O mapa do crack em Goiânia

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Levantamento da Polícia Militar mapeia os grupos de moradores de rua da região central de Goiânia. 34% desta comunidade é assumida.

Quinze anos de idade e 50 reais diários para o crack. Às 21 horas de uma terça-feira, Gustavo inaugura a reportagem com o pedido “Deixa eu dar uma palmada aqui primeiro, aí eu converso.” O garoto, aqui de nome fictício, prepara o cachimbo e queima três pequenas pedras da droga. Em seguida, ele compartilha o fumo com Bruno, 22, e surpreende o parceiro ao revelar a idade. Na Praça do Trabalhador, os dois dividem um abrigo sofrível, entre duas pequenas árvores e um plástico grosso, que utilizam para se cobrir, enquanto consomem o produto adquirido na “humildade”, como descrevem.

A “humildade” apresenta a maneira de obter o dinheiro destinado à droga, pela mendicância, ou vigiando carros. A praça, à frente do Terminal Rodoviário de Goiânia e a poucos metros da Câmara de Vereadores, tem seu espaço contestado pela presença de sem-teto e de dependentes químicos, este é apenas um dos 55 pontos identificados em último levantamento da Polícia Militar (PM) que delineia o mapa de moradores de rua da região central de Goiânia (veja quadro).
Major Eldecírio da Silva, responsável pelo estudo, obtido com exclusividade pelo O HOJE, classifica em três grupos os indivíduos em situação de rua, aqueles que, portadores de deficiência mental ou física, são relegados pela família; os desprovidos de moradia, dependentes de drogas ou não; e usuários de droga – estes possuem residência, no entanto utilizam a rua para se drogar.

Droga em Goiás
A Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), órgão municipal que assiste a essa comunidade, traz nos números o índice de 34% de moradores de rua, que se declaram dependentes em crack. Apesar de a Semas fornecer o número, é o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS Ad/Casa), da Secretaria Municipal de Saúde, que atende adultos viciados em álcool e drogas. O trabalho existe desde o ano de 2004. O crack, especificamente, habita os registros urbanos de Goiânia desde 2000.

Presente no Brasil desde o início da década de 1990, é um fenômeno recente, e, em Goiás, assumiu o lugar da merla, outro subproduto da cocaína. Antigamente queimado em latinhas, o cachimbo é hoje o instrumento mais frequentemente utilizado para o consumo da droga, que pode ser claramente identificado nas regiões mapeadas pela PM. Os passantes e mesmo a presença policial não desestimulam o consumo, praticado a olhos vistos.

Histórias de vida
O carro da reportagem para e presencia a chama que dá razão à droga. Os olhos repórteres se aproximam do grupo de quatro homens acomodados em roda, em outra praça, a do Avião, no Setor Aeroporto. A pequena reunião traz quatro breves históricos de vida, uma delas escondida sob 52 anos, um velho chapéu, o sotaque nordestino e a marca de seis caixões. Sebastião vive nas ruas de Goiânia há 1 ano e 7 meses. A vinda à capital goiana teve como motivo a morte dos familiares, os pais – uma irmã a mulher e dois filhos. “Eu tenho que beber. Toda noite eu me lembro dos seis caixões enfileirados.”

A vontade de trabalhar é impedida por um derrame, que causou paralisia ao lado esquerdo do corpo do velho homem, como agravante, uma hepatite B que ele não sabe explicar como foi a contaminação. Além das seis mortes de familiares, Sebastião tem próximo a ele, outros 22 falecimentos, narrados pela mídia desde agosto de 2012, e que tiveram como alvo a comunidade de moradores de rua. O discurso humanista cabe em duas breves frases do baiano: “Porque uma vida vale muito. Seja ela de quem for.”

Maioria de moradores de rua são migrantes

O grupo de moradores de rua de Goiânia é descrito pela Semas como variado, quanto à origem, e são contabilizados entre 400 e 450 pessoas. Segundo dados da secretaria, 62,9% dos pesquisados são provenientes de outros Estados, além de outros 19,6%, vindos do interior. Muitas dessas pessoas vêm à capital para tentar tratamento médico e, por falta de condições financeiras, acabam permanecendo nas ruas, tornando volátil o número absoluto da população sem-teto de Goiânia. Jorge, parceiro de roda de Sebastião, na Praça do Avião, conta a trajetória, que teve como ponto de partida o Tocantins. Há 12 anos na capital goiana, dez deles tiveram como endereço as ruas da cidade.

A realidade narrada nas ruas é descrita por palavras como “preconceito” e “medo”. Sobre o futuro, Sebastião, o baiano de chapéu, em conversa particular, fora do grupo, assume ao fim da reportagem que espera da vida apenas a morte.

Fonte: Jornal O Hoje