Riqueza de Goiás está nos serviços

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O agronegócio responde por apenas 12% da atividade econômica do Estado, o que desmente a tese que Goiás é essencialmente agrícola
Jornal Opção

Andréia Bahia

Goiás não é mais um Estado essencialmente agrícola e talvez nunca tenha sido realmente, na opinião do agropecuarista Victor Priori, um dos maiores produtores de grão do País. Sozinho, ele responde por 1% da produção goiana de grãos. Gaúcho, Victor chegou a Jataí em 1977 à procura de terra barata para plantar. “A terra não valia quase nada porque não havia atividade econômica no campo.” Ele veio antes dos conterrâneos que, mais tarde, se instalaram em Rio Verde, Mineiros, Chapadão do Céu e Montividiu. Victor conta que a terra era barata, apesar de plana e fértil, porque os goianos não acreditavam na plantação de lavoura. A agricultura não era considerada uma atividade economicamente rentável e muitos donos de terra venderam suas propriedades para os sulistas e migraram para outro ramo de atividade nas cidades.

Naquela época, o governo, por meio do Banco do Brasil, financiava o desmatamento, o preparo da terra e a aquisição das máquinas. Até hoje, a instituição estatal ainda é a principal fonte de fomento da agricultura no País. Victor começou a plantar em 600 mil hectares, isso há 34 anos. Hoje, somadas as duas safras anuais, planta 33 mil hectares de milho, soja e sorgo. “Fui o segundo a plantar soja em Goiás e produzo milhões de toneladas em uma terra das mais valorizadas no País.” Terra avaliada em R$ 120 mil o alqueire. Victor Priori preside o grupo Paraíso, composto por empresas de armazenamento de grãos, revenda de implementos agrícolas e de máquinas agrícolas e fazendas para produção agrícola e pecuária. O grupo está entre as maiores empresas de Goiás. De família humilde, ficou rico plantando grãos financiado pelo Banco do Brasil.

De acordo com o último levantamento da atividade econômica do Estado de 2008, o agronegócio responde por apenas 12,8% da economia goiana; a indústria representa 26,2% da atividade econômica do Estado; e os serviços, 61% do negócio goiano. A mudança do perfil econômico do Estado começa com a agroindústria, em meados da década de 1980, segundo o economista Jeferson de Castro Vieira. Foi quando a Arisco, a Caramuru, a Só Frango e a Quero se instalaram em Goiás, atraídas pelo programa de incentivo fiscal do governo estadual. “As empresas vão para onde tem mercado de consumo ou incentivo fiscal. O mercado de Goiás representa 2,4% do PIB, portanto temos de oferecer incentivo fiscal”, afirma o economista.

A onda seguinte de industrialização, na década de 1990, foi motivada pelo fortalecimento do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), a criação do Fundo Mineral (Fumineral), e abertura dos financiamentos do BNDES e estrangeiros. “Praticamente todas as indústrias em Goiás têm incentivo fiscal e financiamento.” Apesar do salto da mineração, que está mais voltada para a extração que para a industrialização, a agroindústria no segmento de alimentos, especialmente de atomatados, prevalece como principal segmento dentro do setor industrial.

A terceira onda de industrialização atraiu para Goiás o complexo metalmecânico. A Hyundai/Caoa, em Anápolis, e a Mitsubishi, em Catalão, foram as pioneiras e, hoje, o segmento representa 7% do valor da transferência industrial de Goiás. Outro setor que se fortaleceu em Goiás foi o da farmoquímica, com 26 empresas. Trata-se do maior polo farmoquímico da América Latina. O retorno do álcool combustível — o etanol — motivou a construção das usinas, todas com financiamento do BNDES. Trinta e três já estão em funcionamento e três em construção.

Mas a riqueza do Estado vem mesmo dos serviços e um dos principais segmentos é o médico. Goiás construiu, com recursos do BNDES, clínicas que são referência na área de queimaduras, câncer e oftalmologia. Na área de logística, o Estado atraiu as grandes distribuidoras e atacadistas do País e também as grandes redes de hotéis. O sotaque goiano também tem aberto as portas da economia do Estado. As operadoras de call center descobriram que a maneira tranquila do goiano falar ajuda na compreensão e a empresa de telefonia Oi está montando aqui o maior call center do Brasil, inicialmente com 5 mil pessoas, mas com o objetivo de chegar a 10 mil. “O mesmo aconteceu com a Índia, que fala o melhor inglês do mundo e por isso atraiu empresas do mundo inteiro que comercializam via telefone”, conta Jeferson Vieira.

A construção civil é outra área que cresceu muito nos últimos dez anos, “depois que as empresas nacionais descobriram que estava em Goiás o metro quadrado mais barato do País”, explica o economista. O setor cresce cerca de 15% ao ano e já atingiu a marca de 20%. Os hiper e supermercados também descobriram que a renda em Goiás era acima da média, o que atraiu as grandes redes para o Estado: Walmart, Pão de Açúcar, Extra, além do Carrefour, mais antigo no Estado. As grandes redes de drogarias seguiram o mesmo caminho nos últimos anos.

Essa diversificação mudou o perfil econômico de Goiás, afirma Jeferson de Castro: “Para um segmento de serviço forte com crescimento da indústria”. O que diminui a dependência do Estado da produção agropecuária, tão sujeita às oscilações do mercado e do tempo. Para se ter uma ideia da instabilidade do setor, este ano, a saca de milho, que no ano passado foi vendida por R$ 12, está sendo comercializada por R$ 22. O salto da soja de um ano para outro foi de R$ 30 para R$ 44. A área de serviço que caracteriza o Estado moderno, explica Jeferson de Castro, “é o setor que mais agrega renda, seguido da indústria.” A agropecuária emprega menos e paga pior.

Na opinião do secretário de Infraestrutura, Wilder Pedro de Moraes, empresário da construção civil, a estabilidade econômica mudou o perfil da atividade econômica não só de Goiás, mas do País. “O fim da insegurança econômica atraiu os grupos internacionais, que transformaram, por exemplo, o setor da mineração em Goiás.” Junto com a estabilidade, o crédito que chegou às classes C e D também contribui para fomentar outras atividades econômicas. “Primeiro puderam comprar eletrodomésticos, depois carro — uma indústria que movimenta uma grande cadeia —, e por fim chegou à construção civil.”

Com o programa Minha Casa, Minha Vida, o governo federal financia não apenas o consumo, a compra da casa, mas também a indústria da construção. Resultado: em dez anos o setor, que vendia cem imóveis por mês, passou a vender mil. Antes do lançamento da linha de crédito para a casa própria o setor não contava com nenhuma espécie de crédito, reflexo da falência da Encol, em 1999. O empresário do ramo era obrigado a financiar a obra e o mutuário com recurso próprio. Era o caso da Orca, empresa de Wilder Pedro, que iniciou realizando reformas e pequenas obras com recurso próprio. O grande salto da empresa se deu a partir da parceria com o Carrefour, para quem a construtora construía os prédios em todo o País. Hoje, a Orca constrói os prédios e loca para o Carrefour e outras empresas, como o Makro.
Em uma segunda fase, a empresa investiu em mineração, extraindo brita em Piracanjuba e Caldas Novas e, posteriormente, entrou no ramo da incorporação de prédios de apartamentos. Wilder Pedro conta que a diversificação para o setor de shopping centers veio com a aquisição do Shopping Bougainville, que motivou a construção do Brasil Park, em Anápolis, do Shopping Sul, em Valparaíso, e do Uberaba Shopping. A Orca assina também o Cemitério Vale do Cerrado, o único com crematório em Goiás. “Toda a expansão da empresa foi financiada com recursos próprios e muito trabalho para gerar receita”, relata o empresário, que atualmente capta recurso do Minha Casa, Minha Vida. “Hoje, não faltam recursos para quem quer construir e para quem quer comprar”, conta Wilder Pedro. A demanda por imóveis em Goiás era tão grande que o Estado superou todos os outros em captação de crédito para habitação: mais de R$ 200 milhões.

No ramo hoteleiro, a falta de crédito não era diferente, conta o empresário do setor Luciano Carneiro, proprietário do Hotel Itajubá, o mais antigo em funcionamento de Goiânia. O hotel foi construído a partir de um imóvel com oito apartamentos adquirido por Luciano e os irmãos Ivana, Rubens Júnior e Giovana, em 1986. Hoje, o hotel tem 31 apartamentos construídos sem recursos financiados. Em 1990, Luciano Carneiro deu início à construção do Hotel Rio Vermelho, com 40 apartamentos, que foi concluído em 1996.

Luciano conta que o setor passou por altos e baixos nos últimos anos. A construção do Centro de Convenções, em 1994, colocou fim a um período de isolamento de Goiânia provocado pelo episódio do césio, e, em 1999, o setor foi aquecido com a realização do Goiânia Convention Bureau, um captador de eventos. Mas foi em 2001 que se deu o grande boom da hotelaria em Goiânia, conta Luciano Carneiro. “Com a realização de vários congressos na mesma época a hotelaria se deu muito bem”. Em 2010 foi registrado um recuo no movimento, o que eu levou alguns hotéis tradicionais, como o Bandeirante e o Karajás, a fechar as portas. Por outro lado, as grandes redes de hotéis se instalaram na cidade, como o Ibis Comfort e o Blue Tree. “Vieram para dominar o mercado e isso é preocupante.”

O segmento pode contar com linhas de crédito do FCO — “No fundo, sobra dinheiro para turismo, às vezes volta dinheiro” — e do BNDES. “O Pró-Copa tem dinheiro baratíssimo.” No início, apenas as 12 cidades que iriam sediar a Copa do Mundo teriam acesso à linha de crédito, mas estenderam o benefício para outras cidades e Goiânia entrou nessa segunda etapa do programa de financiamento do BNDES. “Dinheiro para financiar hotel não falta, falta coragem”, diz Luciano.

Hoje, o empresário tem coragem de pegar empréstimo para financiar a atividade. Mas não era assim antes, tinha medo de dever. Ele demorou sete anos para construir o Hotel Rio Vermelho porque bancou do próprio bolso a obra. “Havia financiamento, mas o juro era um absurdo.” Agora, para aumentar o hotel ele só aguarda a aprovação do projeto no FCO para captar recursos para a obra. “É um dinheiro realmente atrativo.” Ele já fez um empréstimo para capital de giro no FCO e atesta que é barato demais.

Quem vê o grupo JBS hoje, maior produtor de carne do mundo, não consegue imaginar o início da empresa. O grupo se prepara para entrar no mercado da celulose e não apenas entrar, mas ser o maior produtor de papel do mundo. A empresa adquiriu uma floresta de eucalipto no Mato Grosso do Sul e vai construir uma fábrica com capacidade para produzir 5 milhões de tonelada de celulose para papel. Além de papel, a JBS investe em higiene e limpeza, higiene pessoal, lácteos, biodiesel, confinamento, na área de couro e deve faturar cerca de US$ 50 bilhões em 2011, quase R$ 80 bilhões.

Uma realidade bem diferente de 1953, quando a JBS se chamava Friboi e começou a operar em Goiás produzindo carne charqueada. Na época não havia resfriamento e o gado era abatido e a carne salgada e colocada para secar no sol, a conhecida carne de sol. Com a criação dos matadouros municipais, a carne deixou de ser salgada e passou a ser entregue nos açougues com osso. Era chamada carne quente e a produção passou a ser inspecionada pelo Estado. Isso na passagem da década de 60 para 70, época em que os irmãos José Batista Júnior e Joesley Batista abatiam o gado à noite e entregavam a carne ainda quente para o açougueiro desossar e armazenar em congeladores para vender ao longo do dia. O frigorífico abastecia apenas a cidade de Anápolis, que por sua vez era uma grande atacadista de carne de charque, que fornecia para o Norte e o Nordeste.

O grande salto da JBS se deu com a criação de Brasília, conta José Batista Júnior, o Júnior do Friboi. “Fomos pioneiros no fornecimento de carne bovina para a construção da nova capital.” Em meados de 1975 ocorreu a federalização do processo de produção de carne. O Ministério da Agricultura passou a controlar os abatedouros dos grandes centros, que passaram a ter inspeção federal. “Os frigoríficos foram obrigados a construir as câmaras resfriadas, abater o gado e resfriar a carne para entregar ao açougue.” A venda de carne quente foi proibida nas grandes capitais do País. E na década seguinte, os frigoríficos com inspeção federal passaram a vender a carne já desossada para o comércio. “A partir de 1990 os frigoríficos foram se modernizando e adotando práticas de segurança familiar. Com isso, veio a aprovação do Mercado Comum Europeu para que as fábricas pudessem exportar para a Europa.” O Friboi foi pioneiro no abate do boi no Brasil e passou por todas essas etapas. Segundo Júnior, o crescimento do frigorífico se deu após a federalização do controle do abate, a partir de 1990. “Foi quando nós abrimos para o Mercado Comum Europeu, para o Oriente Médio, Rússia, passamos a vender carne cozida para os Estados Unidos.”

A expansão do Friboi foi financiada inicialmente pelo crédito pessoal. Os empréstimos tinham como garantia os bens da pessoa física. “O Banco do Brasil sempre foi um grande financiador do setor agrícola e pecuário, mas sempre em nome da pessoa física, porque a empresa não tinha patrimônio nenhum nas décadas de 1960 e 1970, a maioria era informal.” Essa situação mudou na década de 1980, quando as grandes empresas começaram a exportar, e o setor da carne começou a fazer diferença na economia do País. Frigoríficos como Bourbon, Anglo, Taioba, Brasil Central, Sadia e o Friboi expandiram nessa época.

O JBS se consolidou como a maior empresa de abate de bovinos do Brasil a partir de aquisição e construção de frigoríficos financiados pela pessoa jurídica com garantia dos sócios. Com isso, chegou a um ponto de endividamento que precisou, para continuar crescendo, abrir o capital. A empresa passou de limitada para sociedade anônima de capital aberto. “Nesse momento, a JSB deve 49% das ações da empresa ao mercado internacional e pagamos a dívida toda, buscando investidores da Ásia, Europa, Oriente Médio, Estados Unidos e Brasil que compraram o capital da JBS, em 2007.” O BNDES apoiou a abertura de capital da JBS, a primeira empresa de proteína animal a abrir o capital no Brasil “para quebrar paradigmas e barreiras”, observa Júnior, em uma época em que a indústria brasileira encontrava muita dificuldade para vender carne para o exterior.

O BNDES comprou parte das ações, cerca de 20%, o que funcionou como um certificado de garantia para os outros investidores. “O BNDES estava investindo porque acreditava na empresa e garantia a idoneidade da JBS.” O BNDES, explica Júnior, não empresta dinheiro para as empresas; ele é acionista da empresa. “Assim como é acionista de diversas empresas brasileiras, o que vem ao encontro do interesse do governo brasileiro de internacionalizar empresas brasileiras para se tornarem multinacionais e derrubar barreiras comerciais.”

Esse novo status do JBS mudou a relação comercial da empresa com o mundo. Os Estados Unidos, por exemplo, que somente vendiam para o Brasil passaram a comprar da empresa. “Hoje nós vendemos não só carne, mas muito produto brasileiro para os Estados Unidos, porque o mercado americano se abriu ao Brasil.” O grupo JBS tem 70 mil pessoas trabalhando diretamente na multinacional brasileira nos Estados Unidos e mais 30 mil de forma indireta. “Qualquer decisão que o governo americano tomar em retaliação ao Brasil, a empresa brasileira que está aqui dentro [nos EUA] pode tomar alguma decisão que vai atrapalhar o país.”

O grupo JBS está presente na Austrália, com 10 mil funcionários; na Europa, Leste Europeu e Ásia, mais 10 mil; na Argentina, Uruguai e Paraguai, outros 10 mil; e, no Brasil, 50 mil empregados, sendo que 10 mil estão em Goiás. As empresas do setor da carne de menor porte se financiam mediante desconto de duplicatas, de contratos de exportação, antecipação de carta de crédito e a partir da negociação com o produtor. O frigorífico compra o boi para pagar em 30 dias, vende a carne para receber em 15 dias e durante 15 dias gira o capital do próprio produtor. Os investimentos para ampliação da planta podem ser financiados por linhas de crédito do FCO.

Fonte: Jornal Opção