Por um festival de qualidade

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Evento audiovisual local, Goiânia Mostra Curtas já é símbolo de reconhecimento e intercâmbio cultural.

O cinema de Goiás nunca foi tão bem representado como agora. Prova disso são os estouros de produções que dialogam com os diferentes Estados brasileiros e que começam a ser reconhecidas como um cinema de qualidade e abrangência técnica. O segundo festival criado em Goiás e o primeiro de Goiânia, o conceituado Goiânia Mostra Curtas, é o que há de mais expressivo encontro de intercâmbio audiovisual na capital.

Este ano, em outubro, a que tudo indica, o Teatro Goiânia abrirá mais uma vez suas portas para a 12ª edição do evento. A questionadora e inquieta criadora do festival é Maria Abdala, goiana de pulso forte, competente e que desenvolveu uma mostra de cinema quando ninguém jamais pensaria em fazer algo parecido. E deu certo.

São 12 anos de muito trabalho e uma postura a dar continuidade à movimentação cultural e, acima de tudo, audiovisual, do Estado, tão carente de produções que abranjam as artes e a democratização da cultura. Entre 2 e 7 de outubro, a 12ª Goiânia Mostra Curtas vai transformar a cidade, mais uma vez na capital do curta-metragem brasileiro.

As inscrições para a participação das mostras vão até o próximo dia 10, sexta-feira. Em entrevista a O HOJE, Abdala, como gosta de ser chamada, diz ser imprescindível o diálogo entre as produções audiovisuais brasileiras. Ela não sabe ao certo como criou, há 12 anos, um festival que iria repercutir em toda a trajetória do cinema goiano, e afirma que é preciso ser louco e insano para realizar um evento de tamanha importância. A batalhadora dama sabe a que veio, e o que quer: democratizar a cultura e profissionalizar o mercado audiovisual de Goiás.

Quando você criou o Goiânia Mostra Curtas, como estava a produção audiovisual em Goiás?
O Goiânia Mostra Curtas nasceu em 2001, e a produção goiana ainda era muito incipiente, principalmente em relação à tecnologia, técnica e linguagem cinematográficas, como roteiro e estética. Apesar disso, havia um cinema. Com a democratização tecnológica da década 2000, as produções goianas experimentaram e produziram mais. Os cursos de formação em cinema, como o Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás (UEG), ajudaram muito na profissionalização do mercado audiovisual.

Os festivais de cinema ajudaram nessa profissionalização?
Em Goiás, especificamente, os festivais de cinema, a exemplo do Festival Internacional de Cinema Ambiental (Fica) e do GMC, surgiram em um momento em que produzir dentro do mercado audiovisual era o mesmo que pisar no formigueiro. Eu sentia que já havia uma carência imensa e um talento amortecido. Logo na primeira edição do GMC, criamos uma concepção inovadora na programação e na configuração do conceito de haver todos os gêneros na mesma sessão, com todas as bitolas reunidas, e isso não existia em praticamente nenhum festival de cinema no Brasil. Se falava em democratização como uma discussão política, e o GMC foi o percussor de ‘não-gêneros’. Em Goiânia, se percebia um público carente, ávido e participativo, e o festival teve esse público que participou das mostras e oficinas. O público formou-se com um olhar diferente, e hoje, percebendo essa produção goiana, houve, sim, um crescimento na produção, mas foi devagar e tardia, principalmente por falta de fomento e de política cultural.

Você realmente achou que o GMC iria ser o sucesso de reconhecimento que ele acabou se tornando?
Eu tinha certeza. Nas época, havia 20 anos que morava fora de Goiás, e quando voltei, não trabalhava com produção cultural. Mas eu senti que aqui havia uma carência das produções audiovisuais. Eu me tornei produtora sentindo que existia público, e que faltavam oportunidades, por isso criei outros projetos, não só o GMC.

O projeto Cinema Popular também foi da mesma forma?
Foi ainda pior, porque a falta de incentivo à cultura no interior é ainda mais alarmante. Os eventos se concentram na capital e no centro dela, nunca nas periferias, e o cinema no interior foi pensado nessa forma de democratização cultural. Com o GMC, eu sabia que projeto seria bem vindo. Na época da criação, me juntei com nomes nacionais pra realizar os projetos do Icuman, pessoas ligadas à produção de cinema e a políticas culturais, como o Leopoldo Nunes, o João Batista de Andrade e a Assunção Hernandes. São pessoas que eu sempre tomo como aprendizado, porque eles me deram suporte e conhecimento para a realização do festival.

Qual festival você tem como referencia no Brasil?
Gosto muito do Festival de Tiradentes (MG), que eu já conheço há muito tempo, e a cada ano os seus realizadores acompanham as mudanças tecnológicas e artísticas, e isso reflete na programação, curadoria e produção.

Com a grande quantidade de produção audiovisual goiana, como está esse intercâmbio entre as produções goianas e as de outros Estados?
A meu ver, já avançamos muito. Antes, não havia nenhuma referência das produções audiovisuais no Estado de Goiás. Era raro ver um filme goiano em algum festival brasileiro. Hoje, ainda há dificuldade de se ter referências, porque o foco são as produções de curtas-metragem, e não um cinema como aquele que se destaca em Pernambuco e no Ceará, por exemplo. Não temos uma história muito consistente, ainda estamos no começo, e Goiânia ainda é uma cidade nova. O processo do audiovisual chegou tardiamente. Eu acompanho os festivais nacionais de cinema, e quando se fala em Goiás, o meu nome era o único apontado. Mas agora, não. De quatro anos para cá, os curtas goianos dialogam com os festivais de outros estados, e eles estão sendo reconhecidos por uma vontade mais independente.

Por que independente?
Eu acho que existe o fomento destinado ao audiovisual, mas é muito pouco. Ninguém faz cinema de qualidade com a verba governamental destinada à cultura. Mesmo com a democratização da tecnologia, não se faz um curta com R$ 30mil. Pode até fazer, mas existem muitas ações entre amigos, por isso ainda não se profissionalizou o mercado. Apesar disso, acho louvável estes produtores, que mesmo com tantos problemas, produzem com força total. É muito melhor dessa forma, em comparação aos anos de inércia que vivemos nas décadas passadas. Começa um novo momento para o cinema de Goiás.

Na entrevista para a Revista Janela, você afirmou que é muito difícil fazer um projeto ou uma produção ter continuidade. O que é preciso para ter essa continuidade?
Se você fizer essa pergunta para todos os diretores de festivais do Brasil, eles responderão a mesma coisa: loucura e insanidade. Por mais que um festival esteja consolidado, conseguir amadurecer o conceito e a proposta como um evento nacional e colocar um festival de cinema em pé todos os anos é preciso uma eterna dedicação. Deve-se sempre começar do zero. Quando o GMC começou, tinha apenas 40 festivais de cinema no Brasil. Hoje existem mais de 300, mas podem-se contar quais irão seguir, ter continuidade. E um festival causa um impacto socioeconômico muito grande para a região, porque movimenta, gera emprego, qualificação, mão-de-obra, hotelaria, além de ser aberto para a sociedade e estar no centro da cidade.

E essa dificuldade para se encontrar o local para a realização do festival?
É inacreditável que, depois de 12 anos, eu ainda tenha que sofrer para encontrar um local para ser realizado o GMC. O problema de realizar um projeto cultural em Goiânia é sempre este: encontrar uma data e local. O Teatro Goiânia abraçou o festival na terceira edição, e ele é a cara do festival. É lá que se concentram todas as pessoas, o centro histórico, ícone Art Déco e qualquer pessoa leiga que passa pelo teatro tem essa oportunidade de entrar e ver um bom filme. Mas ao longo desses anos, o teatro passou por altos e baixos. É a questão do abandono dos espaços públicos, lugares em que não há manutenção, tornam-se sucatas e vivem às moscas pelos administradores.

Quais as expectativas para a edição deste ano? O que o público pode esperar?
Como sempre sou otimista, tenho a luta nas mãos. Mesmo passando por várias dificuldades, raivas, ódios, produzir o GMC é insano, é dia após dia dedicada a concretizar esse projeto. Mas eu tenho um otimismo e uma paixão pelo o que faço. Estou confiante que essa edição vai superar as expectativas, e, como sempre, será um sucesso de crítica e de público.

Fonte: Jornal O Hoje