A decisão do Supremo Tribunal Federal, que praticamente inocenta os motoristas embriagados que matam no trânsito, decorre de uma cultura que está legalizando todos os crimes
José Maria e Silva
A Justiça brasileira está legalizando o crime. A mais nova medida nesse sentido foi tomada no início do mês pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento de um crime de trânsito. Um motorista da comarca de Guariba, no interior de São Paulo, ao dirigir embriagado, acabou provocando um acidente e matando uma pessoa. O Ministério Público paulista denunciou o réu pelo crime de homicídio doloso qualificado — quando há intenção de matar — e tanto o juiz de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça de São Paulo acataram esse entendimento. Então, os advogados do réu recorreram ao Supremo com um pedido de habeas corpus, que acabou sendo concedido pela mais alta corte do País, em 6 de setembro último.
A ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, que havia relatado o caso, acompanhou a decisão da Justiça paulista, mas o ministro Luiz Fux pediu vista do processo e, divergindo da relatora, votou pela concessão do habeas corpus. No seu entendimento — acompanhado pelos demais ministros da Primeira Turma —, o réu deveria ter sido julgado não por homicídio doloso, mas por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar. A diferença entre um entendimento e outro é significativa. Na prática, significa que o réu se livrou da cadeia. Hoje, com as recorrentes benesses que vêm sendo concedidas pelo Estado brasileiro a toda sorte de criminosos, quem incorre em homicídio culposo já não fica mais preso.
O Código de Trânsito Brasileiro (que eu chamo de “Constituição-sobre-Rodas”, dada a sua desnecessária prolixidade) classifica os crimes do gênero em seus artigos 302 e 303. O artigo 302 afirma que “praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor” implica em pena de detenção de dois a quatro anos e suspensão ou proibição da permissão para dirigir. Também prevê que, no caso de homicídio culposo na direção de um veículo, a pena poderá ser aumentada de um terço à metade, caso o motorista não possua carteira de habilitação; tenha praticado o crime na faixa de pedestres ou na calçada; deixe de prestar socorro à vítima do acidente quando é possível fazê-lo sem risco pessoal; ou esteja conduzindo veículo de transporte de passageiros.
Já o artigo 303 da “Constituição-sobre-Rodas” trata das penas em que incorre o motorista acusado de praticar lesão corporal culposa na direção de um veículo automotor. Nesse caso, a pena é bem mais branda e o réu pode pegar uma pena de prisão de seis meses a dois anos, perdendo também a permissão para dirigir. A pena poderá ser aumentada de um terço à metade no caso das hipóteses previstas no artigo anterior — o que é uma falha gravíssima da lei.
O artigo 302, que trata do homicídio culposo, só fala de agravantes em relação à conduta do motorista, e não poderia ser diferente, pois a vítima morreu — uma consequência que é definitiva e não comporta agravantes nem atenuantes. Já o artigo 303, que trata de lesão corporal culposa, tinha de ter pensado nos agravantes, sobretudo em relação às consequências para a vítima, mas não o faz. Desse modo, se a lesão corporal culposa for um permanente estado vegetativo da vítima, a pena para o motorista será a mesma que ele receberia caso a ela apenas quebrasse o braço.
Armadilhas jurídicas
Esse é apenas um exemplo de como as leis brasileiras não servem para nada, por isso não são cumpridas. E não é culpa só do Congresso Nacional, mas, sobretudo, dos operadores do direito, que escrevem as leis muito mais para ostentar sua vaidade retórica do que para solucionar os problemas do país. Por isso, as vítimas são sistematicamente relegadas a segundo plano, na maioria de nossas leis — sua dor ou a dor de seus parentes e amigos é sempre mais inequívoca do que as razões subjetivas de um criminoso e não comporta as doutas elucubrações dos juristas, que lhes rendem fortuna e fama.
Até uma criança é capaz de perceber o sofrimento da mãe que perdeu o filho atropelado, mas ninguém — a não ser Deus — pode saber exatamente o que se passada na cabeça do motorista embriagado na hora em que atropela uma pessoa. Consequente-mente, falar em nome da mãe exige muito menos retórica e seus defensores ficam parecendo simplórios diante dos intelectuais que recorrem a Michel Foucault para falar do poder constitutivo da violência que permeia as relações sociais. Hoje, todo o discurso sobre segurança pública está viciado por essa suposta complexidade que cerca o criminoso e as origens de seu mal e quando alguém lembra que a essência da discussão é fazer justiça à vítima, sem adjetivos, os intelectuais chamam isso de simplismo e sede de vingança.
Por isso, não pretendo cair na armadilha retórica de discutir as nuances jurídicas que separam o dolo, a culpa e o dolo eventual nos acidentes de trânsito. Essa é uma discussão infindável entre os juristas, que acaba desviando o foco das questões principais. E a principal questão que está por trás dessa decisão do Supremo em relação aos crimes de trânsito diz respeito ao total desprestígio da vítima no direito brasileiro. Todas as nossas leis sofrem a influência deletéria dos advogados criminalistas que, historicamente, dominam as ciências jurídicas e os postos de comando do Estado. E, agora, eles têm como forte aliado a sociologia, que, no Brasil, tem um viés fortemente esquerdista e transgressor. Com isso, as recentes reformas da legislação procuram despenalizar o criminoso e, para atingir esse objetivo, nada melhor do que fazer de conta que as vítimas não existem.
Usina de habeas corpus
O exemplo que acabo de dar é sintomático. Como é que o batalhão de assessores jurídicos do Executivo e do Legislativo que elaboraram o Código de Trânsito não foi capaz de pensar na vítima ao estabelecer as penas nos casos de lesão corporal culposa? É certo que o Código Penal, em seu artigo 129, já estabelece diferenças entre lesão corporal e lesão corporal de natureza grave, mas se o Código de Trânsito, no caso do homicídio doloso, não se contenta com isso e detalha suas próprias penas, por que não fazer o mesmo em relação à lesão corporal culposa? Seria, inclusive, uma forma de evitar a chicana dos advogados dos réus, que, na defesa dos seus clientes, podem apontar as disparidades de pena para os mesmos crimes entre o Código de Trânsito e o Código Penal, sabendo que, na dúvida, o Supremo tende a dar ganho de causa para o réu, em detrimento da vítima.
Todavia, já estou entrando nas querelas jurídicas, quando não é este o objetivo deste artigo. Quero chamar a atenção para o quadro mais amplo que está por trás dessa decisão do Supremo em relação aos acidentes de trânsito. O primeiro aspecto da questão a ser observado é que o Supremo Tribunal Federal está se tornando uma espécie de oficina de habeas corpus. Se a causa do criminoso chega até lá, é quase certo que ele conseguirá a liberdade. Parece que os ministros do Supremo sentem prazer em contrariar as decisões das instâncias inferiores da Justiça, sobretudo quando se trata de garantir os supostos direitos dos réus. No caso em questão, o Ministério Público, o juiz de primeira instância e a Justiça Estadual de São Paulo tinham considerado que o motorista incorrera em crime doloso, mas o Supremo entendeu o caso de modo diferente e concedeu habeas corpus ao motorista criminoso. Com isso, tende-se a criar jurisprudência, liberando os motoristas bêbados para matarem ao volante em todo o país.
Nos últimos dias, ocorreram crimes estarrecedores no trânsito, que clamam aos céus. Todos eles envolviam álcool e alta velocidade e estão sendo objetivo de inquérito policial, como manda a legislação. Os delegados adiantam que os motoristas serão indiciados por homicídio doloso (com intenção de matar), uma vez que sabiam dos riscos ao dirigir embriagados. Foi o caso de uma trágico acidente que ocorreu em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Um caminhoneiro atropelou seis trabalhadores e cinco morreram. Ele dirigia um caminhão carregado de bobinas de aço e estava, segundo ele, há 20 horas sem dormir. Além disso, tinha ingerido um coquetel de anfetaminas e cachaça, conforme confessou à polícia.
Em São Paulo, no dia 17 de setembro, um motorista embriagado atropelou e matou duas mulheres — mãe e filha — em plena calçada. A mãe, de 58 anos, e sua filha, de 28 anos, haviam saído de um shopping e andavam pela calçada da marginal Pinheiros, quando foram atingidas por um Golf dirigido por um auxiliar de bibliotecário. Ele estava numa velocidade tão alta que o veículo quase se desintegrou — as peças e acessórios do carro foram arremessados a uma longa distância e o motor se deslocou de seu compartimento. O motorista apresentava visíveis sinais de embriaguez, segundo os bombeiros que atenderam à ocorrência, e o delegado adiantou que havia provas suficientes para indiciá-lo por homicídio doloso.
Sultões das ruas
No Rio de Janeiro, no Méier, na noite de 14 de setembro, uma mãe de 38 anos e seu filho de um ano e oito meses também foram atropelados na calçada. A criança morreu imediatamente e a mãe teve fratura exposta na perna — e na alma evidentemente. Uma reportagem do portal da Record traz uma foto da criança morta. O menino estava brincando no chão com um carrinho vermelho e, no momento da foto, ergue o rostinho, entre compenetrado e travesso, para encarar a câmara. Tenho certeza que sua mãe jamais vai esquecer esse olhar, ainda mais que o crime tende a ficar impune, agora que o Supremo desqualificou de doloso para culposo um crime da mesma espécie.
No caso da criança morta no Rio, depoimentos de moradores que residem nas proximidades do local do acidente, revelam que o os carros trafegam em alta velocidade pela via, cuja velocidade máxima é de 50 quilômetros por hora. Segundo eles, é normal os veículos entrarem na contramão em alta velocidade. E estamos falando do Rio de Janeiro, cartão postal do país no mundo, o que mostra que o Brasil ainda está muito longe da civilização, especialmente quando se trata de trânsito. Os motoristas brasileiros continuam sendo os “sultões” denunciados por Gilberto Freyre há mais de meio século, em dois artigos publicados na revista “O Cruzeiro”, em 27 de dezembro de 1948.
Nesse artigo, o sociólogo faz uma instigante analise da conduta dos motoristas brasileiros — que já era insana naquela época, em que os carros não passavam de carroças, comparados com os de hoje. Com a argúcia peculiar a seus ensaios, Gilberto Freyre chama os motoristas de “sultões” que se aboletavam no trono de seus volantes e jamais cogitavam a hipótese de frear ou reduzir a velocidade do veículo, obrigando crianças, mulheres, idosos e demais pessoas a pularem feito malabaristas de circo caso não quisessem ser atropelados. O sociólogo, que morou nos Estados Unidos e conhecia boa parte do mundo, relata que os estrangeiros ficavam espantados com a selvageria do trânsito brasileiro. E estamos falando de 1948, repita-se, quando a frota de veículos era irrisória e a potência dos mesmos era infinitamente menor do que a de hoje.
Passados mais de 60 anos, mesmo com o novo Código de Trânsito, a situação permanece a mesma. As ruas brasileiras continuam sendo privativas dos motoristas infratores. E, é importante frisar, eles não são necessariamente bêbados e irresponsáveis — muito pelo contrário, a insanidade ao volante é um dos pecados mais bem distribuídos na sociedade brasileira. Conheço dezenas de pessoas educadas, gentis e responsáveis, que, quando se sentam ao volante do carro, esquecem boa parte das normas de convivência e se não chegam a ser assassinas ao volante é por mero acaso, pois dirigem perigosamente o tempo todo, pondo em risco a vida de inocentes.
Visão equivocada
Diante desses verdadeiros crimes hediondos cometidos por bêbados ao volante, há uma tendência da imprensa e das autoridades no sentido de transformar o álcool no grande vilão do trânsito. A chamada “Lei Seca” é decorrência dessa visão equivocada. A maioria dos acidentes de trânsito decorre da imprudência generalizada do motorista brasileiro, mesmo pacatos pais de famílias, que, ao volante, são useiros e vezeiros em trafegar em alta velocidade, não utilizar a luz de seta para indicar suas manobras, avançar o sinal vermelho e, sobretudo, fazer ultrapassagem perigosa. Se houvesse um efetivo combate a esses quatro tipos de infrações muito comuns, não tenho a menor dúvida que os acidentes de trânsito no País seriam reduzidos drasticamente.
Não há estatísticas confiáveis no Brasil sobre quase nada, mas os estudos sobre acidentes de trânsito mostram que há uma verdadeira guerra civil nas ruas do País. O trânsito brasileiro mata cerca de 40 mil pessoas anualmente (alguns estudos falam em 50 mil) e deixa uma legião de mutilados, causando um prejuízo de R$ 30 bilhões por ano, segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS). Hoje, grande parte dos deficientes físicos estão nessa condição em decorrência de acidentes de trânsito. Em 2010, o Ministério da Saúde registrou 146 mil internações decorrentes de acidentes de trânsito, o que contribui para tornar o sistema de saúde ineficiente, uma vez que a prevenção das demais doenças acaba sendo relegada a segundo plano diante da emergência no atendimento que o acidente de trânsito suscita.
Para fazer frente a essa tragédia cotidiana, o governo federal, sob a coordenação do Ministério das Cidades, elaborou o Plano Nacional de Redução de Acidentes e de Segurança Viária, que pretende reduzir os acidentes de trânsito em 50% até 2020, seguindo recomendação da ONU. Obviamente, trata-se de mais um plano de papel, feito por adolescentes de grêmio livre travestidos de autoridades. O plano praticamente não mexe no precário sistema de punição dos motoristas infratores e se esmera em prever medidas educativas que, pasmem!, devem começar na pré-escola. O que passa pela cabeça dos políticos e intelectuais que elaboram esses planos? Eles acham que pessoas são programas de computador? É como se um “capacitólogo” qualquer pudesse escrever no DNA de uma criança da pré-escola que ela vai ser um bom motorista e daí a 20 anos essa criança estará imune a qualquer tentativa de infringir as regras de trânsito.
Educar é punir
Só um país visceralmente destruído pela crença insana no conhecimento — disseminado pelas universidades — pode desconhecer que o ser humano não é feito de razão, mas também de instintos. Por melhor que seja a família e por melhor que seja a escola, não há nenhuma garantia de que a criança que elas educam não vai trafegar em alta velocidade e matar pessoas quando adulta. Portanto, punir é essencial. Não existe educação sem punição — educar é punir. E no trânsito isso é mais visível ainda. Se o Estado insistir em ser babá de gente adulta, com campanhas educativas “para boi dormir”, ele jamais irá reduzir os acidentes de trânsito, muito menos 50% em menos de dez anos. É preciso enfiar violentamente a mão no bolso dos motoristas, punindo sem piedade as infrações de trânsito graves, como andar em alta velocidade e furar o sinal vermelho. Essa é a melhor forma de educar adultos.
Mas, para isso, é preciso racionalizar a legislação de trânsito. A “Constituição-sobre-Rodas”, digo, o Código de Trânsito, é uma das muitas aberrações que a malfadada Constituição de 88 pariu. O Brasil não precisava de um código especial para tratar de trânsito. Já temos códigos especiais em excesso. Eles servem apenas para dar emprego para advogados e demais operadores do direito, dificultando a vida do cidadão comum. Bastava aplicar as regras de trânsito que já existiam, priorizando aquelas que dizem respeito as quatro situações infracionais de maior risco: alta velocidade, ultrapassagem perigosa, desrespeito ao semáforo e não uso de seta. Se há 20 anos, em vez de ficar obcecado com cinto de segurança, o Brasil tivesse se preocupado com essas quatro situações, não tenho a menor dúvida que os acidentes de trânsito já teriam sido reduzidos em todo o país em mais de 50%.
O brasileiro é uma criança crescida que não gosta da responsabilidade que o cumprimento das leis exige. Para ele, o inferno são sempre os outros e cabe ao Estado restituir-lhe o paraíso perdido, garantindo apenas seus direitos sem lhe exigir nenhum dever. Mas, como toda criança, o brasileiro também tem medo de vara de marmelo e, quando a lei é para valer, ele obedece. A obrigatoriedade do cinto de segurança é um exemplo. O Estado brasileiro faltou pôr o Exército nas ruas para que os motoristas usassem o cinto. E conseguiu. Na maioria das médias e grandes cidades do país, o uso do cinto se disseminou de forma automática. A promessa é que isso reduziria as mortes no trânsito, entretanto, elas continuam crescendo de modo assustador.
Desprezo com as vítimas
As pessoas nunca se deram conta disso, mas essa obsessão para que os motoristas usem o cinto de segurança — mesmo nas ruas das cidades — é um exemplo cabal de que o Estado brasileiro jamais se preocupa com as vítimas, apenas com o infrator. O cinto de segurança protege, sobretudo, o motorista que corre muito. Dá inclusive segurança para que ele possa correr e atropelar sem risco. É como se ele fosse um estuprador usando camisinha. Todos os criminosos que, nos últimos dias, trafegavam em alta velocidade e mataram pessoas nas calçada só saíram ilesos desses acidentes, prontos para matar de novo, porque, sem dúvida, usavam cinto de segurança. Se estivessem sem o cinto, ao menos teriam que pagar pelo crime com a própria vida, o que, além de ser uma forma de justiça, seria também uma prevenção de acidentes eficaz, pois quem faz um cesto faz cem, como diz o provérbio.
Isso não significa que eu seja contra o uso do cinto de segurança. Apenas acho que ele jamais deveria ser prioridade fora das rodovias, como foi e continua sendo. Quando o Estado brasileiro exige radicalmente que o motorista use cinto de segurança nas vias urbanas, ele está implicitamente admitindo que os limites de velocidade não são cumpridos e, diante dessa infração generalizada, opta por obrigar o infrator a proteger a própria vida, liberando-o para ser um potencial e eficaz criminoso, capaz de matar terceiros sem pôr em risco a própria vida. Portanto, em vez de usar todo o seu poder de polícia para exigir o uso do cinto de segurança, o Estado tinha que usar sua força para coibir a alta velocidade. É sobretudo ela que transforma qualquer acidente num acidente fatal.
Entretanto, a legislação de trânsito faz justamente o contrário. O motorista só pode ser multado por excesso de velocidade se o radar que acusa sua infração estiver devidamente sinalizado, com placas anunciando sua existência a distâncias que variam de 50 a 300 metros. Na prática, todos os radares do país se tornaram meros enfeites. Quem anda civilizadamente, cumprindo os limites de velocidade, já deve ter notado que, ao passar pelo radar, a velocidade registrada de seu veículo é sempre maior do que a velocidade do motorista imprudente. Este, quando vê a placa avisando sobre o radar, reduz bruscamente a velocidade e, depois de registrar no radar uma velocidade inferior à do motorista prudente, volta a correr outra vez de modo desenfreado.
Autoridades “carrodependentes”
Enquanto não se implantar no País um sistema de radares fixos e móveis e sem qualquer espécie de aviso prévio, o trânsito brasileiro continuará matando cada vez mais. Não há bafômetro, educação de trânsito ou planos megalomaníacos que coloquem um fim nessa tragédia cotidiana. A única forma de inibir os motoristas irresponsáveis, é criando a possibilidade de que eles sejam flagrados na prática da infração de trânsito. Sem isso, eles vão continuar correndo, furando sinal e fazendo ultrapassagem perigosa, sem jamais pagar por isso. Por que o motorista tem o suposto direito de ser avisado sobre a existência do radar se esse aparelho só é acionado mediante a infração cometida? É como se a polícia tivesse que avisar o bandido com a devida antecedência de que irá prendê-lo.
Os políticos e formadores de opinião — todos eles “carrodependentes” — costumam ser radicalmente contra a existência de radares camuflados. Eles se esquecem que praticamente nenhum motorista brasileiro respeita o limite máximo de velocidade das vias. Pelo contrário, esse limite máximo é sempre interpretado como mínimo. Se a velocidade máxima numa via urbana de um bairro residencial é 50 quilômetros por hora, o motorista que passa a 60 quilômetros por hora acha que está correndo pouco, que é um motorista civilizado.
Da mesma forma o sinal amarelo deixou se significar “perigo” e virou sinônimo de “acelere” na cabeça de praticamente todos os motoristas. O sujeito está a 100 metros do sinal e percebe que ele ficou amarelo, ele acelera para tentar atravessar antes do vermelho, quando o correto é fazer justamente o contrário. É quando acontecem acidentes extremamente graves, com vítimas fatais. Mas não há nenhuma campanha educativa — e punitiva — quanto a essa infração de trânsito, que, além de recorrente em todos os sinais de todas as vias, é infinitamente mais grave do que deixar de usar o cinto de segurança numa via urbana, não ter materiais de primeiros-socorros no carro ou estar com o IPVA atrasado. Como se vê, a decisão do Supremo que praticamente descriminaliza os motoristas homicidas é consequência de uma cultura que beneficia os criminosos em geral e, sem dúvida, irá reforçá-la ainda mais.
Fonte: Jornal Opção