de operário”, que ninguém chegaria suado ao trabalho. A insistência continuou e a bicicleta passou de ignorada para peça importante na agenda política da administração, não há mais como voltar atrás. Durante a campanha, sentimos isso.

Elder Dias — No programa de governo há várias citações sobre questões relativas à bicicleta e a um plano cicloviário.

A bicicleta está totalmente integrada ao que quer a gestão. E vemos que não é só uma coisa daqui. Visitamos o Eduardo Paes [prefeito do Rio de Janeiro], que nos falou que recebeu a cidade com 140 quilômetros de ciclovias e vai terminar a gestão com 350 quilômetros de vias para bicicletas. Em agosto participei, como convidado da Caixa Econômica Federal, de um encontro com as 12 cidades da Copa do Mundo. Ouvimos falar muito das arenas, que estão sendo feitas dentro do conceito de sustentabilidade. Cada uma terá acessibilidade total, aproveitamento da água da chuva, piso permeável e uma usina fotovoltaica, para produzir energia elétrica por meio da radiação solar. Será um estádio e uma usina de energia, com a tecnologia que hoje existe. Se juntarmos várias pequenas usinas, atualmente pode-se produzir uma grande quantidade de energia. Dessa forma, os estádios terão uma grande importância no desenvolvimento da sustentabilidade, mas todas as cidades terão também um salto de qualidade na infraestrutura urbana que irá muito além deles. E em todas as cidades há a presença de ciclovias no mobiliário urbano, ao lado de equipamentos com o metrô, o BRT [trânsito rápido de ônibus, em inglês] ou o VLT [veículo leve sobre trilhos]. Nesse encontro de que participei, cada cidade apresentou uma prática que adotará: Brasília mostrou o novo Estádio Mané Garrincha; Curitiba apresentou sua mobilidade urbana; e Salvador, seu projeto para ciclovias, em que houve entrevista a 20 mil soteropolitanos. Cerca de 70% responderam que sim, adotariam a bicicleta se houvesse condições de trafegabilidade. Em cima disso, fizeram o projeto na cidade.

Elder Dias — Além da criação da estrutura viária para bicicleta é exatamente a questão da cultura. Geralmente não há condição alguma nos locais de trabalho para que a pessoa possa chegar ao serviço e se trocar, depois de pedalar. Há alguma forma criativa de a Prefeitura ajudar as empresas a incentivarem seus empregados a usar a bicicleta?

Já cheguei a pensar sob esse ponto de vista. Mais importante do que falar é o efeito demonstração, a partir do poder público. Queremos instalar paraciclos em todos os prédios da Prefeitura. O funcionário que quiser ir de bicicleta precisa ter lugar para deixá-la. Sobre a questão do suor, por exemplo, isso não é um grave problema para quem usa a bicicleta, porque com o tempo se transpira bem menos, com a prática. Outro livro que li durante as férias foi “Mobilidade Urbana e Ci­dadania”, de Eduardo Vascon­cellos. Ele fala sobre como as pessoas se deslocam pelo mundo. A primeira forma é andar a pé, isso é o mais importante elemento da mobilidade urbana. Uma emissora de TV fez várias reportagens sobre mobilidade e bicicleta e, mesmo em São Paulo, a maior parte das pessoas transita a pé. Em um determinado momento todos somos pedestres. O principal elemento de que a Prefeitura teria de cuidar seria a calçada. Por isso, o autor desse livro fala que, se o gestor quiser fazer um plano de mobilidade realmente revolucionário, é preciso antes fazer as calçadas de sua cidade. Eu fiz um teste aqui, parando meu carro em frente ao restaurante da esquina. De lá até aqui na porta [cerca de 60 metros], tinha um pedaço quebrado de calçada, um saco de lixo e, depois, um paralelepípedo. Falo que é preciso fazer o teste do carrinho de bebê: tentar dar uma volta no quarteirão com um deles, ou conduzindo um cadeirante. É uma exceção encontrar uma quadra de Goiânia em que se possa dar uma volta inteira com um carrinho de bebê ou uma cadeira de rodas. Portanto, o primeiro desafio da mobilidade é cuidar das calçadas e do respeito ao pedestre; o segundo, das bicicletas. Nesse livro também, li que a bicicleta é o meio de transporte mais usado no mundo. Fiquei impressionado. Se olharmos para Goiânia, para cada cem carros, vemos duas ou três bicicletas. Mas, na Europa, ano passado, foram vendidas mais bicicletas do que automóveis. O mesmo deputado francês que falou do “Green Mobility” registrou que houve redução de 30% do número de carros nas ruas. Ele mostrou também fotos da Praça da Con­córdia, em Paris, que há dez anos era entupida de carros. No mesmo horário e dia da semana, dez anos depois, vê-se apenas carros circundando a praça. Outra queda foi no índice de mortes por acidentes de trânsito. O impacto dos acidentes no sistema de saúde não é algo muito bem medido no Brasil. Morrem no trânsito do País, por ano, o equivalente a uma guerra. Isso fora as pessoas que, feridas, vão para os hospitais e oneram as despesas hospitalares. Uma política acertada de mobilidade baseada na bicicleta melhora os indicadores de saúde, reduzindo índices de hipertensão, diabetes e outras doenças na população.

Elder Dias — É o que se chamaria de círculo virtuoso, então. Isso não deixa de ser sustentabilidade, fazer com que se possa andar de bicicleta e diminuir os gastos.

É fácil mostrar os efeitos da sustentabilidade a partir de outros países. Por que as montadoras de automóveis estão migrando para os países emergentes? É que na Europa a venda de veículos está caindo. No Brasil, hoje, estão presentes quase todas as montadoras — americanas, europeias, japonesas, coreanas, além da chegada agora das chinesas. Eu “comemorei” uma estatística: no ano passado a fabricação de veículos foi 3% menor do que no ano anterior em nosso País.

Elder Dias — Talvez o sr. “comemorasse” mais esse dado se o sr. fosse da oposição no governo federal (risos). Esse decréscimo parece passar pela questão do “Pibão” e do “Pibinho”.

(risos) A gente tem de pensar que a indústria automobilística cresce, mas traz problemas, como a indústria do tabaco, por exemplo. Ela cobra um tributo muito alto em vidas, em impacto na saúde e em poluição. O veículo automotor é o principal emissor de gases poluentes nas grandes cidades. Come­moramos o fato de vender automóveis como sucesso da economia, mas há esse impacto.

Elder Dias — Tenho então que fazer essa pergunta para o sr., como petista e integrante do governo municipal: como o sr. viu a política de incentivo à compra de carros, com a redução do IPI [Imposto sobre Produtos Indus­trializados] para as montadoras, iniciada no governo Lula e continuada no governo Dilma?

É um tema complexo. Essa indústria gera empregos e, quando começa a cair o número de veículos vendidos, há um acúmulo deles nos pátios das concessionárias. O próximo passo seguinte é redução da produção, com um consequente programa de demissão voluntária. A indústria automobilística tem um lobby muito forte e conseguem pressionar o governo para manter essas políticas de incentivo, para não diminuir a produção. O que questiono, de fato, e que acho que deve ser mudado, é esse conceito de desenvolvimento. Desenvolver para quê? O PIB tem sempre de crescer acima de 5%? Não há um outro parâmetro para medir o desenvolvimento? Temos de mudar a direção desse desenvolvimento, ver o que isso está trazendo de positivo para a humanidade, ver para onde estamos indo com esse “crescimento” todo.

Cezar Santos — Em relação a esse estímulo à indústria automobilística, o que se vê é uma visão estreita e imediatista do governo federal. Não há nem sequer o incentivo à produção de veículos que poluam menos, ou mesmo de automóveis elétricos.

Sou defensor do desenvolvimento de uma indústria mais sustentável. E o Brasil está atrasado, por exemplo, na produção de veículos elétricos. A maioria das montadoras que estão aqui no País já possuem modelos elétricos prontos para ser produzidos aqui e que já são vendidos com muito sucesso no exterior. A Toyota tem o Prius, que já vendeu mais de 2 milhões de unidades na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos. Essas companhias esperam apenas o marco regulatório do veículo elétrico. Hoje não há uma legislação nacional para o veículo elétrico. Quando houver isso, vão começar a produzir e, então, poderemos substituir um veículo mais poluente por outro menos poluente, porque até o veículo elétrico produz certa poluição — na verdade até o veículo elétrico tem uma certa pegada de poluição, porque sua produção gera impacto. Aliás, não existe atividade humana sem impacto ambiental. No Brasil temos o etanol como um produto que é modelo de sucesso, mas, quando se aumenta a frota, diminui-se a oferta de etanol. Há certo descompasso entre o estímulo para produzir o carro e a infraestrutura para esse mesmo carro. Só para terminar sobre essa questão do carro elétrico, temos de observar o seguinte: ele não vai resolver a questão da mobilidade, podemos ter, daqui a um tempo, um “eco­engarrafamento”.

Fonte: Jornal Opção