Megaempresa desafia poder público e, sem licenças, avança com obra de grande porte.

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Titulo Original: Construo, não nego; pare quem puder

Megaempresa desafia poder público e, sem licenças, avança com obra de grande porte em região que deveria ser ambientalmente preservada.

Um pedaço de Goiânia que, segundo a Carta de Risco e o Plano Diretor, deveria ser preservado ao máximo para garantir o equilíbrio ambiental da capital sofre agora mais um forte ataque: na região norte, a megaempresa Hypermarcas, em uma área com 60 mil metros quadrados, constrói um portentoso empreendimento à revelia de licenças, alvarás e toda a documentação que seria necessária para qualquer empreendimento — mesmo uma simples oficina.

O terreno se situa nas imediações do Campus Samambaia. A empresa faz divisa com a Universidade Federal de Goiás e é praticamente “vizinha de muro” do Centro de Pesquisas Aplicadas à Educação (Cepae), mais conhecido por sua antiga nomenclatura, Colégio de Aplicação. O novo complexo também passou a dividir cerca com moradores da Chácara Califórnia e do Setor Village Casagrande, que há décadas sofrem com os efeitos de uma indústria construída em local totalmente inapropriado — a Car­gill/Unilever, ex-Arisco, que aos poucos foi sendo o motivo da intromissão (também irregular, diga-se) de empresas de logística e transportadoras em seu redor — caso já acompanhado pelo Jornal Opção (edições 1930 e 1931).

No dia 20 de fevereiro, uma equipe da recém-criada Secretaria Municipal de Fiscalização (Sefiz) — que reúne a parte operacional de fiscalização das extintas Seplam, Sedem e AMT — autuou a Hy­permarcas, por estar com obras em estágio avançado no local, porém sem alvará de construção. “A empresa tinha alvará para construir em uma área ‘x’. A autuação se deu porque a construção está se dando em uma área ‘y’ e, ainda assim, além do que seria autorizado”, explica o secretário municipal de Fiscalização, o advogado Allen Viana.

Caso não entregue sua defesa já no início desta semana, a empresa será embargada, diz o secretário. “O procedimento já está engatilhado. Se não houver apresentação da defesa, será lavrado o termo de interdição”, afirma Allen. Se for contado o prazo legal de dez dias úteis desde a autuação, a Hy­permarcas tem até quarta-feira, 6, para se defender. Caso contrário, as dependências do local da obra irregular serão lacradas.

Na Câmara

O caso foi levado nas últimas semanas ao conhecimento dos vereadores da Câmara de Goiânia. Quem tomou a frente foi a As­sociação Ecológica Vale do Meia Ponte (Verdivale), formada por moradores de vários bairros da região norte de Goiânia, que entrou em contato com a Comissão de Meio Ambiente, cujo presidente é Felisberto Tavares (PT). Em uma reunião que teve também a presença de outro petista, Djalma Araújo, os representantes da Verdivale entregaram documentos e denunciaram as irregularidades.

Na terça-feira, 26, o tema fechou a quarta sessão ordinária do ano na Câmara, com o diretor ambiental da Verdivale, Joaquim Tavares, subindo à tribuna para relatar o ocorrido. Garantiram apoio à Verdivale garantiu o apoio, além dos vereadores citados, também Paulo Magalhães, do PV, que ressaltou “a luta dos pequenos contra os poderosos” e disse que, por ser do Partido Verde, garantia apoio à causa dos moradores. Resta aguardar os próximos passos do caso no Legislativo.

Uma luta quixotesca

Criada para unir os moradores da região norte de Goiânia em torno da questão ambiental, a pequena Verdivale tem agora mais um “golias” pela frente. Aos embates diante da Car­gill/Unilever e das empresas de logística que tentam tomar conta da região agora se acresce a luta para que a gigante Hypermarcas obedeça aos parâmetros da lei.

Nesse sentido, a associação encaminhou à Câmara de Go­iânia um relato do que considera atos ilegais da empresa, uma espécie de cronologia das de­núncias (veja nesta página). Em outro documento, a associação detalha as irregularidades da Hypermarcas: falta de uso do solo para a área onde está sendo construído o centro de distribuição; falta de alvará de construção para a obra em andamento; não aprovação, pela antiga Seplam, do projeto apresentado ao órgão, devido a ilegalidades e irregularidades; não atendimento do Plano Diretor quanto a estudos de impacto de trânsito e vizinhança, como exige a lei para obras de tal porte; falta de desmembramento da área onde está situada a unidade fabril que foi vendida para a empresa Química Amparo em 2011; e falta de remembramento de área adquirida da Car­gill/Unilever, hoje local de estacionamento de veículos.

Joaquim Tavares, diretor ambiental da Verdivale, resume o quadro: “Não tem como legalizar essa obra do centro de distribuição pela legislação vigente.” Ou seja, em outras palavras: seria preciso reformulações no Plano Diretor para que fossem incluídos “ajustes” que assegurariam a construção. Aí a bola fica com a Câmara de Goiânia.

Cronologia das irregularidades

Entendendo o caso, segundo as denúncias da Verdivale

28/3/2011 — A Hypermarcas contrata empresa para fazer estudo de impacto de trânsito e vizinhança com a finalidade de instruir processo administrativo na Agência Municipal de Trânsito (AMT) para liberação da cons-trução do seu Centro Nacional de Distribuição na Avenida Afonso Pena, Setor Campus Samambaia. O estudo foi feito de forma duvidosa, pois teria sido constatado que ao menos uma das fichas dos entrevistados que se pronunciaram a favor da construção do referido empreendimento era de pessoa não moradora da região, ao contrário do que exige a lei.

3/5/2011 — Inicia-se a limpeza da área para construção da obra sem as devidas licenças necessárias e autorizações dos órgãos públicos competentes.

10/8/2011 — A Prefeitura de Goiânia executa a duplicação da Avenida Afonso Pena até o anel viário do Campus Samambaia, reinvindicação antiga dos moradores da região e principalmente da classe universitária da UFG. Após a duplicação da pista, a Secretaria de Planejamento e Urbanismo (Seplam), por meio do Conselho Municipal de Políticas Urbanas (Compur), mudou a categoria da avenida para via coletora de pista dupla, alegando que a mudança se deu pelo fato da mesma sofrer influência da Avenida Perimetral Norte (via expressa de terceira categoria de pista dupla). Essa alteração se deu de forma ilegal, pois somente mediante revisão do Plano Diretor de Goiânia poderia ser feita, o que não ocorreu. Tudo indica que a alteração foi para atender exclusivamente ao interesse de uma única empresa em detrimento de toda comunidade.

22/9/2011 — A Hypermarcas é autuada pela Divisão de Fiscalização e Obras da Seplam pela obra de forma irregular do seu centro de distribuição. Passados vários meses em construção de forma ilegal, a empresa resolve soli-citar a autorização do uso do solo à Seplam.

7/2/2012 — A Hypermarcas obtém o uso do solo, por meio do Compur, pelo Comitê Técnico de Uso do Solo da Seplam.

16/3/2012 — Em decisão liminar da Justiça acatando ação pública do Ministério Público, são declarados sem efeito os atos do Compur e do Comitê Técnico de uso do solo da Seplam.  Apesar disso, a Hypermarcas segue as obras em ritmo acelerado, inclusive em feriados e fins de semana.

5/5/2012 — A Hypermarcas inicia nova obra: a expansão do centro de distribuição, dessa vez para acomodar os produtos de outra empresa do grupo, a Cosmed — Indústria de Cosméticos e Medicamentos.

26/6/2012 – Após dois meses de obra de forma ilegal, a Hypermarcas solicita à Seplam o uso do solo para atividade econômica e o uso do solo de aprovação de projeto.

5/7/2012 — A Seplam nega as auto-rizações para construção da nova obra — há indícios de que o alvará de cons-trução foi concedido irregularmente. Inconformada, a Hypermarcas se habilita como terceira interessada no processo da ação civil pública (fls. 675/1069), pedindo revogação/reconsideração da decisão liminar, alegando que se encontra instalada no local há muitos anos e que seria a fábrica Arisco, instalada na região na década de 1980 — atualmente Cargill/Unilever. A alegação não procede, já que não se trata da mesma empresa: a Hypermarcas foi instalada na Avenida Afonso Pena, em 2002, e a fábrica Unilever/Cargill está na Rua Iza Costa, desde a década de 80.

22/8/2012 — Os efeitos da liminar são suspensos única e exclusivamente para a Hypermarcas. Ainda há a determinação para que a Seplam emita o uso do solo à empresa com o fim de edificação ou reformas na propriedade unidade fabril.

3/9/2012 — O Ministério Público contesta a decisão de revogação da liminar e prova nos autos que a Hypermarcas induziu o juiz a erro. Conclui que, caso a decisão de suspensão da liminar fosse mantida, o fato iria ensejar graves prejuízos para a ordem urbanística e ambiental da região norte de Goiânia. Transcorridos mais de cinco meses da suspensão da liminar para a Hypermarcas, as alegações do MP ainda não foram apreciadas na ação civil pública.

Empresa usa menos de três linhas para dar “resposta”

A reportagem entrou em contato com a empresa por meio de sua assessoria de imprensa, em São Paulo, tentando conseguir falar com o responsável pela unidade de Goiânia. Foi informada de que seria necessário que as questões fossem enviadas por e-mail.

Atendendo a essa demanda, a reportagem enviou o seguinte texto:

“No dia 20 de fevereiro, a Hy­permarcas foi autuada pela Se­cretaria de Fiscalização (Sefiz) de Goiânia, por estar com as obras do Centro de Distribuição Nacional neste município sem alvará de construção. Não há também, segundo consta, uso do solo para a área específica em que está sendo erguida a obra.

Questionamos, então, o seguinte:

Qual é a resposta que a empresa tem a dar? Por que não houve a prévia obtenção dos documentos para então dar início à construção? Houve conversações com os vizinhos, especialmente os moradores das chácaras ao redor, sobre o impacto da obra? A empresa tem pelo menos o esboço de algum projeto de compensação ambiental para os danos causados à região em que está se instalando em Goiânia? Se tem, isso já foi apresentado aos órgãos oficiais?

Segue em anexo documentos que dizem respeito ao caso, bem como um relatório que traz também outras denúncias. Sobre este documento em específico, o Jornal Opção gostaria também de obter os esclarecimentos necessários.”
A resposta chegou sexta-feira, dia 1º, em um comunicado lacônico de menos de três linhas, sem se ater diretamente — e nem mesmo indiretamente — a qualquer dos questionamentos: “A Hypermarcas informa que mantém diálogo constante com os órgãos responsáveis pela concessão de licenças e alvarás para a extensão da obra do Centro de Dis­tribuição localizado em Goiânia, que já está em operação e gera mais de 1.600 empregos diretos na cidade. Além disso, a Companhia tem seus direitos resguardados por decisão judicial. (Assessoria de Imprensa da Hypermarcas)”.

ANÁLISE

Pá de cal na sustentabilidade? Depende do poder público
Em uma cidade, geralmente cada região ganha uma “vocação”. O fato ocorre de forma muitas vezes um tanto natural, mas também é, de certa maneira, contemplado pelo Plano Diretor e outros documentos que regem o ambiente urbano. Cada retalho do tecido de um município acaba por ter certas particulares: criam-se o setor industrial, a área de comércio, o quarteirão de serviços, condomínios verticais. E, óbvio, também chácaras.

Antes de Goiânia ser adensada rumo ao norte, a região já era ocupada por chácaras e fazendas. Até 1985, mesmo uma década após a instalação do câmpus da Uni­versidade Federal de Goiás e de bairros de maior porte, como o Conjunto Itatiaia, o equilíbrio se manteve, em meio a muito verde.

Eis que surgiu o primeiro corpo alienígena, por causa da aprovação, hoje inconcebível (ou não), de um empreendimento como a indústria Arisco, a menos de um quilômetro do Rio Meia Ponte e erguido em cima de várias nascentes. Foram as primeiras chaminés que não as de fogão caipira a serem instaladas em meio àquele espaço verde. Na época, o efeito de observar a indústria e o que havia ao redor era o mesmo de ver um elefante no polo norte ou algo assim.

Aos poucos, a fábrica foi ga­nhando vizinhança similar, justamente para atendê-la em suas necessidades. Caminhões e mais caminhões que aportavam por ali precisavam de estrutura: postos, restaurantes, locais de estacionamento. Foi o primeiro passo para a instalação de empresas de logística e transportadoras — a maior delas a Quick —, que passaram a ocupar o solo ao lado, a maioria de forma irregular. Muitas, talvez todas, estão até hoje atuando à revelia da lei.

O golpe, agora, é maior ainda: a instalação de um centro de distribuição de uma empresa como a Hypermarcas é uma afronta a todos os que moram na região. Não só em relação às chácaras vizinhas, mas também aos bairros e conjuntos residenciais, todos anteriores à indústria, que verão seu grau de incomodidade subir às alturas. O que já vem acontecendo: o trânsito de caminhões, carretas e bitrens já ocorre e uma via — a Avenida Afonso Pena —, duplicada e estendida para ser uma ligação mais rápida entre a UFG e o Centro, se tornou local ideal para o tráfego pesado.

Em suma: o centro de distribuição nacional da Hypermarcas pode ser a pá de cal no conceito de sustentabilidade de toda a região norte. O termo “pode”, porém, indica uma possibilidade — no caso, um risco. A Pre­feitura de Goiânia tem mostrado combatividade a essas iniciativas fora da lei, como ocorreu inclusive no presente caso, com a autuação da empresa, ainda que com a obra já em estágio adiantado. Foi um órgão recém-criado da Pre­feitura, a Secretaria de Fis­ca­lização (Sefiz), que fez o procedimento. Isso é, de fato, mostrar-se uma gestão preocupada com sustentabilidade.

Vale recordar que “Goiânia Cidade Sustentável” foi não apenas o nome da ampla coligação que elegeu Paulo Garcia, mas é, mais do que o programa de governo, uma filosofia de gestão. A esperança do sossego e da qualidade de vida de toda uma região está justamente na observância desses princípios. E é o que a população espera como resposta. Não importa o tamanho do gigante a ser enfrentado. (E. D.)

Fonte: Jornal Opção

2 comentários

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5 de março de 2013 às 22:45 delete

alguém ai tem duvidas de q essa construção ira até o fim com ou sem autorização no final o interesse econômico suprimira o interesse comum.

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6 de março de 2013 às 09:24 delete

Vejo que existem o jeitinho brasileiro neste tipo de problema. Porque a Policia federal não entra em casos como este pra tentar ajudar a população?

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