Caos nos Cais de Goiânia

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Postos lotados, mal atendimento, falta de médicos são reclamações constantes de quem precisa do serviço na Capital.

Se os Postos de Saúde de Goiânia fossem pessoas, eles só não estariam na UTI porque não há vagas. Ontem os Cais e Ciams da Capital passaram todo o dia cheios e com poucos médicos para atender tantos pacientes. As reclamações vão desde a demora ou ausência de atendimento, até a falta de educação dos profissionais que deveriam ajudar a população necessitada de cuidados especiais.

Ao visitar as unidades de atendimento de urgência de Goiânia, o que se encontrou foi uma população revoltada com o descaso do poder público com seus cidadãos. Todas as recepções lotadas, pessoas chorando, outras deitadas nos cantos, reclamando da ineficiência do governo. Quando a assunto é saúde pública, é difícil encontrar alguém que não reclame. Se não reclamar, usando as palavras de uma paciente aguardando atendimento no Ciams Urias Magalhães:“É porque nunca precisou pegar uma fila do SUS”.

Rute Bueno é funcionária pública e aguardava atendimento para o neto no Cais Leste Vila Nova. Seu rosto cansado dava indicações das cinco horas que ela estava esperando que o médico lhe recebesse. Eram mais de 14h e o garoto, com febre e tosse, esperava sentado em uma cadeira de rodas que a única pediatra que estava atendendo, voltasse do almoço. “Acho um absurdo a saúde nessa situação. Eles tinham que dar mais atenção para os doentes e não deixar a gente desse jeito. Principalmente nesse caso, quando é uma criança que não entende o que tá acontecendo. É um descaso total”, desabafa.

Deitada no fundo da sala, Aline Pereira Santos, com dores abdominais, vômitos e calafrios, reclama do mau atendimento e da falta de profissionais. Ela conta que, assim que chegou ao local fizeram sua ficha e informaram que ela não seria atendida e que procurasse outro Cais. Ela aguardava alguém para buscá-la e levá-la para um hospital particular. “Aqui está sempre sem médico e o atendimento é ruim, já fui a vários Cais e é tudo igual. A saúde pública em Goiás é um lixo”, reclama.

O gestor geral da unidade, Danilo Damásio, informou que no momento havia um clínico geral e uma pediatra atendendo, disse saber que não era o suficiente, mas aguardavam a contratação de mais dois profissionais. Ele conta que, quando o paciente chega ao local é feito uma avaliação para determinar a gravidade do problema, e a partir daí é indicado ao paciente, que não é caso de urgência, a marcar consulta pelo telefone. “A falta de médicos é um problema em toda rede. Meu quadro completo, com três clínicos e um pediatra seria suficiente, mas isso se o restante da rede também estivesse com o quadro completo”, explica.

Já a atendente do Cais Leste Vila Nova, que não quis se identificar, afirmou que não havia clínico no local. Ela contou que toda segunda é um caos e que normalmente trabalham de dois a três médicos, mas ontem apenas uma pediatra fazia o atendimento. “Estamos aconselhando aos pacientes irem para outra unidade, mas já avisamos que no Cais de Campinas também não tem médico.”

Por todos os Cais haviam pessoas que já tinham procurado atendimento em vários outros postos de saúde e não encontraram, confirmando a ausência de médicos. As maiores reclamações se referiam aos Cais de Campinas e da Chácara do Governador. Muitos afirmavam ter passado por mais de três unidades, sem conseguir atendimento em nenhuma delas.

O Ciams Urias Magalhães era um dos mais cheios, com pessoas ocupando todas as cadeiras disponíveis, até mesmo as dos corredores. Algumas aguardavam de pé e outras estavam sentadas do lado de fora. Uma enfermeira gritava nomes, alguém levantava e a seguia. Ao notar a presença da equipe do Diário da Manhã, duas funcionárias abordaram o fotógrafo, tentando impedir que ele registrasse a situação do local.

Carliene da Silva havia passado anteriormente pelo Cais de Campinas e, segundo ela, depois de duas horas aguardando atendimento, foi avisada de que não tinha médico no local. Com sintomas de dengue, ela seguiu para o Setor Urias Magalhães onde aguardava o primeiro atendimento há mais de uma hora. “É muito demorado”, reclama.

O técnico de Enfermagem, Tirley Costa, está com sua esposa, Franciele Rodrigues, com uma forte infecção de garganta. Como ela não conseguia falar, ele explica que também havia passado antes no Cais de Campinas, não conseguindo atendimento, seguindo depois ao Posto de Saúde da Vila Santa Helena, e lá também não foram atendidos: “Falaram que, se estiver morrendo eles atendem, se não, pode ir embora.”

Sentado em uma cadeira no corredor, aguardando para fazer uma pequena cirurgia no abdôme, o encarregado de almoxarifado, Egnaldo Nascimento, tinha o olhos vermelhos de chorar, em razão da dor que sentia. Ele conta que havia chegado ao local às 10h da manhã. Quando entrevistado, já eram 15h e ele ainda não havia sido atendido. O jovem contou que, assim como muitos pacientes, também já tinha procurado auxílio em outros postos de saúde, mas não foi atendido.

Ao tentar falar com algum responsável, para entender o motivo de toda demora nos atendimentos, uma das funcionárias que tentou impedir que o fotógrafo registrasse a situação do local, Maria Alves, informou que o quadro de médicos estava completo, com dois clínicos e um pediatra, e que o atendimento estava normal. Dizendo que não podia dar mais informações ela afirmou: “Se é mais urgente, o paciente vai ser atendido mais rápido, se é ambulatório, vai demorar mais.” Para Egnaldo Nascimento, aguardar atendimento por mais de cinco horas, por uma situação que, pra ele, era urgência, é um pouco demais. “É uma falta de respeito muito grande com as pessoas que precisam da saúde pública”, desabafa.

No Cais Novo Mundo a situação não estava diferente. Muitos pacientes aguardavam atendimento há horas e vários já não tinham mais esperanças de serem atendidos no mesmo dia. A reclamação da falta de médicos e da necessidade de passar por quase todos os Cais, até encontrar um que oferecesse atendimento, era unânime entre as pessoas. Depois de pouco tempo de conversa já era possível perceber a guerra que etava sendo, para a maioria, conseguir uma consulta médica.

Rosimeire dos Santos disse que teve uma crise nervosa no dia anterior e que desde então procurava um posto de atendimento. Já tinha passado por outros dois Cais, e em nenhum tinha tido sucesso. “Já fui em tudo quanto é lugar e nada. Estou aguardando aqui desde o meio dia”, afirmava ela, às 17:30h. Ao seu lado, Geslaine Aparecida estava aguardando atendimento para seu filho, Vitor Gabriel, de 1 ano e 11 meses. “Cheguei aqui ele estava com quase 40 graus de febre, passaram uma dipirona e não fizeram mais nada, e ele está do mesmo jeito”, comenta a mãe.

Maria Amália estava com Wandersom de Sousa, filho de uma amiga, aguardando atendimento. O rapaz teve uma crise convulsiva e ao cair feriu a boca. Ele estava sangrando e aguardava atendimento. “Chegamos aqui há quanto horas e só começaram a chamar agora, acho que foi porque vocês da imprensa chegaram.” Maria Eudina chegou no Cais ainda mais cedo. Ela afirma que estava no local desde as 10h da manhã, trouxe o esposo com um problema no pescoço e disse que antes de chegar no Novo Mundo havia passado com o marido em vários Cais de Goiânia, e em nenhum conseguiu ser atendido. “Conversei até com a direção, expliquei o caso, mas disseram que tenho que aguardar”, lamenta.

Diferente do Ciams Urias Magalhães, a diretora-geral da unidade Novo Mundo, Stefania Nolasco, atendeu muito bem a equipe do Diário da Manhã. Em sua sala ela explicou que a falta de médicos está generalizada e isso está causando todo o tumulto. Ela afirma que as segundas-feiras o problema é ainda maior em todas a unidades. “Os pacientes vêm neste dia buscar atestados médicos, eles bebem e aprontam e vêm buscar atestado”, polemiza.

Stefania conta que o problema do Posto de Saúde do Novo Mundo é que aparecem pacientes de toda cidade e isso tumultua o atendimento e sobrecarrega os médicos. “Goiânia inteira manda paciente para cá, porque nos outros Cais não há médicos. Então o ele vem trabalhar hoje, tem essa “pauleira”, aí ele não vem mais. Se todas as unidades estivessem com o quadro completo, não sobrecarregaria ninguém”, afirma.

Nolasco explica que muitos pacientes, que deveriam ser encaminhados para os ambulatórios, procuraram atendimento nos Cais, sobrepesando-os. Fala, ainda, que muitos médicos abandonam o trabalho nesses locais, devido ao grande número de atendimento que devem fazem por dia. “Estou aqui para buscar melhorias para a população, mas não tenho estrutura e nem médicos suficientes. Sem médico não tem como”, finaliza.

Fonte: Diário da Manhã