A história panfletária de Goiás Part.1
É comum verificar nas escolas e universidades que Totó Caiado foi chefe único da política em Goiás de 1912 a 1930. Tal assertiva é ingênua. Seriam os políticos da época tão dependentes e acríticos assim?
Victor Amorim
Especial para o Jornal Opção
Especial para o Jornal Opção
De vez em quando, numa pequena roda de conversa ou escutando diálogos alheios, sou surpreendido com a abordagem panfletária — e talvez mitológica — da história goiana.
O mais surpreendente é que não se trata de fatos do período colonial, mas de acontecimentos que se passaram no século 20.
Recentemente fui abordado por um cidadão goiano que teceu comentários sobre alguns pretensiosos estudos de história que desenvolvi e tive a audácia de publicar.
Tratava a conversa sobre o questionamento da suposta hegemonia de Antônio Ramos Caiado, o Totó Caiado, na política goiana no período entre “revoluções”, quais sejam, a Revolução de 1909 e a Revolução Liberal de 1930.
Eis aí o primeiro grande mito da historiografia goiana do século 20: o chefe supremo e único da política em nosso Estado no período de 1912 a 1930 foi Totó Caiado! Será este o tema deste “ensaio”.
Em uma próxima oportunidade (Parte II), abordarei o outro grande mito: Pedro Ludovico Teixeira foi o responsável por tirar Goiás do jugo dos velhos oligarcas da Cidade de Goiás e trazer às luzes para o Planalto Central, acabando com as práticas coronelistas e com os vícios da política caricata da República Velha.
É comum verificar no imaginário coletivo e nas escolas e universidades, que Totó Caiado era a figura central e unânime da política na Republica Velha, de modo que os demais coronéis eram órbitas sem vida e totalmente dependentes dos mandos e desmandos do aclamado chefe.
Ora, não parece tal construção um tanto simples e ingênua? Afinal, seriam os políticos goianos da época tão neófitos, dependentes e acríticos assim?
O fato é que, com a vitória da Aliança Liberal em âmbito nacional, além da conquista do poder político, era necessária a conquista ideológica. Era preciso travar uma batalha ideológica em Goiás para legitimar o novo regime político.
Nesse ensejo, a poderosa trindade condutora da nova República em Goiás (Pedro Ludovico Teixeira, Mário d’Alencastro Caiado e Domingos Neto Velasco), para enaltecer o regime recém-estabelecido e caracterizá-lo como a “salvação”, precisava tripudiar as práticas políticas então observadas no Estado.
Para tanto, os jogos de poder típicos da República Velha, a prática do compadrio, do coronelismo foram personificados em Totó Caiado que, de fato, conduzia a política em Goiás à época da Revolução de 1930. Repita-se: no ano de 1930, o que não significa que esteve nessa condição desde o início do século 20.
Contando com toda a estrutura de poder e aparato policial, Totó Caiado, alijado da política e exilado da Cidade de Goiás, foi presa fácil para Pedro Ludovico e seus asseclas.
Diante desse quadro, o caminho para a manipulação ideológica estava aberto. Incutiu-se na mentalidade dos goianos que, até outubro de 1930, Goiás vivia um período de trevas sob o comando dos coronéis. Coube aos dirigentes do novo regime em Goiás trazer a boa-nova, iluminar esta terra e conduzi-la à Canaã sagrada: Goiânia e a modernidade!
Ante tal conclusão, os goianos absorveram a mensagem e proclamaram Totó Caiado como o todo-poderoso “cavaleiro das trevas” que, até a chegada do salvador Pedro Ludovico, reinava absoluto em seu reino dos goyazes.
Não obstante a decisiva colaboração da patrulha ideológica do Estado Novo, a tese da hegemonia de Totó Caiado foi reforçada com estudos históricos que, sob pretexto de destacar o “lado bom” do domínio caiadista, realça o protagonismo de três grandes expoentes da oligarquia: Antônio José Caiado (1826-1899), Torquato Ramos Caiado (1848-1906) e Antônio (Totó) Ramos Caiado (1874-1967).
Como exemplo maior tem-se a obra “Poder e Paixão — A saga dos Caiado”, de Lena Castello Branco Ferreira, que causou debate no meio intelectual goiano.
Partindo da análise do estudo, pode-se constatar que a contextualização dos momentos históricos se apresenta como pano de fundo para traçar as etapas essenciais das biografias daqueles que compõem a chamada “espinha dorsal dos Caiado”.
Lena Castello Branco, abordando o período pós-Revolução de 1909, conclui que, com o renascimento do Partido Democrata em 1912 — que culminou no rompimento com o José Leopoldo de Bulhões —, Totó Caiado tornou-se o grande líder da política regional.
Especialmente no capítulo intitulado “Trabalhando a Terra”, a autora constata o poderio e a liderança de Totó Caiado, valendo-se, principalmente, da transcrição de cartas de correligionários “ao grande líder”, o que, segundo a historiadora, caracterizaria seu prestígio e influência como chefe da Comissão Executiva do Partido Democrata.
Ocorre que, ao trabalhar as informações para subsidiar o poderio de Totó Caiado após o afastamento de Leopoldo de Bulhões em 1912, Lena Castello Branco centra-se no período de 1927 a 1929. Tanto é verdade que as referidas cartas que atestam tal proeminência são datadas exatamente de tal período.
Ora, o que efetivamente teria se passado entre os anos de 1912 a 1926?
Talvez essa omissão seja mais eloquente do que se imagina em se tratando dos propósitos da obra em destacar a figura de Totó Caiado como supremo líder do poder político em Goiás.
Em raras passagens e em breves notas de rodapé, a autora trata daquele que, ao lado de Totó Caiado, foi um dos grandes protagonistas e chefes da política regional: o coronel Eugênio Rodrigues Jardim (1858-1926).
Ora, analisemos aqui alguns valiosos fatos então negligenciados na obra em destaque.
A primeira derrocada dos Bulhões, representada pelo isolamento de Leopoldo de Bulhões na política goiana em 1905, era a oportunidade ideal para a consolidação dos Caiado como potência principal em Goiás. A dissidência de 1897 reflete o projeto de poder almejado pelos Caiado, que não mais aceitavam o papel secundário que exerciam no período de dominação dos Bulhões.
Vieram os acontecimentos de 1909 e o ressurgimento de Leopoldo de Bulhões e Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim. Caiado e Bulhões estavam, mais uma vez, do mesmo lado.
O ano de 1912 é decisivo para a consolidação do Partido Democrata como a principal fonte de poder e controle político-administrativo do Estado. Os Bulhões, alijados da agremiação, partem para a oposição.
Até então, tudo parecia correr bem para Totó na consolidação de seu projeto hegemônico. Eis então que desponta a grande influência do chefe da Revolução de 1909: o coronel Eugênio Rodrigues Jardim, que contava com o prestígio político em âmbito nacional.
Eugênio mantinha estreitas ligações com Hermes da Fonseca — presidente da República à época — e outras lideranças republicanas. Além disso, Eugênio era legítimo representante da família Jardim (presente em Goiás desde a segunda metade do século 18), irmão e muito amigo de Francisco Leopoldo, antigo desafeto de Antônio José Caiado e seu neto Totó, desde os tempos do Centro Republicano.
Todavia, Eugênio e Totó apresentavam estreitos laços políticos e familiares. Aliaram-se desde o ingresso do primeiro na política estadual, após o seu retorno a Goiás em 1905, quando é reformado no posto de coronel. Ademais, Eugênio casou-se, em novembro de 1909, com a irmã de Totó, Diva, viúva de Ovídio Abrantes (aliado dos Caiado naquela cisão de 1897).
Ocorre que, a despeito dessa aparente harmonia, havia, sim, um conflito. A peleja não tomou caráter público, com intrigas panfletárias ou debates dentro do Partido Democrata, sendo relegada para as entrelinhas da história.
A disputa pelo “controle maior” da política regional passava pelo domínio do Diretório Executivo do Partido Democrata, que, a partir da vitória na Revolução de 1909, passou a ser hegemônico em Goiás.
Tal agremiação, em âmbito nacional, era filiada ao Partido Republicano Conservador. No Rio de Janeiro, os grandes nomes do PRC, na década de 1910, eram Hermes da Fonseca, presidente da República (1910-1914), e Pinheiro Machado, presidente do Senado Federal. Ambos confiavam na liderança de Eugênio.
É interessante destacar que, ainda em 1912, Leopoldo de Bulhões e Totó Caiado integravam o mesmo partido, sendo intensa a disputa entre as duas lideranças. E, mesmo não figurando na presidência do diretório, as articulações ficavam sob a sujeição de Eugênio, que, pela sua influência e a confiança dos líderes nacionais do PRC, dava a palavra final nas indicações de candidatos e outras ações do partido em Goiás.
Isso é ilustrado pelas cartas referentes às articulações envolvendo a política goiana. Em uma delas, datada de 24 de julho de 1911, Olegário Herculano da Silveira Pinto diz a Eugênio: “Tenho recebido muitas cartas do nosso Estado perguntando se sou candidato e me pedem resposta urgente, a fim de que possa responder a outros candidatos que pedem votos.
“A todos tenho respondido que sim, que sou candidato, dizendo mais que, se for eleito, seguirei a orientação política do coronel Eugênio Jardim, a quem reconheço nosso chefe.
Para que havemos de andar com passos quentes? Quer você, quer não, será no governo do Marechal [referindo-se a Hermes da Fonseca, presidente da República] o norte dos destinos de Goyaz. Diabo! Basta de hypocrisias! O Marechal que você tem confiança, no seo critério, julga-o capaz de chefiar a política de Goyaz, e é isso mesmo (...)”.
Ainda uma última: “Quem pode me disse: ‘Serão reconhecidos todos os deputados da chapa do Jardim’.”
Tal candidatura refere-se às eleições federais de janeiro de 1912, às quais o Partido Democrata estaria concorrendo. Olegário Pinto, confirmada a força de Eugênio, foi indicado para a disputa a uma cadeira na Câmara dos Deputados.
Diz-se que, em fevereiro de 1912, Hermes da Fonseca determinou que fosse enviado um telegrama a Eugênio Jardim, pois, como Presidente da República, lhe entregava a direção da política em Goiás.
Sobre a decisiva influência de Eugênio, não é outra a opinião do prestigiado historiador Francisco Itami Campos, que, em sua obra “Coronelismo em Goiás”, sentencia: “A partir de então, o controle da política estadual coube ao ex-militar e fazendeiro Eugênio Rodrigues Jardim. Ele teria sido colega de Hermes da Fonseca, além de ter participado da Revolução Federalista do Rio Grande do Sul ao lado do grupo que depois dominou a política gaúcha e que a partir de 1910 passou a ter muito peso na política nacional. Desse grupo faz parte o senador Pinheiro Machado, de quem Eugênio Jardim era amigo. Seguramente, o homem forte do novo situacionismo goiano tem incondicional apoio federal. E, na sua sombra, apresenta-se a figura de seu cunhado, Totó Caiado”.
Por sua vez, em artigo publicado na obra “Vultos de Goiás”, o jornalista Moisés Santana é enfático: “O coronel Eugênio Rodrigues Jardim é, na hora presente, o supremo chefe da política de Goiás e enfaixa suas mãos uma larga soma de autoridade pessoal e partidária”.
Gozando de tal prestígio, Eugênio elege-se presidente do Estado em março de 1921 e senador federal em 1924, sempre à frente dos desígnios da Comissão Executiva do Partido Democrata.
Fato decisivo para os rumos da política no Estado ocorre na noite de 25 de julho de 1926. Ao descer de um bonde na Rua Marques Abrantes, no Rio de Janeiro, o Senador Eugênio Jardim é atropelado, vindo a falecer naquele mesmo instante.
Chegada a notícia em Goiás, Hermenegildo Bessa, ao consolar a viúva Diva Fagundes Caiado (1881-1978), irmã de Totó, profetizou: “Depois da morte de Eugênio, Goiás tornou-se um braseiro sob cinzas, assim que alguém der o primeiro sopro, irá tudo pelos ares”.
Com a morte de Eugênio, Totó Caiado surge finalmente como a maior liderança política do Estado. Domínio que durou apenas quatro anos, pois, com a Revolução de 30, liderada por Getúlio Vargas, os Caiado foram alijados do poder.
O mais surpreendente é que não se trata de fatos do período colonial, mas de acontecimentos que se passaram no século 20.
Recentemente fui abordado por um cidadão goiano que teceu comentários sobre alguns pretensiosos estudos de história que desenvolvi e tive a audácia de publicar.
Tratava a conversa sobre o questionamento da suposta hegemonia de Antônio Ramos Caiado, o Totó Caiado, na política goiana no período entre “revoluções”, quais sejam, a Revolução de 1909 e a Revolução Liberal de 1930.
Eis aí o primeiro grande mito da historiografia goiana do século 20: o chefe supremo e único da política em nosso Estado no período de 1912 a 1930 foi Totó Caiado! Será este o tema deste “ensaio”.
Em uma próxima oportunidade (Parte II), abordarei o outro grande mito: Pedro Ludovico Teixeira foi o responsável por tirar Goiás do jugo dos velhos oligarcas da Cidade de Goiás e trazer às luzes para o Planalto Central, acabando com as práticas coronelistas e com os vícios da política caricata da República Velha.
É comum verificar no imaginário coletivo e nas escolas e universidades, que Totó Caiado era a figura central e unânime da política na Republica Velha, de modo que os demais coronéis eram órbitas sem vida e totalmente dependentes dos mandos e desmandos do aclamado chefe.
Ora, não parece tal construção um tanto simples e ingênua? Afinal, seriam os políticos goianos da época tão neófitos, dependentes e acríticos assim?
O fato é que, com a vitória da Aliança Liberal em âmbito nacional, além da conquista do poder político, era necessária a conquista ideológica. Era preciso travar uma batalha ideológica em Goiás para legitimar o novo regime político.
Nesse ensejo, a poderosa trindade condutora da nova República em Goiás (Pedro Ludovico Teixeira, Mário d’Alencastro Caiado e Domingos Neto Velasco), para enaltecer o regime recém-estabelecido e caracterizá-lo como a “salvação”, precisava tripudiar as práticas políticas então observadas no Estado.
Para tanto, os jogos de poder típicos da República Velha, a prática do compadrio, do coronelismo foram personificados em Totó Caiado que, de fato, conduzia a política em Goiás à época da Revolução de 1930. Repita-se: no ano de 1930, o que não significa que esteve nessa condição desde o início do século 20.
Contando com toda a estrutura de poder e aparato policial, Totó Caiado, alijado da política e exilado da Cidade de Goiás, foi presa fácil para Pedro Ludovico e seus asseclas.
Diante desse quadro, o caminho para a manipulação ideológica estava aberto. Incutiu-se na mentalidade dos goianos que, até outubro de 1930, Goiás vivia um período de trevas sob o comando dos coronéis. Coube aos dirigentes do novo regime em Goiás trazer a boa-nova, iluminar esta terra e conduzi-la à Canaã sagrada: Goiânia e a modernidade!
Ante tal conclusão, os goianos absorveram a mensagem e proclamaram Totó Caiado como o todo-poderoso “cavaleiro das trevas” que, até a chegada do salvador Pedro Ludovico, reinava absoluto em seu reino dos goyazes.
Não obstante a decisiva colaboração da patrulha ideológica do Estado Novo, a tese da hegemonia de Totó Caiado foi reforçada com estudos históricos que, sob pretexto de destacar o “lado bom” do domínio caiadista, realça o protagonismo de três grandes expoentes da oligarquia: Antônio José Caiado (1826-1899), Torquato Ramos Caiado (1848-1906) e Antônio (Totó) Ramos Caiado (1874-1967).
Como exemplo maior tem-se a obra “Poder e Paixão — A saga dos Caiado”, de Lena Castello Branco Ferreira, que causou debate no meio intelectual goiano.
Partindo da análise do estudo, pode-se constatar que a contextualização dos momentos históricos se apresenta como pano de fundo para traçar as etapas essenciais das biografias daqueles que compõem a chamada “espinha dorsal dos Caiado”.
Lena Castello Branco, abordando o período pós-Revolução de 1909, conclui que, com o renascimento do Partido Democrata em 1912 — que culminou no rompimento com o José Leopoldo de Bulhões —, Totó Caiado tornou-se o grande líder da política regional.
Especialmente no capítulo intitulado “Trabalhando a Terra”, a autora constata o poderio e a liderança de Totó Caiado, valendo-se, principalmente, da transcrição de cartas de correligionários “ao grande líder”, o que, segundo a historiadora, caracterizaria seu prestígio e influência como chefe da Comissão Executiva do Partido Democrata.
Ocorre que, ao trabalhar as informações para subsidiar o poderio de Totó Caiado após o afastamento de Leopoldo de Bulhões em 1912, Lena Castello Branco centra-se no período de 1927 a 1929. Tanto é verdade que as referidas cartas que atestam tal proeminência são datadas exatamente de tal período.
Ora, o que efetivamente teria se passado entre os anos de 1912 a 1926?
Talvez essa omissão seja mais eloquente do que se imagina em se tratando dos propósitos da obra em destacar a figura de Totó Caiado como supremo líder do poder político em Goiás.
Em raras passagens e em breves notas de rodapé, a autora trata daquele que, ao lado de Totó Caiado, foi um dos grandes protagonistas e chefes da política regional: o coronel Eugênio Rodrigues Jardim (1858-1926).
Ora, analisemos aqui alguns valiosos fatos então negligenciados na obra em destaque.
A primeira derrocada dos Bulhões, representada pelo isolamento de Leopoldo de Bulhões na política goiana em 1905, era a oportunidade ideal para a consolidação dos Caiado como potência principal em Goiás. A dissidência de 1897 reflete o projeto de poder almejado pelos Caiado, que não mais aceitavam o papel secundário que exerciam no período de dominação dos Bulhões.
Vieram os acontecimentos de 1909 e o ressurgimento de Leopoldo de Bulhões e Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim. Caiado e Bulhões estavam, mais uma vez, do mesmo lado.
O ano de 1912 é decisivo para a consolidação do Partido Democrata como a principal fonte de poder e controle político-administrativo do Estado. Os Bulhões, alijados da agremiação, partem para a oposição.
Até então, tudo parecia correr bem para Totó na consolidação de seu projeto hegemônico. Eis então que desponta a grande influência do chefe da Revolução de 1909: o coronel Eugênio Rodrigues Jardim, que contava com o prestígio político em âmbito nacional.
Eugênio mantinha estreitas ligações com Hermes da Fonseca — presidente da República à época — e outras lideranças republicanas. Além disso, Eugênio era legítimo representante da família Jardim (presente em Goiás desde a segunda metade do século 18), irmão e muito amigo de Francisco Leopoldo, antigo desafeto de Antônio José Caiado e seu neto Totó, desde os tempos do Centro Republicano.
Todavia, Eugênio e Totó apresentavam estreitos laços políticos e familiares. Aliaram-se desde o ingresso do primeiro na política estadual, após o seu retorno a Goiás em 1905, quando é reformado no posto de coronel. Ademais, Eugênio casou-se, em novembro de 1909, com a irmã de Totó, Diva, viúva de Ovídio Abrantes (aliado dos Caiado naquela cisão de 1897).
Ocorre que, a despeito dessa aparente harmonia, havia, sim, um conflito. A peleja não tomou caráter público, com intrigas panfletárias ou debates dentro do Partido Democrata, sendo relegada para as entrelinhas da história.
A disputa pelo “controle maior” da política regional passava pelo domínio do Diretório Executivo do Partido Democrata, que, a partir da vitória na Revolução de 1909, passou a ser hegemônico em Goiás.
Tal agremiação, em âmbito nacional, era filiada ao Partido Republicano Conservador. No Rio de Janeiro, os grandes nomes do PRC, na década de 1910, eram Hermes da Fonseca, presidente da República (1910-1914), e Pinheiro Machado, presidente do Senado Federal. Ambos confiavam na liderança de Eugênio.
É interessante destacar que, ainda em 1912, Leopoldo de Bulhões e Totó Caiado integravam o mesmo partido, sendo intensa a disputa entre as duas lideranças. E, mesmo não figurando na presidência do diretório, as articulações ficavam sob a sujeição de Eugênio, que, pela sua influência e a confiança dos líderes nacionais do PRC, dava a palavra final nas indicações de candidatos e outras ações do partido em Goiás.
Isso é ilustrado pelas cartas referentes às articulações envolvendo a política goiana. Em uma delas, datada de 24 de julho de 1911, Olegário Herculano da Silveira Pinto diz a Eugênio: “Tenho recebido muitas cartas do nosso Estado perguntando se sou candidato e me pedem resposta urgente, a fim de que possa responder a outros candidatos que pedem votos.
“A todos tenho respondido que sim, que sou candidato, dizendo mais que, se for eleito, seguirei a orientação política do coronel Eugênio Jardim, a quem reconheço nosso chefe.
Para que havemos de andar com passos quentes? Quer você, quer não, será no governo do Marechal [referindo-se a Hermes da Fonseca, presidente da República] o norte dos destinos de Goyaz. Diabo! Basta de hypocrisias! O Marechal que você tem confiança, no seo critério, julga-o capaz de chefiar a política de Goyaz, e é isso mesmo (...)”.
Ainda uma última: “Quem pode me disse: ‘Serão reconhecidos todos os deputados da chapa do Jardim’.”
Tal candidatura refere-se às eleições federais de janeiro de 1912, às quais o Partido Democrata estaria concorrendo. Olegário Pinto, confirmada a força de Eugênio, foi indicado para a disputa a uma cadeira na Câmara dos Deputados.
Diz-se que, em fevereiro de 1912, Hermes da Fonseca determinou que fosse enviado um telegrama a Eugênio Jardim, pois, como Presidente da República, lhe entregava a direção da política em Goiás.
Sobre a decisiva influência de Eugênio, não é outra a opinião do prestigiado historiador Francisco Itami Campos, que, em sua obra “Coronelismo em Goiás”, sentencia: “A partir de então, o controle da política estadual coube ao ex-militar e fazendeiro Eugênio Rodrigues Jardim. Ele teria sido colega de Hermes da Fonseca, além de ter participado da Revolução Federalista do Rio Grande do Sul ao lado do grupo que depois dominou a política gaúcha e que a partir de 1910 passou a ter muito peso na política nacional. Desse grupo faz parte o senador Pinheiro Machado, de quem Eugênio Jardim era amigo. Seguramente, o homem forte do novo situacionismo goiano tem incondicional apoio federal. E, na sua sombra, apresenta-se a figura de seu cunhado, Totó Caiado”.
Por sua vez, em artigo publicado na obra “Vultos de Goiás”, o jornalista Moisés Santana é enfático: “O coronel Eugênio Rodrigues Jardim é, na hora presente, o supremo chefe da política de Goiás e enfaixa suas mãos uma larga soma de autoridade pessoal e partidária”.
Gozando de tal prestígio, Eugênio elege-se presidente do Estado em março de 1921 e senador federal em 1924, sempre à frente dos desígnios da Comissão Executiva do Partido Democrata.
Fato decisivo para os rumos da política no Estado ocorre na noite de 25 de julho de 1926. Ao descer de um bonde na Rua Marques Abrantes, no Rio de Janeiro, o Senador Eugênio Jardim é atropelado, vindo a falecer naquele mesmo instante.
Chegada a notícia em Goiás, Hermenegildo Bessa, ao consolar a viúva Diva Fagundes Caiado (1881-1978), irmã de Totó, profetizou: “Depois da morte de Eugênio, Goiás tornou-se um braseiro sob cinzas, assim que alguém der o primeiro sopro, irá tudo pelos ares”.
Com a morte de Eugênio, Totó Caiado surge finalmente como a maior liderança política do Estado. Domínio que durou apenas quatro anos, pois, com a Revolução de 30, liderada por Getúlio Vargas, os Caiado foram alijados do poder.
Victor Amorim é advogado e professor de Direito Constitucional.
Fonte: Jornal Opção