Parques sufocados por construções
Criados como forma de compensação ambiental por potenciais danos resultantes da construção de empreendimentos imobiliários, sobretudo torres verticais, os parques urbanos implantados em Goiânia nos últimos anos estão sob ameaça. Arquitetos, urbanistas, ambientalistas e geógrafos ouvidos pelo POPULAR alertam que, se medidas de controle da ocupação no entorno não forem adotadas, eles correm o risco de se tornarem mais um problema urbano na capital. Comprometimento do lençol freático, ameaças a lagos, cursos d´água e nascentes; agravamento dos problemas de drenagem das águas superficiais e de trânsito e segregação social são alguns dos possíveis efeitos da política de adensamento desordenado.
Desde 2008, cinco parques foram construídos em regime de compensação ambiental e outros dois estão em andamento. Algumas unidades já dão sinais desse risco. Em parques relativamente novos, como o Flamboyant e o Cascavel - onde houve alteração do potencial construtivo original das áreas, causando grande atração imobiliária para o entorno -, as consequências já aparecem. Elas têm relação com o rebaixamento excessivo do lençol freático; redução do volume das águas dos lagos na seca; impactos sobre a drenagem das águas das chuvas e surgimento de gargalos no trânsito. Este, aliás, um dos mais notáveis efeitos da ocupação desordenada das últimas décadas, conforme mostrou ao POPULAR domingo passado, na primeira reportagem da série sobre expansão urbana sem controle. A segunda reportagem, publicada ontem, revelou o alto custo dos loteamentos distantes do centro urbano.
Nos Parques Flamboyant e Cascavel medidas urgentes já precisaram ser adotadas e outras estão previstas como forma de garantir a sobrevivência das reservas verdes. Ainda assim, há previsões nada animadoras. "No caso do Parque Flamboyant, existe a possibilidade real do lençol freático entrar em um processo de projeção geométrico de rebaixamento suportável para sustentar os lagos. Assim, eles poderão desaparecer num prazo de 8 a 10 anos, vindo a secar por completo, caso permaneça o atual ritmo de construção observado hoje no entorno do parque", alerta o arquiteto e urbanista Renato de Melo Rocha, diretor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UniEvangélica, em Anápolis.
Armadilhas
"As compensações ambientais formalizadas pela administração pública com empreendedores, algumas vezes permitindo a construção de edifícios mais altos, podem se transformar em armadilhas futuras. Elas poderão determinar a extinção do nosso maior bem público inestimável: o conjunto de parques urbanos da cidade", diz o arquiteto.
Segundo Renato Rocha, os problemas provocados pelo excesso de edifícios no entorno do Parque Flamboyant, no Jardim Goiás, se agravam, também, tendo em vista o perfil dos imóveis da região. Como muitos dos apartamentos são destinados a famílias de classe A, os edifícios oferecem duas, três garagens por imóvel, o que implica em uso excessivo do subsolo, comprometendo o lençol freático com consequências muito perigosas a curto prazo.
O acelerado processo de adensamento do Jardim Goiás, especialmente no entorno do Parque Flamboyant, e o consequente processo de impermeabilização excessiva dos terrenos na região já refletem no comportamento do Córrego Botafogo, destaca o arquiteto e urbanista Aluízio Antunes Barreira. "O solo não absorve tanta água que escorre na superfície em dias de chuva. A canalização do Córrego Botafogo já está no limite e o curso d´água ameaça transbordar em dias de maior volume de chuva", afirma.
Essas condições, alerta o arquiteto, acabam demandando da administração pública um investimento para o qual ela não está preparada. Essas áreas se transformam em polos geradores de tráfego e atraem empreendimentos imobiliários e toda uma rede de serviços e de comércio, transformando tudo em volta. "E a infraestrutura existente nesses locais é para áreas de baixa densidade. Assim, o poder público acaba criando um problema para resolver, porque terá de investir em infraestrutura para esse novo perfil de bairros antes residenciais e que agora se transformaram em bairros verticais", analisa.
É o caso de bairros como Universitário, Marista e o próprio Jardim Goiás e a divisa dos Setores Oeste e Coimbra. Próximo ao Lago das Rosas, no Setor Oeste, também surgem habitações verticais bastante altas, descaracterizando, segundo Aluízio, a vocação original da região. "Nada justifica isso. A administração pública tem de ter autonomia para definir seu planejamento, senão estará criando problemas para ela mesma resolver depois", alerta. "Como não tem condições de investir como se espera em infraestrutura, a Prefeitura terceiriza alguns investimentos, como a implantação dos parques urbanos, sem discutir quem realmente ganha com isso."
"O setor vê com bons olhos o instrumento da compensação ambiental. Trata-se de uma forma de requalificar as áreas de Goiânia", afirma o presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário, Ilézio Inácio.
Parque custa cerca de R$ 3 milhões
A região do entorno do Parque Cascavel passou por mudanças em seu potencial construtivo para que a negociação entre donos das chácaras ali instaladas e a Prefeitura pudesse ser levada adiante. O Município permitiu a construção de torres mais altas e maior ocupação do terreno. Em troca, os empreendedores implantaram o parque. A ocupação acelerada, no entanto, já tem levado a efeitos nocivos. Há, já, comprometimento da recarga do lençol freático no local, o que tem obrigado a Agência Municipal de Meio Ambiente a tomar providências. Para a Prefeitura, a iniciativa na região gerou benefício ambiental à medida em que preservou as nascentes na área.
No caso do entorno do Parque Flamboyant, a Prefeitura promoveu a alteração dos índices construtivos em várias quadras, tornando-as de alta densidade. Para adequar a legislação, tanto para a construção do parque quanto dos imóveis, houve necessidade de remanejamento de lotes para adequação do sistema viário. Ainda assim, a região é uma das que mais sofrem com os problemas de mobilidade, ainda hoje.
De acordo com o gerente de arborização e urbanização da Amma, Antônio Esteves, a Prefeitura não tem como investir para implantar os parques na velocidade que a cidade necessita. "As compensações são feitas dentro de critérios legais. Áreas antes degradadas passam a ser utilizadas pela população", ressalta. "Todo mundo sai ganhando", diz. Segundo ele, um parque como o Cascavel custa mais de R$ 3 milhões. "A Prefeitura não tem esse recurso e as compensações ambientais são uma saída", diz.
"Não se pode permitir passar por cima da lei"
Professor do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás, o geógrafo João Batista de Deus avalia que a transformação de áreas degradadas em parques urbanizados é salutar. "O que não se pode permitir é o desrespeito à lei em nome dessa compensação. Senão, todos pagam." De acordo com o geógrafo, é indispensável a manutenção das áreas de preservação permanente.
Segundo o professor, o caso envolvendo empreendimentos no Setor Goiânia 2, na Região Norte de Goiânia, é um exemplo dos riscos da ocupação de áreas supostamente sem o estudo técnico necessário. No caso, técnicos ainda analisam possíveis danos ao meio ambiente provocados pela construção de um empreendimento imobiliário na região de encontro do Ribeirão João Leite e do Rio Meia Ponte. A incorporadora construiu o Parque Leolídio Caiado, na mesma região, dentro da política de compensação. "Se tiverem sido causados danos à área de preservação permanente, aí não há compensação que resolva", alerta.
A geógrafa Celene Cunha Monteiro, doutora em Geografia Humana e professora de Desenvolvimento Regional e Planejamento Urbano da Universidade Federal de Goiás, vê com preocupação o fato de que alguns instrumentos do Plano Diretor serem relevados. "Existem instrumentos legais, políticos e técnicos para serem aplicados. Se foram obedecidos na sua integralidade, dará bons resultados para a cidade." Celene Cunha integra a comissão que analisa o caso envolvendo o Goiânia 2. Segundo ela, ainda não é possível fazer uma análise sobre o que ocorreu ali. Mas cita exemplos como o do Vaca Brava. "Ali (o Vaca Brava) se transformou numa área confinada. Intervenções precisam ser pensadas no entorno dos Parques Flamboyant e Cascavel para que ali também não ocorra o mesmo", alerta.
Medidas são adotadas para salvar unidades
Medidas já precisaram ser adotadas pela Agência Municipal de Meio Ambiente
(Amma) para prolongar a vida útil de alguns parques de Goiânia. No Vaca Brava, as intervenções começaram em 2009, quando o lago quase secou. Uma valeta de infiltração de água da chuva foi construída para direcionar a água que descia superficialmente e em grande volume - devido ao alto índice de impermeabilização do solo - para o lago. Em 2010, pela primeira vez, não houve redução da lâmina d´água do lago, diz a geógrafa Karla Faria, gerente de controle de erosões da Amma. A mesma medida será adotada nos Parques Flamboyant e Cascavel. Em 2010, o lago do Parque Flamboyant quase secou. O problema gerou efeitos em cadeia. "Já não havia transposição da água do primeiro para o segundo e deste para terceiro lago do parque", explica a gerente da Amma.
O objetivo do órgão, agora, é diminuir os efeitos nocivos já causados pela ocupação acelerada. Muitos empreendedores têm de construir poços de infiltração visando a recarga do lençol freático drenado durante a construção dos prédios. Em 2011, eles terão de bombear a água e direcioná-la para uma valeta de infiltração, a ser construída. Também tem sido cobrada a construção de caixas de retenção de água da chuva para retenção no próprio terreno.
Fonte: O Popular
Foto: Roberto Barrich
Desde 2008, cinco parques foram construídos em regime de compensação ambiental e outros dois estão em andamento. Algumas unidades já dão sinais desse risco. Em parques relativamente novos, como o Flamboyant e o Cascavel - onde houve alteração do potencial construtivo original das áreas, causando grande atração imobiliária para o entorno -, as consequências já aparecem. Elas têm relação com o rebaixamento excessivo do lençol freático; redução do volume das águas dos lagos na seca; impactos sobre a drenagem das águas das chuvas e surgimento de gargalos no trânsito. Este, aliás, um dos mais notáveis efeitos da ocupação desordenada das últimas décadas, conforme mostrou ao POPULAR domingo passado, na primeira reportagem da série sobre expansão urbana sem controle. A segunda reportagem, publicada ontem, revelou o alto custo dos loteamentos distantes do centro urbano.
Nos Parques Flamboyant e Cascavel medidas urgentes já precisaram ser adotadas e outras estão previstas como forma de garantir a sobrevivência das reservas verdes. Ainda assim, há previsões nada animadoras. "No caso do Parque Flamboyant, existe a possibilidade real do lençol freático entrar em um processo de projeção geométrico de rebaixamento suportável para sustentar os lagos. Assim, eles poderão desaparecer num prazo de 8 a 10 anos, vindo a secar por completo, caso permaneça o atual ritmo de construção observado hoje no entorno do parque", alerta o arquiteto e urbanista Renato de Melo Rocha, diretor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UniEvangélica, em Anápolis.
Armadilhas
"As compensações ambientais formalizadas pela administração pública com empreendedores, algumas vezes permitindo a construção de edifícios mais altos, podem se transformar em armadilhas futuras. Elas poderão determinar a extinção do nosso maior bem público inestimável: o conjunto de parques urbanos da cidade", diz o arquiteto.
Segundo Renato Rocha, os problemas provocados pelo excesso de edifícios no entorno do Parque Flamboyant, no Jardim Goiás, se agravam, também, tendo em vista o perfil dos imóveis da região. Como muitos dos apartamentos são destinados a famílias de classe A, os edifícios oferecem duas, três garagens por imóvel, o que implica em uso excessivo do subsolo, comprometendo o lençol freático com consequências muito perigosas a curto prazo.
O acelerado processo de adensamento do Jardim Goiás, especialmente no entorno do Parque Flamboyant, e o consequente processo de impermeabilização excessiva dos terrenos na região já refletem no comportamento do Córrego Botafogo, destaca o arquiteto e urbanista Aluízio Antunes Barreira. "O solo não absorve tanta água que escorre na superfície em dias de chuva. A canalização do Córrego Botafogo já está no limite e o curso d´água ameaça transbordar em dias de maior volume de chuva", afirma.
Essas condições, alerta o arquiteto, acabam demandando da administração pública um investimento para o qual ela não está preparada. Essas áreas se transformam em polos geradores de tráfego e atraem empreendimentos imobiliários e toda uma rede de serviços e de comércio, transformando tudo em volta. "E a infraestrutura existente nesses locais é para áreas de baixa densidade. Assim, o poder público acaba criando um problema para resolver, porque terá de investir em infraestrutura para esse novo perfil de bairros antes residenciais e que agora se transformaram em bairros verticais", analisa.
É o caso de bairros como Universitário, Marista e o próprio Jardim Goiás e a divisa dos Setores Oeste e Coimbra. Próximo ao Lago das Rosas, no Setor Oeste, também surgem habitações verticais bastante altas, descaracterizando, segundo Aluízio, a vocação original da região. "Nada justifica isso. A administração pública tem de ter autonomia para definir seu planejamento, senão estará criando problemas para ela mesma resolver depois", alerta. "Como não tem condições de investir como se espera em infraestrutura, a Prefeitura terceiriza alguns investimentos, como a implantação dos parques urbanos, sem discutir quem realmente ganha com isso."
"O setor vê com bons olhos o instrumento da compensação ambiental. Trata-se de uma forma de requalificar as áreas de Goiânia", afirma o presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário, Ilézio Inácio.
Parque custa cerca de R$ 3 milhões
A região do entorno do Parque Cascavel passou por mudanças em seu potencial construtivo para que a negociação entre donos das chácaras ali instaladas e a Prefeitura pudesse ser levada adiante. O Município permitiu a construção de torres mais altas e maior ocupação do terreno. Em troca, os empreendedores implantaram o parque. A ocupação acelerada, no entanto, já tem levado a efeitos nocivos. Há, já, comprometimento da recarga do lençol freático no local, o que tem obrigado a Agência Municipal de Meio Ambiente a tomar providências. Para a Prefeitura, a iniciativa na região gerou benefício ambiental à medida em que preservou as nascentes na área.
No caso do entorno do Parque Flamboyant, a Prefeitura promoveu a alteração dos índices construtivos em várias quadras, tornando-as de alta densidade. Para adequar a legislação, tanto para a construção do parque quanto dos imóveis, houve necessidade de remanejamento de lotes para adequação do sistema viário. Ainda assim, a região é uma das que mais sofrem com os problemas de mobilidade, ainda hoje.
De acordo com o gerente de arborização e urbanização da Amma, Antônio Esteves, a Prefeitura não tem como investir para implantar os parques na velocidade que a cidade necessita. "As compensações são feitas dentro de critérios legais. Áreas antes degradadas passam a ser utilizadas pela população", ressalta. "Todo mundo sai ganhando", diz. Segundo ele, um parque como o Cascavel custa mais de R$ 3 milhões. "A Prefeitura não tem esse recurso e as compensações ambientais são uma saída", diz.
"Não se pode permitir passar por cima da lei"
Professor do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás, o geógrafo João Batista de Deus avalia que a transformação de áreas degradadas em parques urbanizados é salutar. "O que não se pode permitir é o desrespeito à lei em nome dessa compensação. Senão, todos pagam." De acordo com o geógrafo, é indispensável a manutenção das áreas de preservação permanente.
Segundo o professor, o caso envolvendo empreendimentos no Setor Goiânia 2, na Região Norte de Goiânia, é um exemplo dos riscos da ocupação de áreas supostamente sem o estudo técnico necessário. No caso, técnicos ainda analisam possíveis danos ao meio ambiente provocados pela construção de um empreendimento imobiliário na região de encontro do Ribeirão João Leite e do Rio Meia Ponte. A incorporadora construiu o Parque Leolídio Caiado, na mesma região, dentro da política de compensação. "Se tiverem sido causados danos à área de preservação permanente, aí não há compensação que resolva", alerta.
A geógrafa Celene Cunha Monteiro, doutora em Geografia Humana e professora de Desenvolvimento Regional e Planejamento Urbano da Universidade Federal de Goiás, vê com preocupação o fato de que alguns instrumentos do Plano Diretor serem relevados. "Existem instrumentos legais, políticos e técnicos para serem aplicados. Se foram obedecidos na sua integralidade, dará bons resultados para a cidade." Celene Cunha integra a comissão que analisa o caso envolvendo o Goiânia 2. Segundo ela, ainda não é possível fazer uma análise sobre o que ocorreu ali. Mas cita exemplos como o do Vaca Brava. "Ali (o Vaca Brava) se transformou numa área confinada. Intervenções precisam ser pensadas no entorno dos Parques Flamboyant e Cascavel para que ali também não ocorra o mesmo", alerta.
Medidas são adotadas para salvar unidades
Medidas já precisaram ser adotadas pela Agência Municipal de Meio Ambiente
(Amma) para prolongar a vida útil de alguns parques de Goiânia. No Vaca Brava, as intervenções começaram em 2009, quando o lago quase secou. Uma valeta de infiltração de água da chuva foi construída para direcionar a água que descia superficialmente e em grande volume - devido ao alto índice de impermeabilização do solo - para o lago. Em 2010, pela primeira vez, não houve redução da lâmina d´água do lago, diz a geógrafa Karla Faria, gerente de controle de erosões da Amma. A mesma medida será adotada nos Parques Flamboyant e Cascavel. Em 2010, o lago do Parque Flamboyant quase secou. O problema gerou efeitos em cadeia. "Já não havia transposição da água do primeiro para o segundo e deste para terceiro lago do parque", explica a gerente da Amma.
O objetivo do órgão, agora, é diminuir os efeitos nocivos já causados pela ocupação acelerada. Muitos empreendedores têm de construir poços de infiltração visando a recarga do lençol freático drenado durante a construção dos prédios. Em 2011, eles terão de bombear a água e direcioná-la para uma valeta de infiltração, a ser construída. Também tem sido cobrada a construção de caixas de retenção de água da chuva para retenção no próprio terreno.
Fonte: O Popular
Foto: Roberto Barrich