Flanelinhas: Os donos das ruas
Sem fiscalização, flanelinhas “privatizam” espaço público, distribuem vagas e cobram preços abusivos. No setor Marista, estacionar na via custa entre R$ 10 e R$ 25
A lei estabelece que ruas e avenidas são caminhos abertos ao trânsito público, ligadas diretamente a outras vias, dentro de zonas urbanas ou suburbanas. São de uso comum e posse de todos. O problema é que em Goiânia, a exemplo de várias outras cidades brasileiras, os flanelinhas tomaram conta das ruas.
Com a falta de fiscalização, eles não se intimidam em “privatizar” as vias, distribuindo vagas e estabelecendo preços por elas. A ousadia é tanta que, em alguns pontos da cidade, eles chegam a exigir que o motorista desocupe a via - espaço público - se o pagamento não for feito antecipadamente.
Presentes em diversos bairros de Goiânia, eles atuam vinte e quatro horas. Durante o dia, costumam cobrar valores pequenos, entre R$ 2 e R$ 5. Alguns até aceitam receber quantia simbólica, como algumas moedinhas. Mas é à noite e próximo a boates e bares que eles se tornam, de fato, donos das ruas.
No Setor Marista, bairro nobre da Capital, a reportagem flagrou numa noite de quinta-feira mais de dez flanelinhas no quadrilátero do bairro. Conhecido por abrigar restaurantes, bares e boates, o Marista foi batizado por jovens de “Beverly Hills”, em analogia à cidade americana, que fica na Califórnia e é conhecida por abrigar celebridades.
À vontade na chuva fina que caía, homens com idades aparentes entre 17 e 40 anos cobravam entre R$ 10 e R$ 20, dependendo do local onde a pessoa estacionaria. Sem se identificar, a repórter procurou o preço cobrado por cada um deles. A maioria cobrava o pagamento na hora. Três aceitaram receber na volta, mas ressaltaram as exigências, como retornar até às três da manhã e ir para determinado bar.
“Se a senhora for para o Sumaúma pode estacionar aqui e pagar na volta. Cobro R$ 10 e fico até às cinco da manhã. Do contrário, tem de procurar outro lugar”, orientou um flanelinha, correndo de um lado para outro a fim de organizar os espaços na Rua 148 na medida em que mais carros iam chegando.
Na noite de sábado o número de flanelinhas dobra. Eles estão presentes em cada esquina e em alguns pontos ficam em duplas ou trio a fim de atender todos os motoristas que chegam, conforme verificou a Rádio 730. Relatos mostram que são nos fins de semana e à noite que os goianienses se sentem mais intimidados e sem disposição para confrontar os flanelinhas.
Cliente de um restaurante caro de Goiânia, que fica no Marista, a estudante de Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Fábia Schneider, pagou R$ 25 por uma vaga na rua. “Cheguei acompanhada dos meus pais e do meu namorado. O cara nos perguntou aonde iríamos e depois que respondemos nos cobrou R$ 25. Achamos um absurdo, mas para evitar brigas pagamos”.
O vestibulando Rafael Brígida, aluno do Olimpo, afirma que pagou R$ 20 por uma vaga para ir à boate Pacha, também no Marista. Ele conta que quase não tem saído porque se dedica exclusivamente aos estudos e faz um desabafo. “Estudo muito porque me preparo para ser aprovado no vestibular de Medicina. No dia que resolvo sair com os amigos para espairecer já passo raiva logo na chegada. Essa cobrança é absurda”, avalia, completando que os amigos tiveram receio de reagir.
Nos setores Bueno e Oeste os flanelinhas também atuam à vontade. Eles se acomodam perto de pizzarias, restaurantes e bares. Para demarcar espaço, muitos reservam vagas com cones, impossibilitando os motoristas de estacionarem. Foi o que aconteceu com um casal de namorados num bar localizado na Rua 15 no Setor Oeste, sábado à noite.
“Acabamos de chegar e tinham umas vagas no meio da rua guardadas com cones, eles queriam que nós pagássemos antecipado, mas dissemos que íamos pagar na volta. Cobraram R$ 10”, afirma a veterinária Juliane Albuquerque. Ela e o namorado não se importam com a cobrança. Segundo ela, os dois já estão acostumados a pagar o flanelinha mesmo a rua senda pública e o carro segurado.
Por meio da assessoria de comunicação, a prefeitura de Goiânia informou que não tem programa de cadastro de flanelinhas e também que não há serviço de fiscalização. A Polícia Militar (PM) garante que fiscaliza a atuação dos flanelinhas nas ruas de Goiânia. Informado sobre a cobrança de R$ 20 e R$ 25 reais no Setor Marista, o tenente-coronel Wesley Siqueira diz que o valor é abusivo e que a demarcação com cones é proibida. Sempre que localizados os cones são recolhidos pela PM, ele afirma. Os cones, segundo a Polícia, configuram barreiras de impedimento aos motoristas.
Wesley Siqueira enfatiza a importância da participação da sociedade na fiscalização, denunciando casos de constrangimento, cobrança abusiva e até de extorsão. Ele orienta as pessoas a ligarem para a polícia que, de acordo com ele, irá até o local e efetuará a prisão por exercício arbitrário da função.
A Polícia Militar possui o programa “Rede de Apoio à Segurança”, especializado em cadastrar e preparar pessoas para atuarem como flanelinhas em Goiânia. De acordo com Wesley Siqueira, que é coordenador do programa, o curso é oferecido pela própria polícia e visa coibir os flanelinhas clandestinos. Atualmente, 870 estão cadastrados na PM. Entre os pontos em que atuam estão os bairros Centro (Catedral de Goiânia) e Campinas (Praça da Matriz).
“Eles [flanelinhas] procuram a polícia, fazem cadastro e participam do Curso de Capacitação de Conhecimento para serem nossos parceiros. São orientados a não cobrar taxas e a atuar de acordo com o que diz a Lei”. A lei, de 1972, reconhece através do Ministério do Trabalho, a profissão de guardador de veículos. É necessário ter as obrigações eleitorais e militares em dia e é proibida a cobrança de taxa. Cabe ao dono do veículo pagar o valor que achar conveniente.
Taxis
O descumprimento da lei também se estende aos taxistas. A reportagem flagrou alguns cobrando valores fechados de clientes, inclusive da própria reportagem. Questionados quanto cobrariam para levar a repórter ao Setor Urias Magalhães, em Goiânia, três responderam que R$ 30 e um afirmou que o preço variaria entre R$ 25 e R$ 30, dependendo do local no bairro. De acordo com uma fonte que prefere o taxi ao carro particular para sair à noite, os taxistas sempre negociam o preço antes da corrida. “É raro encontrar um que não fecha um valor antes de sair”.
Fonte: Portal 730