Derrubada de árvores aumenta em 2,4º a temperatura em Goiânia
O calor que aflige o goianiense não apenas nas estações mais quentes, mas praticamente durante todo o ano, não é consequência da posição geográfica da cidade. É resultado de anos e anos de destruição da área verde prevista no projeto original da capital. E se nada for feito, a previsão é que em 2060 a cidade se torne inabitável por causa do calor.
O Anuário Estatístico de Goiânia 2012, elaborado pela Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo, com dados do Censo 2010/IBGE, registra a existência de 641 bairros, glebas e loteamentos na capital, com 422.710 áreas edificadas de domicílios particulares permanentes e uma população de 1.302,001 habitantes. Esses dados escondem as consequências de uma relação crítica entre o aquecimento climático e a silenciosa e descomedida retirada de árvores do município.
O Plano Diretor de Arborização Urbana de Goiânia foi instituído em 2008 com o objetivo de criar um conjunto de métodos e medidas para a preservação, manejo e expansão das árvores na cidade de acordo com demandas técnicas e manifestações de interesse das comunidades. A partir daí, Goiânia ganhou a possiblidade de escolher e decidir o que é melhor até sobre o que será plantado nas ruas e parques. Antes disso, em 2005, já havia sido criado o Programa Plante a Vida, a partir do qual a Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) distribuiu à comunidade mudas de plantas nativas do cerrado. Nestes sete anos foram doadas aproximadamente 1 milhão e meio de mudas. Só em 2012, a Amma repassou aos moradores da capital cerca de 350 mil. Parte das mudas é cultivada no próprio viveiro da prefeitura, outra parte repassada por empresas parceiras. De acordo com o Plano Diretor de Arborização Urbana, esse é o maior programa de plantio voluntário do mundo. Mesmo assim ainda não é suficiente para conter o avanço da temperatura na cidade.
O aumento do calor em Goiânia é tão notório que se tornou objeto de estudos acadêmicos. No ano passado, a professora em Climatologia do Instituto de Estudos Sócio Ambientais da UFG, Gislaine Cristina Luiz, apresentou no Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília uma tese de doutorado sobre a Influência da relação solo-atmosfera no comportamento hidromecânico de solos tropicais não saturados: estudo de caso – município de Goiânia/GO. Outro estudo, apresentado também em 2012 como dissertação de mestrado, é do professor da PUC-GO, Diego Nascimento e trata do Emprego de técnicas de sensoriamento remoto e de geoprocessamento na análise multitemporal do fenômeno de ilhas de calor no município de Goiânia/GO. Foram utilizadas técnicas de sensoriamento remoto orbital e geoprocessamento.
As pesquisas mostram que o desenvolvimento urbano tão desejado nas décadas de 60 e 70 tiveram efeitos nefastos na cidade, que podem ser observados agora, 40, 50 anos depois. O estudo da professora Gislaine Cristina Luiz aponta claramente essa situação: o desenvolvimento urbano de Goiânia, com crescimento expressivo e desordenado da população, incremento do número de veículos e de indústrias e a própria energia gerada pelo crescimento de moradores influencia diretamente no aumento da temperatura e diminuição da umidade relativa do ar. Até porque, cientificamente, a vegetação e os corpos d’água - águas superficiais ou subterrâneas - utilizam a radiação solar como fonte de energia para evaporar a água. Ao diminuir as áreas verdes e as fontes de água a radiação passa a aquecer a temperatura do ar. Em média, o estudo comprova uma elevação que varia entre 0,8 graus e 2,4 graus na temperatura da cidade.
Um levantamento divulgado pelo Banco Mundial, em novembro do ano passado, às vésperas de mais uma reunião de negociação da Convenção Internacional do Clima com os principais países do mundo, apresenta como deve ficar a terra com temperaturas 4 graus a mais. O índice remete ao fim do planeta até o término deste século. No documento consta que 2o graus acima é administrável por meio de ações rotineiras, após isso, sem medidas urgentes, pode ser catastrófico. Goiânia, nos últimos 48 anos, teve um aumento médio de 2,4 graus. Se seguir no mesmo ritmo, por volta de 2060, sem ações para reverter a situação, já estaremos no limite para a autodestruição do município devido à intensidade do calor.
A pesquisadora aponta ainda que a própria condição climática da capital é propícia a temperaturas mais altas e umidade relativa do ar mais baixa em determinadas épocas do ano. De acordo com o Plano Diretor de Arborização, em maio de 2007, Goiânia possuía cerca de 950 mil árvores de mais de 320 espécies plantadas em vias públicas. Para Gislaine Cristina Luiz, o número de árvores não significa temperaturas menores quando a arborização está mal distribuída pela cidade. “Temos uma região da cidade, próximo ao Parque Altamiro de Moura Pacheco, que é considerada com clima ameno, mas outras partes, como Campinas e Centro, já é possível observar a temperatura mais alta”, analisa a doutora em climatologia.
No estudo do professor Diego Nascimento, em 1986, Goiânia possuía 220,1 quilômetros quadrados de vegetação. Em 2010, o número passou para 104,1 quilômetros quadrados de vegetação. Já a área urbanizada subiu de 19,5% para 37,7% nos 24 anos do levantamento. A periferia cresceu mais que o núcleo urbano central. Porém, na área da periferia o replantio de arvores não acompanhou a proporção do desmatamento, deixando o solo exposto.
No projeto original de Goiânia, elaborado por Atílio Correia Lima, não havia menção sobre arborizar a nova capital de Goiás, somente algumas diretrizes macro da cidade e uma área verde única, um grande parque, que cortaria a cidade desde a cabeceira até a saída do município. Nada parecido com o que a cidade apresenta hoje. O planejamento inicial contemplava 50 mil habitantes e, atualmente, a cidade abriga cerca de 1 milhão e 300 mil. O Plano Diretor de Arborização urbana aponta que o processo de urbanização em Goiânia teve início entre as décadas de 40 e 50, com a abertura de ruas regulares e criação dos primeiros bairros. Mas foi desorganizado, sem planejamento, situação que contradiz o projeto original de cidade planejada.
O gerente de Arborização Urbana da prefeitura, Antônio Esteves dos Reis, afirma que entre as atribuições do poder público em relação ao cuidado com a arborização da capital, estão o desenvolvimento de ações como implantação de parques e reconstrução de fundos de vale e áreas de preservação permanente. Outra ação que permite o plantio de até 30 mil árvores por ano na capital é a liberação da certidão do Habite-se - documento que atesta que o imóvel foi construído seguindo exigências estabelecidas pela prefeitura - somente a partir do momento que o proprietário faça o plantio na área pública do imóvel, ou seja, na calçada. O mesmo acontece para a construção de edifícios, que segue a proporção do local. A medida estabelece uma arborização planejada. Portanto, somadas as árvores plantadas a partir do programa Plante a Vida e a obrigatoriedade na hora da construção do imóvel, são quase 400 mil novas mudas por ano na capital.
Mas o replantio não atende à necessidade da distribuição das espécies em diferentes regiões da cidade, mesmo naquelas mais urbanizadas como o Centro e Campinas. O professor Diego Nascimento fez um estudo do fenômeno de ilhas de calor em Goiânia e constatou um surpreendente aquecimento em algumas regiões da cidade. Ao observar os mapas de cobertura do solo do município nos anos de 1986, 1991, 1996, 2000, 2006 e 2010 é possível verificar o aumento das ilhas de calor nas áreas onde houve diminuição da cobertura vegetal. As ilhas de calor, de acordo com Diego Nascimento, são “o mais notório impacto do homem na alteração do clima”. Goiânia possui diversas ilhas de calor e as principais apontadas pela pesquisa são os bairros: Central, Aeroporto, Coimbra, Campinas, Sul, Marista, Novo Horizonte e Vila União. O motivo é conhecido: urbanização, impermeabilização do solo e diminuição constante dos recursos hídricos e vegetais.
Para Diego Nascimento, a velha história que Goiânia é a segunda cidade mais arborizada do mundo deve ser vista com cuidado. Primeiro, é necessário analisar o método usado pela prefeitura para chegar a esta conclusão e ainda que a cobertura vegetal, além de não ser suficiente, diminui a cada ano. Todavia, Diego acredita que as medidas da prefeitura de criação de parques é uma boa saída. O professor acredita que o melhor para o município seria integrar um sistema de asfalto permeável, com casas de telhado pintado em cores claras para refletir a radiação solar e a implantação de parques em corredores de ventos, que faria a expansão do ar frio para diversos bairros vizinhos.
Ao observar os mapas pesquisados é possível verificar que a área verde foi reduzida principalmente entre 1996 e 2010. Neste período, a cidade foi administrada pelos prefeitos Darci Accorsi (PT), de 1993 a 1996; Nion Albernaz (PSDB), de 1997 a 2000; Pedro Wilson (PT), de 2001 a 2004 e Íris Rezende (PMDB) de 2005 a2008 e 2009 a2010). Se em contrapartida houve alguma política pública para o meio ambiente nesse período, as medidas não evitaram a destruição da área verde.
Outro fator importante a ser considerado é o crescimento demográfico da capital. De acordo com dados do IBGE, entre as décadas de 70 e 80 houve o maior aumento da população: 336.756 habitantes. Depois deste período, entre 2000 e 2010, foi registrado o segundo maior crescimento: 208.994 pessoas a mais na capital do Estado. Mas foi na década de 90 que tivemos a consolidação de Goiânia como uma metrópole. O aumento populacional e a ausência de uma política pública contínua de preservação ambiental influencia diretamente nas condições climáticas da capital da atualidade. Calor que impulsiona outro dano ambiental: o alto consumo de energia elétrica para manter os ambientes mais frios.
Fonte: Portal 730