Fim de benefício deve fazer montadoras deixarem Goiás

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Se o STF julgar inconstitucionais os incentivos concedidos pelo Estado, grande parte das empresas que vieram atraídas pelo incentivo fiscal deve voltar para o local de origem

Andréia Bahia

A qualquer momento o Supremo Tribunal Federal (STF) pode julgar três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que questionam os incentivos fiscais concedidos pelo Estado nas ultimas três décadas. No início do mês, o Supremo considerou inconstitucionais os incentivos fiscais concedidos por Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Espírito Santo, Pará e Distrito Federal por meio da redução do ICMS, em ações semelhantes as que tramitam no tribunal contra Goiás. Além das ADIs de São Paulo, Paraná e Distrito Federal contra Goiás, também tramitam no STF, desde 2002, uma da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e outra da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Metalurgia contra os incentivos concedidos pelo Estado sobre o ICMS para importação de produtos.

Se o entendimento do Supremo sobre os incentivos fiscais — que só podem ser concedidos por meio de convênios firmados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) — prevalecer em relação às ADIs contra Goiás, provavelmente muitas indústrias que se instalaram aqui desde a criação do Fomentar, em 1984, podem deixar o Estado. Esse é o receio do secretário de Indústria de Goiás, Alexandre Baldy. “Pode ser que a Perdigão, empresa que atua em todo o País e trabalha com venda nacional e internacional, permaneça em Goiás, mas deve diminuir as operações no Estado.” Deve passar a produzir para atender somente a demanda local e do Norte do País.

A isenção de ICMS por tempo determinado – que dá origem ao que denominam guerra fiscal – é, na opinião do secretário, uma medida estratégica para reduzir os custos de operação de indústrias instaladas aqui, uma vez que Goiás está distante dos portos por onde saem as exportações e do grande mercado consumidor, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, o que aumenta o custo logístico da empresa. “Os incentivos fiscais servem para amenizar o custo de estarmos em uma região mais longínqua dos portos para exportação e de onde a densidade demográfica colabora mais para o consumo.”

Não se trata, portanto, de dar lucro para as empresas que recebem o benefício, mas uma forma de compensá-las para que venham para Goiás, Centro-Oeste, Norte e Nordeste e sejam competitivas frente às empresas que estão localizadas no Sul e Sudeste. “O grande consumo de produtos no Brasil está em São Paulo, Minas, Rio e Paraná, regiões que têm 15, 20 milhões de pessoas, algo incomparável ao consumo de Goiás”, afirma Baldy.

Ameaça às montadoras

Diferentemente das indústrias de alimentos, as empresas que não têm demanda em Goiás, como as montadoras automobilísticas, devem deixar o Estado caso o Suprema extinga os benefícios fiscais, prevê o secretário. No caso das montadoras, o custo da importação dos insumos que entram no País pelos portos de Santos, Paranaguá, Vitória e Pernambuco, somado ao valor pago para transportar os veículos para o mercado consumidor no Sul e Sudeste torna a indústria bem menos competitiva. “Essas empresas não são recompensadas pelo fato de estarem colocadas fora do contexto de consumo elevado e da estratégia de exportação e, com certeza, vão repensar sua estratégia de continuar em Goiás”, garante Baldy.

Na opinião do empresário e senador Cyro Miranda (PSDB), a decisão do STF teve pelo menos um ponto positivo: colocou o assunto definitivamente em pauta. Como a maioria dos Estados atingidos pela sentença do Supremo é da base aliada da presidente Dilma Rousseff, pela primeira vez governadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste se reuniram com a presidente da República para buscar uma solução. “A sentença propiciou um grande entendimento e, para nós, isso vai ser muito bom.”

A expectativa do senador é de que dia 8 de julho o Confaz convalide os incentivos fiscais, tornando-os válidos até uma data determinada. Segundo a legislação, cabe ao Confaz convalidar o incentivo fiscal para que o benefício se torne constitucional “Assim darão tempo para que cada região desenvolva uma política própria de desenvolvimento regional acertada entre todos. Evidentemente que o Norte precisa de mais incentivo que o Nordeste, o Centro-Oeste mais que o Nordeste e que o Sudeste, mas acredito que as coisas vão caminhar para se disciplinar e se resolver.” E resolver não significa simplesmente extinguir o benefício. O senador lembra que o incentivo fiscal foi criado para preencher a lacuna gerada pela falta de um programa de desenvolvimento regional – que seria função de uma pasta como a Sudeco –, que, se criado, torna desnecessário o benefício concedido pelos Estados.

Juridicamente, Goiás não foi afetado pela sentença do STF, mas economicamente a medida já gera insegurança e essa é a preocupação de Alexandre Baldy. “Os empresários que já estão em Goiás e aqueles que talvez queiram vir se sentem inseguros pelo fato de não saber se o Supremo vai ou não votar as ADIs que tramitam contra o Estado.” Cada ação se refere a um tema específico. Em São Paulo, por exemplo, foi considerada inconstitucional uma lei que isentava do recolhimento de ICMS a produção de leite longa vida; em Mato Grosso do Sul o Supremo julgou os benefícios fiscais concedidos a empreendimentos industriais por meio do programa MS Empreendedor; no Distrito Federal, considerou inconstitucionais os empréstimos concedidos a empresas pelo Pró-DF.

Em Goiás, a maioria das ADIs questiona benefícios concedidos por meio dos programas Produzir e Fomentar, base dos incentivos fiscais oferecidos por Goiás. A esperança do secretário também está no Confaz. “Estamos dando as mãos aos Estados prejudicados com a medida do Supremo para que o Confaz convalide todo modo de incentivo concedido até o presente momento.” Segundo ele, ainda há uma dúvida em relação à sentença do STF: se o tribunal vai proferir a sentença de forma ex nunc — a partir de agora sem retroagir ao passado — ou ex tunc — de efeito retroativo desde a promulgação da lei ou ato normativo questionado. Se a sentença for ex tunc, o Supremo pode tornar as empresas beneficiadas pelos incentivos fiscais devedoras de toda a isenção de impostos que tiveram nos últimos anos. “Além de não ter mais o incentivo fiscal, a empresa ainda vai ser obrigada a devolver aos cofres públicos aqueles incentivos que foram concedidos de forma indevida”, alerta Baldy.

Para o deputado federal Valdivino Oliveira (PSDB), ex-secretário da Fazenda do DF, a sentença dada pelo STF em relação aos incentivos fiscais afeta também os Estados que não foram atingidos juridicamente. É o caso de Goiás. “No aspecto econômico, sabemos que a instabilidade política de qualquer programa acaba afastando a possibilidade de muitos investimentos se realizarem. O empresário fica na dúvida se o incentivo fiscal pode não prevalecer e aquilo que podia dar vantagem competitiva para ele pode se transformar em desvantagem, o que acaba inibindo a decisão de investir.”

Segundo ele, todos os Estados brasileiros sofrem, neste momento, dessa instabilidade política dos incentivos fiscais. “O empresário, em qualquer Estado, que for fazer investimento baseado em incentivo fiscal vai pensar se faz ou não, se é possível ou não, porquanto a incerteza dos investimentos darem ou não o resultado que espera.” Essa instabilidade faz com que o empresário decida não investir.

No campo político, Valdivino Oliveira avalia que a decisão do Supremo abre os olhos do Congresso Nacional para que o parlamento possa encontrar uma solução para o conjunto de Estados. “Agora, todos os Estados vão se interessar em encontrar a melhor solução e a melhor solução que temos hoje é regulamentar os incentivos, não é acabar com os incentivos; ver quem pode dar, em que área pode dar, em qual setor da economia, qual o balizamento, qual a calibragem, até que nível pode ser dado.” A melhor via, na opinião do deputado tucano, é regulamentar, porque os Estados não podem viver sem esses incentivos. Nos últimos dez anos, 587 indústrias migraram do Sul e Sudeste para Goiás atraídas pelo programa de incentivo fiscal do Estado.

Essa regulamentação não virá no bojo da Reforma Tributária, segundo Valdivino Oliveira. “O Congresso precisa acordar para o fato de que o constituinte cometeu um grave erro quando definiu que o Confaz seria o órgão que constitucionalizaria os benefícios.” Segundo ele, como o imposto é estadual, a competência de organizar e a de cobrar são do Estado. “Os Estados concedem benefícios com seu próprio imposto por lei estadual e não careceria de outro organismo ter de regulamentar, porque a concessão do benefício não fere o pacto federativo.”

Essa constitucionalização, na avaliação do deputado, deveria ser feita pelo Congresso Nacional, onde se aprova com dois terços ou com metade mais um. Já no Confaz, um colegiado de 27 secretários da Fazenda, só se aprova por unanimidade. “Basta um secretário ser contra que não se aprova. Que colegiado é esse que pode constitucionalizar a vontade de um povo expressa pelas Assembleias estaduais?” Ele conta que, quando foi secretário da Fazenda do DF, apresentou no Confaz um projeto que regulamentaria os incentivos fiscais e que a proposta não foi aprovada por causa do voto contra de São Paulo. Além disso, observa o deputado, mais da metade dos secretários não comparece às reuniões do Confaz; envia representantes que se interessam apenas em aumentar a arrecadação e a fiscalização. “Eles não têm interesse em aprovar projetos que visem gerar emprego, aumentar renda, crescer e desenvolver e acaba o Confaz não fazendo aquilo que deveria ter feito desde 1990: disciplinar e organizar as concessões de benefícios pelos Estados.” Valdivino Oliveira vai levantar essa questão na Câmara Federal. “Temos que ver o papel do Confaz, o que deve fazer e o que não deveria fazer.”

Aproximação com o STF

O ex-secretário defende que o Congresso Nacional se aproxime do Supremo — “como foi feito na discussão sobre a quem pertenceria o mandato dos eleitos, às legendas ou aos políticos”. O Supremo voltou atrás depois de entendimento com o Congresso. “Nessa questão também é preciso que o Congresso converse com o Supremo e que os governadores utilizem suas forças para evitar novos julgamentos até encontrarmos uma solução.” O ideal, observa o parlamentar, é que o Congresso se proponha a buscar essa solução e que o Supremo aguarde as mudanças na Constituição. “São os benefícios fiscais que dão competitividade às economias dos Estados, fazem com que os Estados deixem de produzir somente matéria-prima e passem a produzir bens industriais, gerar emprego, valor adicionado.”

O procurador-geral do Estado, Ronald Bicca, responsável pela defesa de Goiás no STF, explica que Goiás não abre mão do ICMS ao conceder incentivo fiscal. “Nós financiamos o ICMS.” Além desse argumento, a defesa vai lançar mão da Constituição, “que diz que é objetivo da República combater a desigualdade regional e a única forma de se industrializar o Centro-Norte do Brasil é por intermédio de incentivo fiscal; não há outra forma.” Bicca cita a Zona Franca de Manaus como exemplo. Ela não existiria sem os incentivos fiscais. “Trata-se de uma política de combate à desigualdade regional porque as empresas não vêm para o Centro Norte sem inventivo fiscal.”

A expectativa do procurador-geral é que o STF pondere e veja que a questão não é simplesmente fiscal, de legislação tributária, mas envolve os objetivos da Constituição. “Se se tratar simplesmente como questão tributária, como faz o Confaz, o inventivo fiscal pode realmente ser considerado inconstitucional; mas existem outros princípios na Constituição e gostaríamos que o STF ponderasse sobre isso.” Ele lembra que o tribunal vem decidindo questões polêmicas que não estão expressamente na Carta, mas por meio de interpretações, e que já refluiu em varias sentenças. “Se o STF pesar as consequências que pode causar a desindustrialização de parte do País devido a esse tipo de atitude, pode refluir ou modular a decisão de uma forma que não prejudique os incentivos que já foram concedidos.”

Fonte: Jornal Opção