Priorizar o transporte coletivo
Nas últimas três décadas, as políticas públicas voltadas ao desenvolvimento urbano foram marcadas por rigoroso jejum orçamentário, cuja prescrição ocorreu num fragilizado ambiente federativo marcado pela ausência da União e, via de regra, pela omissão dos Estados e municípios. O resultado apresentou-se especialmente trágico porque, neste meio tempo, a população brasileira completava seu ciclo de urbanização, tão intenso que apenas as 50 maiores cidades abrigam mais de 60 milhões de pessoas. Cabe lembrar que o crescimento desordenado impõe uma variação exponencial nas demandas. Do lado da União, com a criação recente do Ministério das Cidades e implementação do PAC, foram retomados o fomento e a formulação das políticas de saneamento, habitação e mobilidade.
Na Região Metropolitana de Goiânia descortina-se um cenário promissor para investimentos em infraestrutura para a mobilidade. Os eixos Norte-Sul e Anhanguera receberão significativos investimentos que os capacitarão para cumprir seu insubstituível papel de estruturadores da Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC); 14 outras vias arteriais que fornecem suporte a eixos de transporte serão redesenhadas como corredores preferenciais para os ônibus, a exemplo do projeto implantado na Avenida Universitária.
Compõem este cenário, portanto, três projetos verdadeiramente revolucionários para o transporte público, perfazendo 137,5 quilômetros de vias, em cuja área de domínio concentra-se quase a totalidade dos destinos das atuais 800 mil viagens diárias dos cidadãos metropolitanos.
O Eixo Norte-Sul será assentado em uma série de vias que unem os terminais Recanto do Bosque, na Região Noroeste, e Cruzeiro, na Sudoeste, com 22 quilômetros de extensão. A partir do projeto desenvolvido pela Prefeitura de Goiânia, é previsto investimento de R$ 284 milhões, composto por recursos federais e próprios. Serão implantados o corredor exclusivo para os ônibus, seis terminais de integração e 40 estações de parada, sob os critérios da acessibilidade universal, com requalificação de calçadas, jardins e áreas de convivência adjacentes.
O Eixo Anhanguera receberá o Veículo Leve sobre Trilhos ( VLT) nos 13,5 quilômetros que separam os terminais Padre Pelágio e Novo Mundo. A construção e futura operação se alicerçam em Parceria Público-Privada (PPP) proposta pelo Estado. De acordo com o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) produzido, o investimento soma R$ 1,3 bilhão, sendo R$ 715 milhões públicos e R$ 585 milhões privados. A parcela pública virá da União (R$ 215 milhões do PAC, garantidos com o apoio e aval do município de Goiânia, acrescidos de financiamento de outros R$ 300 milhões). Outros R$ 200 milhões deverão ser garantidos por meio de fundo estadual específico.
Os corredores preferenciais contemplam a priorização dos ônibus em faixa localizada à direita, que somente pode ser usada por veículos individuais para acesso local e conversões à direita. Esses corredores serão implantados em 102 quilômetros de vias e terão como modelo o corredor universitário, agregando requalificação urbana, calçadas sustentáveis e, onde couberem, vias cicláveis. O custo quilométrico varia de R$ 2 a R$ 3 milhões, a ser coberto por orçamento próprio do município de Goiânia.
Os investimentos previstos, portanto, somam R$ 1,8 bilhão. A estes recursos acrescem-se aqueles já aplicados nos terminais da RMTC, da ordem de R$ 45 milhões. A destinação inédita de um volume de tal dimensão à priorização do transporte coletivo reveste-se de extrema importância para a sustentabilidade das cidades e qualidade de vida dos cidadãos e incorpora a certeza de redução nos congestionamentos, na poluição e na tragédia dos acidentes de trânsito.
Para que o aporte destes investimentos se resulte efetivo em benefício dos usuários atuais e da população em geral, há de se assegurar a gestão eficiente dos contratos pela CMTC e a continuidade de investimentos por parte das operadoras na renovação e ampliação do número e da capacidade dos veículos e na operação dos terminais de integração.
Nos aspectos diretamente relacionados ao desenvolvimento urbano, projetos estruturantes como estes não podem se converter simplesmente em afrodisíaco para a atração de investimentos imobiliários. Eles têm o condão de, ao qualificar as condições da mobilidade, oportunizar aos municípios a adequação do uso do solo à rede renovada e se valer de instrumentos do Estatuto da Cidade, de forma a capturar, em benefício do interesse público, as vantagens que se agregam. Esta perspectiva conduziu à instalação, no âmbito do município, de Grupo de Trabalho para avaliar e propor as medidas necessárias e convenientes para garantir esta diretriz.
Finalmente, cabe lembrar os sólidos e modernos fundamentos que foram instituídos na Região Metropolitana e que anteciparam, em vários aspectos, diretrizes hoje presentes na Lei de Mobilidade Urbana de vigência recente. No vértice, a Câmara Deliberativa de Transportes Coletivos (CDTC), por meio da qual o Estado, a capital e os municípios da RMTC exercem em harmonia suas atribuições constitucionais de poderes concedentes do transporte coletivo urbano-metropolitano; a Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC), de composição multifederada como a CDTC, com atribuições de planejamento, fiscalização e controle dos transportes coletivos, e de ligação entre o poder concedente e as operadoras;os contratos de concessão firmados e o Plano de Mobilidade do Transporte Coletivo, integrante dos mesmos, fornecem o amálgama para a gestão eficiente da RMTC. Estes são os elementos que, em sua integridade, conferem a segurança ampla para que, enfim, os investimentos de longa espera materializem-se e vicejem em plenitude.
José Carlos Xavier é engenheiro civil, presidente da CMTC e membro do Conselho Diretor da ANTP
Fonte: Jornal O Popular