Por que a novela Celg não acaba?
Elder Dias
O que há por trás das negociações para estancar a agonia da Companhia Energética de Goiás (Celg)? Por que, apesar de ser algo necessário e urgente para toda a população de um Estado, a solução para viabilizar a companhia não aparece? Onde e por que ocorre a “falta de boa vontade”, como disse o governador Marconi Perillo, em relação à estatal?
São perguntas que ficam em aberto. E é com essa expressão “em aberto” na face que o presidente da Celg, vice-governador José Eliton, reage aos questionamentos acima. Ele tem plena consciência — e consciência tranquila — de que, se fosse somente por questões técnicas, o problema da Celg já estaria encaminhado.
Desde o início do ano, quando assumiu a estatal, a missão de José Eliton é tirar a Celg da UTI. A paciente, que estava em coma profundo ao fim do governo anterior, pelo menos já reage a estímulos e dá sinais de que pode se recuperar, conforme se observa no relatório comparativo entre os dois últimos primeiros semestres, divulgado na semana passada. Para sair da terapia intensiva, no entanto, a maior energética do Centro-Oeste precisa de mais do que pagar suas dívidas: é necessário o aporte financeiro que a faça voltar a crescer.
Aí fica a questão: por que, então, a equipe de transição do então governador eleito fez de tudo para que o empréstimo não chegasse até as mãos do Estado, no fim do ano passado? Não era esse gás financeiro que estava sendo acertado?
O presidente da Celg explica o porquê. “Os bilhões que entravam da Eletrobrás voltavam para a Eletrobrás. Só sobravam os R$ 800 milhões (da liberação do ICMS retido por causa da inadimplência com a União), que não tínhamos certeza para onde iria”, disse. Ou seja, não sobraria nada para investimento no crescimento da empresa goiana.
O temor mostrou-se procedente após o governo Alcides Rodrigues fechar sem pagar o mês de dezembro ao funcionalismo público. Ficou a dúvida: os R$ 800 milhões “livres” iriam mesmo para a Celg ou seriam “realocados” para ajudar as contas do Estado a fechar? Em outras palavras, o dinheiro era para socorrer a Celg ou o governo?
Novo começo
A partir de janeiro, com a posse do governador Marconi Perillo, começa então uma nova rodada de negociação com o governo federal. A nova diretoria da Celg, José Eliton à frente, sentou-se à mesa com o staff da Eletrobrás. Várias idas ao Rio de Janeiro, onde fica a sede da estatal brasileira. Cada parte apresentou seu plano de restruturação. Arestas foram sendo aparadas e um denominador comum foi construído.
Tudo caminhava para uma solução técnica e viável. Mas parou. Por que parou? Entre os técnicos de Celg e Eletrobrás tudo caminhou bem. Até que José Eliton ficou sabendo que a questão iria então para “instâncias superiores”.
A partir de então, nada mais andou. O que pode ser deduzido? Sendo a Eletrobrás a parte técnica da questão — e onde tudo caminhou relativamente bem — supõe-se que não seria a própria que pararia a negociação. Seria, no mínimo, ter perdido tempo à toa, inclusive de seu próprio quadro.
A expressão “instâncias superiores” pode ser entendida, então, também como “instâncias políticas”. Não foi na própria Eletrobrás que a novela Celg parou de caminhar: pelo organograma, ela está ligada ao Ministério das Minas e Energia, que se liga, obviamente, diretamente à Presidência da República.
Vem então, dessas instâncias, a “falta de boa vontade” a que se referiu o governador, na semana passada? É provável. Marconi Perillo tem ressaltado o bom tratamento que tem recebido do Planalto em várias questões, mas a questão da energética goiana virou um capítulo à parte, talvez por ter ele próprio sido frontalmente contra o acordo fechado no ano passado.
A presidente Dilma Rousseff tem buscado se afastar do centro do desgaste com o governo de Goiás. Como disse o subchefe de Assuntos Federativos, Olavo Noleto, em entrevista ao Jornal Opção, na semana passada: “O governo federal tratou com muito cuidado essa questão o tempo inteiro e vai continuar tratando assim.” Ele ressalva porém que não conhece o último capítulo dessa novela, “que está sendo tratado diretamente pelo governo estadual com o Ministério de Minas e Energia”. É bom lembrar que Noleto foi um dos principais interlocutores do acordo fechado ano passado, entre a Eletrobrás e a gestão Alcides Rodrigues.
Análise
O que está em jogo
Até com certa obviedade, é possível deduzir que, pelo menos em teoria, o trânsito no governo federal é mais fácil para quem está mais próximo politicamente do Planalto. Mas por que outras demandas do governo Marconi estão, segundo ele mesmo, sendo conduzidas de bom grado e o mesmo não ocorre com a Celg?
Em uma comparação precária, digamos que é como se a estatal ocupasse — e ocupa — uma posição-chave nas estratégias político-partidárias. E por que ela tem esse status? Embora esse fator seja também cobiçado, é menos pelo seu potencial de receita — ainda mais hoje em plena crise — do que pela capilaridade que a Celg detém: ela atua em 237 dos 246 municípios goianos — só o Vale do São Patrício, atendido pela Chesp, fica fora da contagem.
Eleitoralmente falando, deter a capacidade de penetração da Celg é algo vital, especialmente para partidos que têm maior dificuldade de inserção nos rincões de um Estado. É caso, por exemplo, do PT em Goiás. O partido da presidente Dilma tem grande importância nos maiores centros urbanos — especialmente Goiânia e Anápolis, onde comandas as prefeituras — mas seu calcanhar de Aquiles é a pouca presença no interior.
Uma federalização da estatal goiana, na prática ou em tese, em maior ou menor grau, daria de qualquer modo mais oxigênio ao PT para objetivos de expansão de seu raio de ação em Goiás.
A preocupação do governo estadual em não federalizar nem privatizar a empresa parece transcender a preocupação político-partidária-eleitoral — embora, claro, também integre a composição do quadro. A busca de uma saída para manter o comando passa, também, por uma autonomia nas decisões de investimento da empresa naquilo que seria interessante como políticas públicas.
Por isso também e não só pelos R$ 800 milhões que o Estado receberia sem uma destinação exata — talvez a proposta do ano passado, costurada entre Alcides e Eletrobrás não teria agradado ao governo que assumiria. O presidente da Celg viraria uma espécie de rainha da Inglaterra, com o trono mas sem o comando.
Daí as tentativas do governo estadual de escapar à asfixia que lhe é imposta. As soluções em busca da viabilização da Celg vão sempre passar ao longe,
Fonte: Jornal Opção