Projeto prevê cara nova no Setor Sul
Quatro décadas depois, Projeto Cura ainda não saiu do papel.
No lugar de praças e jardins arborizados integrando as vias de um dos mais tradicionais setores de Goiânia, o que se constata são lotes abandonados, com iluminação precária, tomados por lixo, pichações e a entrada indevida de veículos. Esta é uma realidade constatada pelo Setor Sul, cujos moradores mais antigos não veem sair do papel um plano habitacional e de socialização ousado, formulado em 1973, denominado Projeto Cura.
Com objetivo de conter o crescimento desordenado na região sudoeste, na época ainda repleta de lotes baldios, a proposta inicial do Cura era solucionar os problemas de segurança, infraestrutura e criar um núcleo de integração entre a região central e sul da cidade, partindo da arborização das áreas livres, além da construção de praças, áreas esportivas e centros culturais ao ar livre, todos integrados por uma via própria.
Administrações municipais se sucederam, e o projeto original não chegou a ser implementado em sua total abrangência. Do que se concluiu, hoje, apresenta depredações pelo descaso e invasões de áreas públicas. Associação de moradores ainda mantém ações de conservação em alguns núcleos do projeto, mas cobram uma intervenção efetiva da atual administração municipal.
Enquanto a retomada do projeto fica apenas no campo das promessas, moradores relatam a convivência com problemas diários. Alguns, cansados de esperar soluções efetivas da Prefeitura, se reuniram e formaram uma associação de moradores. Foi o que aconteceu no Bosque dos Pássaros, localizado na Rua 118, uma das áreas, atualmente, mais bem conservadas do projeto. Residente do local há 34 anos, Helena Vieira contou que, antes da mobilização dos vizinhos, a praça estava abandonada. “Era lixo, entulho, poeira, pessoas usando drogas, motoristas dando cavalo de pau. Até carga e descarga de mercadoria acontecia aqui.”
Implementação lenta não ocorreu de fato
O projeto Cura refere-se à sigla de Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada (Cura), que visava estimular a ocupação de lotes baldios no Setor Sul e integrar a região central com a sudoeste, por meio de praças de convivência. As primeiras análises aconteceram em 1974, por meio do Programa de Complementação Urbana promovido pelo Banco Nacional de Habitação (BNH).
Conforme análise da época feito pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento de Goiânia (Iplan), os objetivos estabelecidos, partindo das demandas do bairro, foram: urbanização das áreas livres transformando-as em áreas verdes com equipamentos de lazer; complementação das redes de água, esgoto, energia elétrica, iluminação pública; pavimentação e de galerias de águas pluviais e incentivo ao aumento do índice de construção gerando, a médio prazo, total ocupação dos lotes.
De imediato, o alto custo logo levou à suspensão da complementação da rede de esgoto. Para as áreas livres foram propostos os seguintes equipamentos: playground, quadras poliesportivas, bancos, bebedouros, vegetação, pavimentação e iluminação.
No entanto, a realização do Cura foi lenta. Previsto para ser iniciado em 1974 e concluído em 1975, foi iniciado em 1977 e parcialmente concluído em 1980. Mas mesmo após a sua conclusão, as áreas livres continuaram ociosas e subutilizadas.
A execução do projeto inicial foi paralisada de fato em 1988, ano este em que a administração municipal foi dividida entre dois prefeitos: o interventor Joaquim Roriz (PMDB), que ficou no paço de março de 1987 até outubro de 1988; e Daniel Antônio de Oliveira (PMDB), eleito em 1986 e que reassumiu o cargo de outubro a dezembro de 1988. A ocupação do bairro aconteceu da foram prevista, mas rapidamente os espaços públicos sofreram abandono, que permanece até hoje.
Invasões são motivo de embate judicial
Além da degradação do espaço, o Projeto Cura também sofre com ocupações indevidas, feitas pelos próprios moradores da região. As invasões e “puxadinhos” já foram alvo de questionamentos do Ministério Público, mas a legalização das áreas tomadas, ou mesmo a desocupação, ainda é um entrave sem solução. Segundo o promotor de Urbanismo do Ministério Público Estadual (MP-GO), Maurício Nardini, existe ações na Justiça para cada uma das invasões na região. Ele explicou que há 10 anos o MP entrou com uma ação pedindo a execução do projeto. “Mas infelizmente, na época, o pedido foi negado”, salienta.
Diante de fatos novos a situação fica complicada, pois segundo o promotor, já existe uma determinação judicial desfavorável. Ele relembrou que o projeto foi financiado pelo antigo Banco Nacional da Habitação (BNH). “O espaço ficou esquecido durante um período. Acredito que a última revitalização aconteceu devido a um acordo feito com a Universidade Salgado de Oliveira, que reformulou muitas quadras e muitos espaços de lazer.” Nardini ainda disse que, no último período eleitoral, muitas pessoas procuram o órgão para resolver problemas pontuais.
Como houve falha da fiscalização municipal há casos praticamente impossíveis de ser regularizados. A antiga Secretaria de Planejamento do Município (Seplam) chegou a notificar os proprietários dos imóveis para que houvesse a regularização da situação. Mas, sem ter o que fazer com as famílias que se instalaram nos locais, a Prefeitura agiu com morosidade. Nada ainda foi determinado.
Moradores se unem para pagar zelador
Helena Vieira relembra que em 2004, no último ano do mandato do prefeito Pedro Wilson (atualmente, indicado para assumir a Amma- Agência Municipal do Meio Ambiente), a administração municipal apoiou significativamente a organização dos moradores. “Hoje, periodicamente, podam a grama da praça. Mas as lâmpadas não são trocadas. Há apenas uma funcionando”, reclama. Os moradores arcam com as despesas de alguns quesitos da manutenção, além do salário de um zelador. No centro do bosque uma quadra poliesportiva foi construída, mas apresenta sinais do tempo. Os muros foram pichados e o chão está trincado.
Em outra praça da Rua 88, também no Setor Sul, o mato alto e o lixo espalhado deturpam a imagem do que poderia ser um ambiente de convivência. Uma moradora, que preferiu não ser identificada, disse que a praça dá medo, principalmente durante a noite. “Não tem como passear pelo local. Os carros também utilizam trechos indevidos para cortar caminho”, disse.
O Projeto Cura, esquecido pela administração pública, voltou a ser lembrado recentemente durante as campanhas eleitorais. O atual prefeito, Paulo Garcia (PT), chegou a prometer que revitalizaria o projeto, integrando o plano de governo intitulado Goiânia Cidade Sustentável. A reportagem entrou em contato com a assessoria direta do prefeito que direcionou a responsabilidade da área para a Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg). Sem se aprofundar no que diz respeito à revitalização de todo o projeto ou a um cronograma para pôr isso em prática, a companhia se limitou a informar que a manutenção e a limpeza das praças são realizadas, constratando, no entanto, com o que a reportagem encontrou no local.
Fonte: Jornal Opção