De carro, ônibus, bike ou a pé ?
A experiência realizada pelo POPULAR concentrou-se em três das principais vias de tráfego de Goiânia, as Avenidas 85, Anhanguera e 136 - a última é dos mais recentes gargalos que surgiram no trânsito da capital. As equipes de reportagem partiram dos mesmos pontos e nos mesmos horários - por volta das 18 horas, quando o trânsito ferve - utilizando o transporte coletivo, o carro, a bicicleta ou seguindo à pé pelos trajetos selecionados para o teste.
E se o tempo gasto no deslocamento é considerado, por inúmeras pesquisas realizadas no Brasil, como o principal item na hora de avaliar a qualidade do utilizado para ir para o trabalho ou à escola, a bicicleta, em Goiânia, ganharia a parada, embora a cidade não ofereça qualquer infraestrutura que garanta a segurança de ciclistas. Nos três trechos percorridos pelas equipes do POPULAR na semana passada, a bicicleta foi mais rápida que todos os demais modais - carro, ônibus e à pé - em dois deles. Mas foi também, sem dúvida, o meio que ofereceu maior risco durante o deslocamento. Fácil entender porque no ano passado acidentes deixaram 1.049 ciclistas feridos em Goiânia e provocaram a morte de 15 deles.
Velocidade
O teste realizado pela reportagem do POPULAR deixa claro que os investimentos realizados até o momento pelo poder público no transporte coletivo são insuficientes para garantir o mínimo necessário para que o sistema, pelo menos, conquiste de volta os usuários que perdeu nas últimas décadas - muito menos para fazer com que adeptos de outros modais troque o carro, por exemplo, pelo ônibus. Estudo realizado em Goiânia a pedido das concessionárias do serviço de transporte constatara que o sistema perdera, em duas décadas, 25% da demanda de usuários. Ainda assim, os 1,4 mil ônibus transportam 18 milhões de passageiros/mês na Capital.
Com velocidade média reduzida em cerca de um terço nos últimos três anos, os veículos do transporte coletivo mal passam de 14 quilômetros por hora em Goiânia. Em 2008, rodavam a uma velocidade de 19,6 quilômetros por hora, de acordo com dados do Consórcio Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC). Na cidade, nos 105 quilômetros de vias arteriais, a velocidade cai até a 15 quilômetros por hora em horários de pico, situação comprovada pela reportagem. Dados das concessionárias demostram que apenas 59% das viagens de ônibus são cumpridas conforme planilhas programadas.
Transporte coletivo é ruim
O contrasenso, quando o assunto é mobilidade, reside no fato de que a maioria dos brasileiros desloca-se de ônibus conforme pesquisa divulgada pela Confederação Nacional da Indústria: 34% da população. Integra este porcentual o teleoperador Marcelo Lorenço, de 27 anos, que encara diariamente as dificuldades do sistema.
Em reportagem do POPULAR publicada quinta-feira, ficou claro a falta de prioridade para o transporte coletivo. Eles transportam mais, mas têm muito menos espaço nas ruas.
A cidade com uma das maiores taxas de motorização do Brasil tem apenas dois corredores exclusivos de transporte. Segundo o consórcio de empresas que opera o transporte coletivo na capital, há a necessidade de criação de cerca de 290 quilômetros de corredores de transporte em Goiânia.
A Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) fez as contas e concluiu que quem se desloca de carro em Goiânia gasta mais que o dobro de quem utiliza o transporte público. Porém, as deficiências do sistema não incentivam a migração de um modal para o outro.
Superlotação, espera e falta de espaço na rua (Deire Assis)
Por muito tempo, convivi de perto com os flagelos do transporte coletivo. O ônibus foi, até 2006, o meio que usei para me deslocar na cidade. Longas esperas, superlotação e desconforto são velhas conhecidas, com quem reencontrei semana passada ao voltar a ser usuária do sistema.
Das viagens realizadas, a que fiz pela Anhanguera utilizando o Eixo foi a pior de todas, embora tenha sido a que precisei de menos tempo. No Eixo não há espera pelo embarque nem demora no trajeto. Mas há plataformas sucateadas e uma multidão de pessoas disputando espaço. "Segurem as bolsas! Tem mala no ônibus", alertou uma jovem quando os ocupantes já desafiavam a lei da física.
No dia anterior, percorri a Avenida 85 no ônibus que faz a linha Centro-Terminal Veiga Jardim. Em pleno horário de pico, precisei esperar 14 minutos pelo ônibus. Mas o pior ainda estaria por vir. A falta de prioridade para o transporte coletivo segura o ônibus no congestionamento que se forma a partir da Avenida T-9. Metade do tempo gasto no trecho entre a Praça Cívica e a Praça do Chafariz é gasto em menos de 1 quilômetro, quando vi o colega Bruno, a pé, me ultrapassar várias vezes. Ao final do trajeto descobriríamos que, de ônibus ou a pé, gastaríamos praticamente o mesmo tempo para terminar a viagem.
O trajeto que me pareceu mais tranquilo foi o que fiz pela Avenida 136, a bordo do ônibus 026. Mas bastou conhecer o teleoperador Marcelo Lourenço para entender que algo estava errado. O ônibus, vazio, explicou ele, era porque a maioria dos usuários embarca no sentido contrário ao que desejam ir, dão uma volta enorme para evitar pegar o veículo superlotado. Foi o que ele fez naquele dia.
Menos transtornos, mas requer tempo e disposição (Bruno Rocha Lima)
Como motorista, ciclista e eventual usuário do transporte coletivo, posso afirmar que andar a pé em Goiânia é a forma mais tranquila de se deslocar (embora seja a mais lenta e cansativa). O que não significa que o pedestre encontre calçadas adequadas ou seja respeitado pelos motoristas.
Nos trechos que percorri, o que mais se observa é a falta de educação dos comerciantes, que usam as calçadas para depositar o lixo, obstruindo em alguns pontos a passagem. Esse cenário é particularmente comum nas avenidas 85 e Anhanguera.
A Anhanguera, no trecho do Centro, é a pior para caminhar. Embora não fosse o horário de maior movimento, é grande a quantidade de gente disputado espaço na estreita calçada. Prejudica a mobilidade os ambulantes com suas banquinhas improvisadas.
Pessoas distribuindo panfletos a cada 10 metros completam o conjunto propício para causar irritação em qualquer um. Não dá para confiar nos semáforos para pedestres, pois alguns motociclistas teimam em desrespeitar.
A Avenida 136 também não chega a ser um convite para caminhar no trecho da Avenida 90 até o Shopping Flamboyant. Em alguns pontos, a calçada não existe. O jeito é andar na terra. Falta também semáforo com tempo específico para pedestre em alguns cruzamentos movimentados.
A Avenida 85 se apresentou como a melhor opção das três para andar a pé. Calçadas largas e bem cuidadas permitem uma caminhada mais ágil. Era engraçado ver que, entre a T-9 e a Mutirão, eu e o ônibus em que estava minha colega Deire Assis apostávamos uma espécie de corrida (bem lenta, é verdade), um ultrapassando o outro. Se fosse para encerrar o teste ali, eu teria chegado antes que ela.
De bicicleta, à procura de uma brecha para pedalar (Ricardo Rodrigues)
À medida que a noite caía, as luzes vermelhas dos automóveis se realçavam à minha frente. De cima da bicicleta, eu procurava por uma brecha aqui e acolá para poder seguir entre os carros que preenchiam por completo as três faixas de uma das pistas da Avenida 85. Sem sucesso, não vi alternativa senão seguir pedalando pela calçada, que foi meu porto seguro em pelo menos metade do trajeto.
Enquanto eu pedalava, ia deixando o trânsito parado para trás. Assim que surgia espaço, eu voltava para a pista. Chegando à Praça do Ratinho, onde na trincheira é proibido o trânsito de bicicletas, tive de descer e empurrá-la sobre os canteiros da praça.
Vários desses problemas que encarei na Avenida 85 se repetiram na Avenida 136, sendo que, nesta, me senti ainda mais vulnerável e exposto ao estresse dos motoristas, problema agravado nos trechos que tinham carros estacionados na via. Em dois cruzamentos em que era permitida conversão à direita, os carros simplesmente ignoraram o fato de que eu seguiria reto e viraram em cima de mim. Por pouco não fui atropelado.
Nos trechos engarrafados da Avenida 136, era interessante ver o quanto a bicicleta proporcionava maior mobilidade. É impossível no horário de pico um carro andar mais rápido do que a bicicleta.
Na Avenida Anhanguera, o pedal transcorreu com mais tranquilidade, por causa das vias bem segregadas e relativamente bem sinalizadas, apesar de estreitas. O fluxo do trânsito após às 18 horas estava bom. Só senti medo de que um dos veículos estacionados abrisse a porta repentinamente, me atingindo.
Muitos carros nas ruas e muito tempo perdido (Alfredo Mergulhão)
Com uma frota que ultrapassou a marca de um milhão de automóveis, andar de carro em Goiânia está cada vez mais inviável. O trânsito saturado deixa o fluxo lento, as ruas barulhentas, os nervos à flor da pele. Também perde-se muito tempo ao volante. Mas os congestionamentos não consomem apenas a paciência e combustíveis.
A Avenida 136, percorrida de carro no primeiro dia, é repleta de automóveis ocupados por pessoas que se dirigem ao centro de compras, hipermercados ou para suas casas. O motorista tem de enfrentar engarrafamentos, trânsito lento, desrespeito à sinalização e a falta de sincronia dos semáforos. A reportagem gastou 20 minutos para percorrer trecho de três quilômetros.
No segundo dia, na Avenida 85, bastou chegar à primeira esquina para verificar o excesso de carros. No cruzamento com a Rua Olinto Manso, a fila de carros que descia rumo ao Bosque dos Buritis bloqueou a passagem da avenida. O sinal abriu, fechou e tornou a ficar verde. Mesmo assim, não foi possível sair do lugar. Problemas semelhantes se repetiram em vários lugares. O trânsito começou a fluir mais rápido apenas depois do Campo do Goiás. Levamos 27 minutos para percorrer a via.
No terceiro dia, conferimos o trânsito na Anhanguera. A principal dificuldade para quem anda de carro é a largura da via. No percurso que fizemos, em nenhum momento foram formadas duas filas de carros. A pista é estreita, mas é possível colocar dois carros lado a lado em boa parte da avenida. Como isso não aconteceu, fomos um atrás do outro, lentamente. Um dos principais problemas é a falta de sincronização semafórica. Demoramos 10 minutos para chegar na Praça A.
Fonte: O Popular
Foto: Acir Junior