Cidades têm histórico de gestão voltada para o transporte individual

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Analisar uma obra como o Corredor Universitário sob o ponto de vista de um suposto prejuízo — não comprovado — ao transporte individual é, antes de tudo um erro, principalmente diante das diretrizes de mobilidade urbana. E isso é dito até por autoridades hoje na administração estadual. O superintendente de Desenvolvimento Urbano e Trânsito da Secretaria Estadual das Cidades, Antenor Pinheiro, ressalta que a obra tem sua importância para cidade, pois garante a implantação de equipamentos até então inexistentes em espaço de complexidade, como a ciclovia e os corredores semiexclusivos e as calçadas repaginadas. “O Corredor Universitário é o primeiro de Goiânia que trabalha bem a equidade do uso de espaço da mobilidade. Ele garante a ocupação democrática dos espaços públicos urbanos para outros modais que não somente o transporte individual, como os pedestres, o transporte público e os ciclistas”, declara.

Pinheiro aponta que as cidades brasileiras foram historicamente geridas para atender às demandas do transporte individual, o que é irracional, visto que há poucas ações no sentido de coletivizar o deslocamento da cidade e abrir espaços para outros modais como as bicicletas e melhoria de calçadas. “Vivemos um momento de transição, pois as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana permitirá aos prefeitos aperfeiçoar suas políticas de planejamento urbano e de mobilidade social, garantindo a democracia no uso dos espaços viários, mas esses são aspectos que caminham lentamente”, analisa.

Obras de valorização do transporte coletivo estão sendo feitas por todo o Brasil e, como toda mudança estrutural, a aceitação dessas ações necessita de alterações culturais, comportamentais e mesmo antropológicas. “Como tudo na vida, no trânsito, os interesses são diferentes e o poder público precisa harmonizar esses interesses, priorizando os deslocamentos mais vulneráveis. Afinal, pedestres, ciclistas e usuários do transporte coletivo representam quase 70% da demanda de deslocamento da cidade”, relata Pinheiro.

Assim, para ele, é preciso quebrar paradigmas e redimensionar as políticas de mobilidade, isto é, isso significa abrir mais espaços para ônibus, para ciclistas e ampliar o número de calçadas e passeios públicos, principalmente àqueles que têm problemas de mobilidade reduzida, como os obesos, os enfermos, as pessoas com deficiência, as mulheres que usam salto, etc. “Tudo isso é mobilidade”, diz.

Usando o conceito dado pelo chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Trânsito (SMT), Miguel Carlos Leite Ferreira — segundo o qual a obra do Corredor Universitário foi uma experiência piloto com um novo conceito de mobilidade que dá preferência ao transporte coletivo, aos pedestres e incluindo uma ciclovia —, o diretor do consórcio RMTC, Leomar Avelino, analisa que a obra na Rua 10 representa um passo importante para a cidade. “É inegável que houve melhorias no transporte coletivo. A fluidez dos ônibus melhorou muito. São cinco minutos por dia, mas se multiplicarmos isso por ano teremos um número grande. Mas é preciso observar que houve outros aperfeiçoamentos, pois se olharmos o corredor como um todo, veremos que ganhamos iluminação, segurança, acessibilidade, etc.”, pontua.

Avelino analisa que os avanços conseguidos com a viabilização de um corredor preferencial fiscalizado — em outros locais de Goiânia há corredores preferenciais, mas que não funcionam, por exemplo, na Avenida 85 — foram significativos. Ele acredita que como projeto piloto, o Corredor Universitário foi bem aceito, principalmente, do ponto de vista do pedestre e do usuário de transporte coletivo. “Se analisarmos que vários pontos de conflito foram suprimidos, podemos nos deslocar em menor tempo. Então, se vamos da Praça Cívica à Praça da Bíblia, que é um trajeto que faço sempre, vemos as faixas bem divididas, além de um trajeto muito bem sinalizado”, diz.

Corredor Universitário, exemplo a ser seguido?

Acerca das reclamações, o diretor do consórcio argumenta que quando as pessoas falam do transporte público elas não pensam apenas em uma parte do trajeto, mas na viagem como um todo. “Imagine você uma pessoa que saiu do Terminal Ban­deiras. Ao falar do ônibus que ela pega, o Corredor Univer­sitário fica muito pequeno se compararmos com o trajeto que ela percorreu, porque de 15 km, ela só trafegou por 2 km em corredor preferencial. Então, é necessário que exista uma rede de corredores preferenciais e não apenas um.”

O projeto, como já apontou o prefeito Paulo Garcia (PT), é criar a rede de corredores preferenciais citada por Avelino. As obras para implantação do sistema na T-63, inclusive já começaram. Contudo, especialistas apontam que corredores preferenciais deveriam ser feitos no centro das vias, com faixas exclusivas, como funciona de modo efetivo na Avenida Goiás e na Rua 90. Assim, os acidentes envolvendo ônibus e carros que fazem conversões e invadem a faixa do transporte coletivo acabariam.

A isso, Avelino responde que há uma diferença entre as soluções existentes para o transporte coletivo em Goiânia. Para ele, um corredor exclusivo no canteiro central é um sonho de qualquer cidade e motorista, mas é inviável para algumas partes da cidade, como as Avenidas T-7, T-9, T-63, 85, 24 de Outubro e Independência, que, por outro lado, são vias com grande potencial para implantação de corredores preferenciais. “Corredor central seria o ideal. Agora, o corredor preferencial tem uma situação diferente. Por exemplo, no Corredor Universitário não funcionaria, uma vez que o projeto não conseguiu viabilizar a Praça Universitária, o que, de certa forma, prejudica a fluidez do trânsito”, diz.

Dessa forma, segundo o diretor do consórcio, como modelo de corredor preferencial, o Corredor Universitário é o modelo a ser seguido, também por uma questão de necessidade. “Goiânia não é a mesma de 20 anos atrás. A cidade cresceu e não tem como ela continuar da forma que era. Por mais que a gente não queira dar o balão numa quadra para atravessar um corredor, não tem como. É o fator econômico interferindo na vida das pessoas. E o corredor universitário mostrou que houve ganho para o usuário de transporte público e também para o motorista, visto que agora há organização nas vias. Então, esse é um processo que não dá mais para postergar.”

Goiânia e a “indústria da multa”

Grande parte das reclamações dos motoristas acerca das obras na Rua 10 e na Avenida Universitária provém das multas. Por causa disso, já se diz que em Goiânia há uma “indústria da multa”. Dados da Secretaria Municipal de Transportes (SMT) mostram que foram 22.063 multas entre novembro de 2012 e fevereiro de 2013, sendo quase 12 mil apenas este ano. Porém, o chefe de gabinete da SMT, Miguel Carlos Leite Ferreira, diz que os números não são muito significativos.

“Eu esperava um número até maior, tendo em vista que essa é a maior infração cometida pelos goianienses, fora a frota flutuante que é grande. Então, se analisarmos a velocidade de outras vias teríamos um muito maior número de multas no Corredor Universitário. Mas já houve redução dessas taxas devido à sinalização. Mesmo assim, há pessoas que ainda dizem não ver as placas. É uma questão de desatenção, imprudência e pressa”, argumenta Ferreira.

Já o superintendente de De­senvolvimento Urbano e Trânsito da Secretaria Estadual das Cidades, Antenor Pinheiro, analisa o fato por outro foco. Pinheiro era titular da SMT em 2004, quando a Rua 90 recebeu os radares de redução de velocidade. Na época, era comum ver notícias de mortes e feridos no local. Foram dez mortes e dezenas de feridos em um ano. O principal ponto de transtornos era em frente ao Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) e ao Instituto de Assistência ao Servidor Público de Goiás (Ipasgo).

Quase dez anos depois, Pinheiro afirma que a obra foi uma política bem sucedida, mas que causou muitos desgastes, uma vez que a revolta da população com o alto número de multas acusado pelos equipamentos foi grande. “Tratamos a obra daquela via sob a égide da segurança viária. Fizemos um estudo e implantamos um sistema de segurança radical de modo a reduzir drasticamente a velocidade da via e exigir que os condutores otimizassem suas capacidade de reação diante de um obstáculo. A via que tinha uma média de velocidade de 82 km/h passou a ter 50 km/h. E isso fez com que nenhuma morte mais ocorresse desde 2004”, ressalta ele.

Mas, segundo o superintendente, a redução de mortos e feridos só foi possível graças ao sistema de fiscalização eletrônico. Ele classifica o trânsito no Brasil como um ambiente de guerra, em que é preciso usar de todos os recursos possíveis para evitar mortes. “Sem dúvida os sensores são necessários. Ainda mais em um ambiente de guerra como é a mortalidade do trânsito no Brasil. A Or­ganização Mundial de Saúde [OMS] classificou o quadro de mortes no Brasil como um quadro epidemiológico, ou seja, como um problema grave de saúde pública. E em um ambiente de guerra, até o direito penal é trazido para enfrentar o inimigo com rigor.”

Pinheiro analisa que o alegado excesso no número de multas é uma premissa falsa. “Quando se altera a velocidade operacional, é necessário fazer modificações de gestão. Antes de implantar a política na Rua 90, nós ficamos dez meses estudando medidas menos radicais, mas nada surgiu efeito.”

Para Antenor Pinheiro, a reação das pessoas é normal, pois é natural o ser humano pensar de maneira tradicional. Ele cita, por exemplo, o caso dos comerciantes que reclamam da retirada do estacionamento nas vias que irão receber os corredores preferenciais. “Eu sou comerciante e quando se fala em corredor exclusivo, tirando faixa de estacionamento, eles são os primeiros a dizer que vai piorar o movimento e prejudicar o comércio, mas isso é uma premissa falsa, pois quando se valoriza outros tipos de mobilidade, como fizeram Bogotá, na Colômbia, Arequipa, no Peru Guadalajara, no México, e Santiago, no Chile, para falar só de países latino-americanos, nós colecionamos cidades desenvolvidas e que são menos perigosas e com menos violência no trânsito.”

Fonte: Jornal Opção