Goiás produz ciência?

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Recursos existem e em quantidade suficiente. Mas a pesquisa em Goiás ainda avança de forma muito tímida, conforme admitem até os próprios pesquisadores. UFG centraliza praticamente todo o trabalho
Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
Divina Cardoso, pró-reitora da UFG: "O pesquisador sempre acha que não tem o tanto de dinheiro que precisa"

Andréia Bahia

Para responder a essa pergunta, a reportagem do Jornal Opção percorreu vários caminhos que passam pela universidade, governo e iniciativa privada. Descobriu a dificuldade que é mapear a produção científica de Goiás, a não ser por números estatísticos de publicações que não trazem à tona aquilo que realmente interessa: o que Goiás produz de conhecimento e qual a qualidade dessa produção intelectual.

Apesar do esforço para aproximar a academia da comunidade – se é que isso não passa de discurso –, a universidade ainda continua sendo um feudo protegido por uma linguagem erudita e pouco objetiva do ponto de vista jornalístico. Os cientistas se envaidecem em ter o nome vinculado a algum feito importante, mas não conseguem transpor a barreira que separa a universidade do mundo real para divulgar suas pesquisas. A ciência produzida em Goiás é uma mera desconhecida da população, apesar de algumas já fazerem parte do dia a dia das pessoas.

Não se trata de uma produção científica poderosa se comparada à desenvolvida no Sudeste do País, antecipa a pró-reitora de Pós-Graduação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Divina das Dores de Paula Cardoso. “O que é esperado, por uma questão de maturidade do ponto de vista do início da pós-graduação e atividade de pesquisa no Centro-Oeste e também porque há muito mais instituições de ensino superior no Sudeste que aqui.” São Paulo abriga as três maiores universidades estaduais do Brasil, além de 13 universidades federais.

No Centro-Oeste – Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso –, a pesquisa vem sendo desenvolvida quase que exclusivamente nas universidades federais e de forma ainda incipiente nas estaduais, que são relativamente novas nesses Estados. Em Goiás, a PUC e a UniEvangélica dão uma pequena contribuição para a produção da ciência. Mas os dados sobre a produção científica produzida no Estado não são centralizados em um único órgão ou instituição. Nem a Secretaria de Ciência e Tecnologia sabe ao certo aquilo que os cientistas goianos desenvolvem em seus laboratórios. Cada instituição tem sua própria estatística, que muitas vezes se entrelaçam porque é comum pesquisadores de instituições diferentes se debruçarem sobre o mesmo trabalho.

No Distrito Federal a produção de ciência é mais robusta. A Universidade de Brasília (UnB) fomenta a pesquisa há bem mais tempo e com mais intensidade, respondendo por mais de 40% da produção científica de toda a região. A Pontifícia Universidade Católica do DF também contribui para aumentar essa estatística. Em seguida vem Goiás, com 25%.

Publicações

De acordo com a pró-reitora, no triênio 2007–2009, foram publicados cerca de 1 milhão de pesquisas produzidas no Brasil. Dessas, de 80 a 100 mil foram produzidas no Centro-Oeste, sendo que cerca de 20 mil de autoria de goianos. É pouco, mas representa um crescimento significativo para Goiás. Para se ter uma idéia, a UFG, principal instituição de pesquisa do Estado, publicou, em 2008, 2.764 trabalhos. No ano passado, essa produção saltou para 5.485. Quase o dobro.

De acordo com dados da Science Citation Index Expanded (SCIE) disponibilizada pelo Institute for Scientific Information (ISI), de 1994 a 2004, Goiás já havia praticamente dobrado sua participação na produção científica do País. Em 1994, o Estado produziu 0,46% dos artigos científicos do Brasil e em 2004 passou para 0,81%. Passou de 27 artigos em 1994 para 176 em 2004, totalizando 1.030 artigos no período. Goiás é o 14º Estado em termos de produção científica.
A UFG conta hoje com cerca de 300 grupos de pesquisa cadastrados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em todas as áreas de conhecimento; é responsável por quase 80% das redes de pesquisa cadastradas na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e participa em mais de 90% das redes que existem no Estado.

A vocação agrária de Goiás não é ignorada pela universidade no momento da seleção dos projetos, mas não é a diretriz central, afirma Divina Cardoso. “Há pesquisas importantíssimas nessa área, com consequência prática para a comunidade.” Ela cita como exemplo uma pesquisa com o gado curraleiro, de Ana Cláudia Gomes Rodrigues Neiva, da Escola de Veterinária, que buscou recompor o modo de vida da população Kalunga a partir da reintrodução do gado curraleiro na região, pesquisa reconhecida pelo Ministério da Integração Nacional como uma das ações afirmativas desenvolvidas no País.

É nesse campo que o pesquisador Albenones José de Mesquita, médico veterinário com mestrado em Higiene e Processamento de Alimentos e doutorado em Microbiologia de Alimentos de Origem Animal Destinados ao Consumo Humano atua. Ele tem mais de cem trabalhos publicados, mas o que considera mais importante socioeconomicamente é a pesquisa de 2002 que monitora a qualidade do leite produzido em Goiás.

No Laboratório da Rede Brasileira de Qualidade do Leite (RBQL), o cientista desenvolve um método que controla acontagem celular somática, a bacteriana e a composição do leite produzido que é destinado as empresas que tem inspeção federal. “Analisamos 80 mil amostras por mês e controlamos não só a qualidade do leite nos tanques de refrigeração, mas de vacas individualmente. O controle está se dando da porteira para dentro”, explica o pesquisador.
O conhecimento trouxe vantagens para o produtor rural, para a indústria e o consumidor. Isso porque o controle da célula somática controla a sanidade da glândula mamária do rebanho – e na vaca de leite o que vale é o úbere, o maior patrimônio do produtor. O controle da contagem bacteriana garante a higiene na ordenha e da composição do leite o valor nutricional do produto, que está diretamente relacionado com o aspecto nutricional do rebanho. “Se o industrial recebe o leite com contagem celular e bacteriana baixa e proteína, gordura, lactose altas terá maior rentabilidade nos derivados porque vai produzir queijo e iogurte com menos leite e um produto com prazo de validade maior”, afirma Albenones Mesquita.

O lucro para o consumidor está na qualidade do produto, que é mais saudável quando a qualidade da glândula mamária e do leite é controlada. Além disso, o leite controlado tem uma durabilidade maior: 15 dias no refrigerador. Os leites comuns azedam dois dias depois de aberto. A melhoria da qualidade do leite já mudou a forma de pagamento pelo produto em Goiás. “As empresa começaram a pagar pela qualidade do leite.” A pesquisa vai mapear agora onde se encontra esse leite de qualidade em Goiás a partir de geoprocessamento. “Vamos colocar no mapa onde está o melhor leite do Estado de Goiás e é lá que os grandes laticínios vão querer se instalar.”

O Estado tem vocação para pesquisa na área de fármacos e medicamentos e conta com um grupo forte de pesquisadores da UFG em parceria com outras instituições de ensino e empresas. Desenvolvem-se, também, várias pesquisas na área das engenharias, conta Divina Cardoso. “Uma delas, sobre a qualidade do asfalto, foi desenvolvida para atender a uma demanda específica da Agetop.” O projeto possibilitou a criação de um laboratório na Agencia Goiana de Transportes e Obras (Agetop), que analisa a qualidade do concreto, a durabilidade das construções.
É também da área da engenharia a pesquisa de Maurício Martines Sales, que dimensiona as fundações de edifícios altos usando grandes blocos de estacas. A partir dessa pesquisa é possível calcular fundações de edifícios altos com maior segurança e economia e reduzir os custos dessas fundações em dezenas de milhares de reais em cada obra. O professor Maurício Martines Sales, juntamente com Gilson de Farias Neves Gitirana Jr. e Eufrosina Terezinha Leão de Carvalho, também desenvolveram um método para drenar a água da cidade por meio de poços de infiltração que captam a água de chuva e redirecionam para o lençol freático da cidade.

São pesquisas voltadas para resolver os problemas pontuais da cidade e do Estado, mas nada de extraordinário que possa revolucionar ou criar novos paradigmas mundiais. Não se tem notícia, em Goiás, de um pesquisador como o paulista e fundador do Instituto de Neurociências de Natal, Miguel Nicolelis. Ele é cotado para ser indicado ao Prêmio Nobel por desenvolver um sistema que controla robôs com pensamento que pode ajudar pessoas com paralisia nos membros superiores a retomar os movimentos.

Nos últimos anos, os cientistas goianos descobriram o Cerrado como fonte de inspiração para pesquisa. “Têm atuação forte na fauna, flora e hidrologia”, observa Divina Cardoso. Um dos projetos visa preservar as espécies do Cerrado por meio de ferramentas genético-moleculares em estudos de genética de populações, ecologia molecular e filogeografia de espécies do Cerrado enquanto outro propõe a criação de um museu virtual da diversidade do Cerrado. Há cientista preocupado em identificar a espécie de madeira do Cerrado a partir do carvão vegetal de origem desconhecida apreendido pelas autoridades. Diante dessa identificação, os órgãos encarregados da investigação e confecção do inquérito policial passarão a contar com um recurso desprovido de avaliações subjetivas, portanto, com mais confiabilidade.

Assim como em todo mundo e no Ppaís, a área de saúde é a que mais produz ciência em Goiás e nesse campo foi desenvolvido um programa de computação para diagnóstico da pneumologia. A partir da pesquisa, criou-se um sistema para observação de radiografia que foi jogado na rede pública de saúde, pelo qual o médico pode acessar o exame de onde estiver. Esse projeto tem financiamento internacional.

Financiamento

Diferente de outros países produtores de ciência e que têm na iniciativa privada os grandes fomentadores de pesquisa, no Brasil é o governo federal que financia a maior parte da produção do conhecimento. “O Brasil é um dos países que mais investem em termos de Estado e, nos últimos seis anos, houve abundância de recursos para a pesquisa”, afirma a pró-reitora. “É um dos poucos países do mundo, senão o único, que o governo literalmente paga a pessoa para estudar, para se qualificar”, observa o cientista da Faculdade de Física Andris Bakuziz.

Em Goiás, a Fapeg começou a financiar a pesquisa em 2007 e os recursos da fundação não chegam a 10% do disponibilizado pelo governo federal. Algumas pesquisas têm financiamento internacional, da Organização Pan-Americana da Saúde, de grandes indústrias farmacêuticas, da Unesco e outros organismos estrangeiros. Mas apesar da fartura de dinheiro, Divina Cardoso afirma que sempre falta recurso. “O pesquisador sempre acha que não tem o tanto que precisa.” O cientista goiano tem encontrado muito mais facilidade para captar recursos em todos os ramos do conhecimento – e é ele que corre atrás do financiamento, não a instituição –, mas o do Sudeste tem mais facilidade ainda. Para equilibrar a distribuição de recurso, há uma lei que obriga que 30% dos editais sejam destinados aos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O restante, 70%, são disputados pelo Sul e Sudeste. Caso não houvesse a lei, a pró-reitora acredita que os cientistas do Sul e Sudeste captariam quase todos os recursos do governo federal destinados à pesquisa, uma vez que têm mais instituições e pesquisadores.

Uma das formas de mensurar a produção científica de um Estado é a partir dos artigos publicados em veículos especializados que tenha o conceito Qualis, conferido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). São revistas e jornais especializados com linguagem técnica para divulgação dos resultados de investigações científicas. Em três anos, o Centro-Oeste publicou 285 mil artigos e a UFG, mais de 20 mil. “Artigos que agregam conhecimento porque não se consegue publicar artigo em revista Qualis se não tiver agregação de conhecimento, é completamente novo ou agregou alguma coisa ao existente.”

Na avaliação da pró-reitora, não há obstáculo para a ciência em Goiás. “Se o pesquisador tem infraestrutura que lhe permita desenvolver sua ideia e insumo para realizar a pesquisa, recurso tem disponível nos editais.” Uma das fontes de recursos para a ciência são as fundações de amparo à pesquisa. A de Goiás, a Fapeg, é apenas um bebê e quase foi fechada no governo anterior. Sobreviveu graças ao empenho dos pesquisadores. Hoje é presidida pela professora Maria Zaira Turchi, pesquisadora da área de Letras da UFG, que vê no crescimento da produção científica da pesquisa no Brasil e em Goiás o reflexo do aumento dos cursos de programas de pós-graduação. “Estamos formando mais mestres e doutores e a produção aparece em publicações importantes.” Ela afirma que, nos últimos 20 anos, Goiás vem construindo uma história mais consistente por pesquisadores que já aparecem no cenário nacional e internacional.

Todavia, ela afirma que ser pesquisador em um Estado periférico como Goiás é mais complicado, porque o investimento em ciência é bem menor do que Estados que já têm suas fundações de amparo a pesquisa consolidadas. A Fapesp é responsável por toda a pesquisa realizada no Estado de São Paulo. “Mas a despeito desse cenário, Goiás tem pesquisas importantes”, afirma. Para ela, os obstáculos enfrentados pelos pesquisadores variam conforme a área em que a pesquisa se desenvolve, mas uma dificuldade que precisa ser sempre superada é o fomento. “Não é possível o desenvolvimento de pesquisa sem recursos específicos.” Segundo ela, a dificuldade em captar recursos para executar um projeto de pesquisa não atinge apenas o pesquisador de Goiás. “Todavia o goiano tem de romper mais barreiras para captar os recursos federais porque boa parte fica em São Paulo, no Sudeste e Sul”.

Por isso, explica Zaira Turchi, é importante que o Centro-Oeste receba programas especiais de indução da pesquisa para que as propostas apresentadas pelos pesquisadores da região consigam ter aprovação em âmbito das agências de fomento federal. Mas para obter financiamento nas instituições de fomento à pesquisa, o Estado precisa dar a contrapartida e, nesse sentido, a criação da Fapeg foi fundamental para o aumento da produção cientifica em Goiás. “Toda vez que há um aporte federal exige-se uma contrapartida estadual.” A Fapeg acaba de lançar o edital para pesquisa voltada para o desenvolvimento de inovações para microempresas e empresa de pequeno porte, recebeu R$ 11 milhões do governo federal e investiu R$ 5,5 milhões. “Uma demonstração que o Estado também vai investir em inovação.”

Apesar de um orçamento mínimo – 0,3 % da receita líquida do Estado, R$ 23 milhões em 2011, enquanto a Fapesp dispõe de 1% da receita tributária do Estado de São Paulo, cerca de R$ 600 milhões – a Fapeg tem conseguido dobrar os recursos para financiamento em pesquisa com parcerias. A fundação financia mais de 400 bolsas de pós-graduação e já soma 411 redes de pesquisas cadastradas nas áreas de qualidade de vida, conhecimento e expressão humana, infraestrutura e processos produtivos, desafios estratégicos e políticas públicas, agronegócios, desenvolvimento rural e fundiário e pesquisa inicial e fundamental.

Foi uma pesquisa financiada pela Fapeg que deu origem ao Estatuto do Portador do Câncer, que tem como seu principal objetivo, de acordo com o artigo 1°, “reunir e estabelecer as diretrizes, normas e critérios básicos para assegurar, promover, proteger e resguardar o exercício pleno e em condições de igualdade de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com câncer visando sua inclusão social e cidadania participativa plena e efetiva”.

A produção de ciência avançou, mas não o suficiente, na opinião de Zaira. “A cultura de inovação precisa ser mais desenvolvida em Goiás para que a empresa compreenda que, na medida em que tem um produto inovador, obterá mais lucro e gerará mais trabalho e renda à sociedade.” Ela afirma que a pesquisa não pode ficar fechada nas universidades.

Física no tratamento do câncer

É no apertado laboratório na Faculdade de Física da UFG que Andris Bakuzis passa a maior parte do seu tempo. A sala em que ele recebe a reportagem do Jornal Opção não tem mais do que 4 metros quadrados e é preciso se esgueirar nos estreitos corredores formados por mesas e equipamentos estranhos. Andris é doutor em Física pela UnB e concluiu o pós-doutorado na Flórida, nos Estados Unidos. Regressou ao Brasil a partir de um projeto do governo federal que trouxe doutores de volta ao país, em 2004. Ele retornou para desenvolver um projeto para a Petrobras e, logo depois, o governo federal decidiu aumentar o número de professores universitários e Andris passou em um concurso na Faculdade de Física na UFG.

Ele é um dos cientistas que hoje fazem ciência em Goiás. Também orienta alunos de graduação na iniciação científica, e de mestrado e de doutorado na pós-graduação. Andris atua em uma área relativamente nova: nanomagnetismo, área da Física que trata das propriedades magnéticas de objetos em escala nanoscópica, tão pequenas que só podem ser vistas com o auxílio de nanoscópio.

Andris sempre trabalhou na área de magnetismo, mas com focos diferentes: no doutorado com os fundamentos do magnetismo e do nanomaganetismo e, no pós-doutorado, com ferrohidrodinâmica, material desenvolvido pela Nasa e que vem sendo utilizado para o transporte de calor.

A pesquisa que o cientista desenvolve atualmente – e que envolve um grupo multidisciplinar da UFG e de outras instituições – trabalha a aplicação biomédica do nanomagnetismo. “Nem todas as pesquisas desenvolvidas na academia têm um resultado prático; muitas são feitas para que o aluno ou o professor conquiste o título. Mas algumas podem gerar interessantes aplicações”, afirma. A que ele se dedica tem aplicação na biomedicina. “As nanopartículas podem ser utilizadas para diagnóstico e tratamento de doenças, inclusive do câncer, uma neoplasia que é a segunda ou terceira causa de morte no mundo inteiro.”

Em uma pequena demonstração, o cientista mostrou como um líquido contendo nanoparticulas magnetizadas reage ao ímã movimentado fora do copo. O material acompanha o ímã; é esse movimento que os pesquisadores pretendem que ele faça dentro do corpo humano.

Mas como a Física, uma ciência que estuda os fenômenos da natureza, pode contribuir com o tratamento do câncer? Para o leigo é difícil imaginar químicos, farmacêuticos, médicos e físicos buscando, juntos, uma maneira de usar essas minúsculas partículas no tratamento do câncer. Eles querem que elas transportem os medicamentos de forma que eles sejam direcionados a um órgão ou tecido específico do corpo humano. “A ideia é colocar um medicamento dentro de uma nanoestrutura e levar especificamente para um local e liberar esse fármaco”, explica Andris.

Nesse processo físico de carregar uma quantidade pequena de medicamento, os químicos estão associados à preparação síntese das nanoestruturas, os farmacêuticos ao processo de cinética e liberação desse fármaco e cabe aos outros pesquisadores da área de saúde verificar a eficiência para a aplicação biomédica. “Esse sistema também serve para diagnosticar doenças e é mais eficiente que as técnicas comuns”, conta o físico.

Segundo ele, as nanoparticulas podem ser injetadas no sangue e distribuídas pelo corpo para diagnosticar doenças precoces, como o câncer e metástases em um tamanho menor do que as tecnologias atuais. Mas o tratamento da doença é o principal foco da equipe.

A pesquisa, que começou há dois anos e meio, está em fase de teste em animais e para chegar até aqui teve que superar muitos problemas. A montagem da estrutura mínima necessária para que se pudesse começar a linha de pesquisa de utilização da nanopartícula para aplicações médicas foi bem demorada, “apesar de o governo federal ter decidido investir nas universidades, o que melhorou significativamente a estrutura laboratorial de diversas universidades”.

Andris Bakuziz conta que o retorno do financiamento para as universidades se deu pouco antes do fim do governo Fernando Henrique Cardoso. “Nessa época foram criados os fundos setoriais, que forçaram empresas nacionais importantes, como a Petrobras, a financiar projetos que fossem de interesses da própria empresa.” Foi quando o País começou a ter dinheiro especifico para aplicação em ciência e tecnologia.

Jornal Opção

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ampliou os recursos destinados à pesquisa, “ciente de que ciência de qualidade e tecnologia de qualidade geraram riqueza”. Os resultados do investimento, que levam em média dez anos, começam a aparecer agora.

O primeiro laboratório de hipertemia da Faculdade de Física da UFG foi construído com um recurso bem pequeno e com um equipamento de laser que Bakuzis havia adquirido em um projeto desenvolvido na UnB. O ímã que até hoje é um dos principais equipamentos do laboratório estava abandado no UFG e o pesquisador o colocou para funcionar e, a partir desse modesto laboratório, alunos e professor começaram a colher os primeiros resultados, que permitiram que eles conquistassem novos financiamentos. “Aí vira uma bola de neve”, compara Andris, que hoje coordena essa rede de pesquisa na Física com a participação da Faculdade de Ceilândia, da UnB, da Embrapa do DF, da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). O projeto de nanomagnetismo conta com um financiamento do governo federal e da Fapeg na ordem de R$ 2,7 milhões. Os pesquisadores têm três anos para provar o resultado da pesquisa em vivos, ou seja, em pessoas.

Um dos maiores entraves que os pesquisadores enfrentam é a burocracia na hora da importação de equipamentos e insumos, o que reduz a competitividade do Brasil em relação a outros países. Recentemente, Bakuziz encomendou um sensor que demorou seis meses para chegar. Nos Estados Unidos o prazo para entrega seria de três dias.

Na opinião de Bakuzis, os pesquisadores brasileiros não deveriam estar reclamando da quantidade de editais que vêm sendo publicados para financiamento de pesquisa. Ele calcula que, apesar de ter avançado significamente, o governo federal ainda não deve ter atingido o teto de investimento feito no período dos governos militares – “eles foram os que mais financiaram ciência e tecnologia no País na década de 1970”. Nos governos militares houve muitos investimentos, principalmente a partir de 1968, e as áreas que mais receberam investimentos à época foram a informática –com participação direta da Marinha –, a engenharia aeroespacial, nuclear e a agricultura, com o fortalecimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Os recursos destinados à Física duplicaram entre 1967 e 1968, e a participação direta do governo federal por meio do BNDE triplicou.

Já o governo estadual investe muito aquém do mínimo necessário, afirma o pesquisador, que tem 37 artigos publicados.