Sustentabilidade tem duro golpe em Goiânia
Ampliação do centro de distribuição do Hypermarcas, a polêmica no afrouxamento do Plano Diretor. Mudanças geram protestos
A Câmara Municipal de Goiânia afrouxou, na última semana, as regras do Plano Diretor para construção de indústrias e de prédios com atividades econômicas. As mudanças – aprovadas por 24 vereadores – permitem a construção de indústrias e prédios com atividades econômicas. A votação ocorreu na quinta-feira, 25, em sessão tumultuada. Agora, as alterações seguem para o Paço Municipal e devem ser sancionadas pelo prefeito Paulo Garcia (PT).
Com a sanção, serão permitidas a legalização e a construção de indústrias em ruas próximas das rodovias, da Avenida Perimetral Norte e do Anel Viário. Também serão autorizados prédios com atividades econômicas em vias a partir de 13 metros de largura, nas áreas onde já há muitas edificações, como as próximas à Avenida 85, por exemplo.
As mudanças devem tornar possível a continuidade da expansão do centro de distribuição da Hypermarcas, no Norte de Goiânia, e, ao mesmo tempo, ajudar a consolidar a vocação econômica da capital. Com isso, o grau de incomodidade na área pode saltar de um – o mínimo – para cinco, o máximo. A região abriga o campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás (UFG), a Escola de Aplicação ligada à universidade, e uma área de proteção ambiental.
A obra – que ocupa cerca de 258 mil metros quadrados - já foi questionada pelo MP. Em março, a promotora Alice de Almeida Freire, da 7ª Promotoria de Justiça de Goiânia, pediu que a expansão do centro de distribuição da empresa fosse suspensa de imediato. Ela enfatizou que a construção não possui licenciamento ambiental, nem estudos e relatórios que apontem o impacto de vizinhança e de trânsito. O MP quer criar uma área de proteção ambiental na região Norte. A ação civil pública proposta pela instituição no ano passado aguarda julgamento.
Disputas
As adequações ao Plano Diretor encontram apoio entre a maioria dos representantes da população na Câmara Municipal. O vereador Clécio Alves (PMDB), presidente da Casa, recorreu ao discurso do desenvolvimento econômico para aprovar as mudanças. “Sou favorável ao desenvolvimento do município. Goiânia é a única capital brasileira que não tem polo industrial, as empresas estão indo para outros Estados e Municípios. Temos que pensar em gerar desenvolvimento e renda”, vociferou, em audiência no MP.
Já o vereador Djalma Araújo (PT) fez um coro quase solitário em defesa da preservação ambiental da região Norte. Para ele, as mudanças atenderiam apenas alguns setores da sociedade, como o imobiliário. O petista chegou a sugerir que a votação das adequações do PD fosse suspensa por 90 dias até a realização de mais audiências públicas com os setores envolvidos. O pedido foi negado.
A Associação Ecológica Vale do Meia Ponte (Verdivale) e representantes dos acadêmicos da UFG reivindicaram, ao longo das audiências públicas, que as mudanças do Plano Diretor fossem discutidas amplamente com toda a sociedade. Não foram atendidos. Na votação final, com os rostos pintados, narizes de palhaço e portando cartazes e megafone, eles vaiaram os vereadores favoráveis ao projeto, cujas falas foram interrompidas a todo momento.
Para a Verdivale, que congrega moradores da região Norte em defesa do meio ambiente, a bandeira de sustentabilidade empunhada pela administração municipal é colocada em xeque com a mudança no artigo 116A. “Queremos que a cidade se desenvolva de forma ordenada e sustentável”, ressalta o representante a entidade, Joaquim Tavares, refutando o discurso no fomento à economia.
Além do vereador Djalma Araújo, apenas outros seis parlamentares votaram contra as mudanças no Plano Diretor. São eles: Elias Vaz (PSOL), Dra. Cristina (PSDB), Virmondes Cruvinel (PSD), Thiago Albernaz (PSDB), Pedro Azulão Jr (PSB) e Geovani Antônio (PSDB).
Emprego e renda
A expansão do centro de distribuição da Hypermarcas geraria emprego e renda para Goiânia, argumenta a empresa e parlamentares favoráveis à medida, como o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Carlos Soares. O empreendimento seria responsável por mais de 2 mil empregos, 80% deles apenas no centro de distribuição
Áreas públicas na pauta de debates
Depois de aprovar as alterações no Plano Diretor, capitaneadas pela polêmica do centro de distribuição da Hypermarcas, na região Norte, a Câmara Municipal analisa pedidos de desafetação de cinco áreas de Goiânia. Entre elas, a área do setor Coimbra que, posteriormente, deve ser permutada com o grupo Moreira. A empresa, aliás, faz até campanha no Facebook para tentar viabilizar a cessão dos trechos das ruas 261, 278 e 280.
Em nota, o grupo explica que, se aprovada, a permuta deve viabilizar a ampliação do supermercado Hiper Moreira. Assim como no caso Hypermarcas, o foco é a geração de emprego e o fomento às atividades econômicas na região. “O empreendimento gera hoje mais de 800 empregos diretos. Com a ampliação, vai gerar mais de 1.500 novos postos de trabalho, beneficiando indiretamente mais de 7.500 pessoas”, justifica.
O projeto já foi discutido em duas audiências públicas, mas nenhuma delas resultou em consenso, sobretudo pelos possíveis impactos que a obra pode provocar para o trânsito da região. O grupo Moreira rebate o argumento e diz que as alterações podem trazer mais fluidez para o fluxo de veículos. A informação é baseada em estudo da Agência Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade (AMT). Outras quatro áreas também aguardam desafetação. Elas estão localizadas no Jardim Colorado, Vila Bela, Residencial Buena Vista II e Residencial Santa Fé.
Planos setoriais deveriam ser prioridade
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU/GO) critica a condução das mudanças no Plano Diretor (PD) de Goiânia. Para a entidade, as readequações não deveriam ser realizadas de forma pontual, visando apenas o desenvolvimento econômico, como no caso do Hypermarcas (leia nesta página).
“Não foram apresentados estudos avaliando os impactos sociais e ambientais que essas mudanças irão trazer”, critica gerente técnica do CAU, Isabel Barea. A especialista lembra ainda que o PD, aprovado em 2007, prevê a implementação de planos setoriais – projetos para áreas específicas, como habitação, saúde e educação.
“Os planos setoriais ainda nem foram colocados em práticas e já querem alterar o Plano Diretor. Nesse momento, eles deveriam ser prioridade”, questiona. Isabel avalia que, caso Goiânia foque seu desenvolvimento apenas no viés econômico, a plataforma da sustentabilidade, um dos carros chefes da administração atual, pode ser colocada em xeque.
A especialista destaca ainda que os vereadores da capital necessitam de apoio técnico para avaliar as mudanças no Plano Diretor. Uma análise global do impacto dessas alterações evitaria que interesses políticos e econômicos se sobrepusessem aos interesses da cidade, como ocorreria, segundo ela, no caso Hypermarcas. “Pólo industrial não é só geração de emprego. Há aumento de tráfico e de ruídos, como deve ocorrer na região Norte, além do crescimento populacional.
Organizando a cidade
O Plano Diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento do Município. Tem o objetivo de orientar o Poder Público e a iniciativa privada na construção dos espaços urbanos e rurais e na oferta de serviços públicos essenciais. É previsto pelo artigo 182 § 1º da Constituição Federal e na Legislação Federal, por meio da Lei 10.257/ 01, conhecida como Estatuto da Cidade. Segundo o documento, o PD deve ser revisto a cada 10 anos e as readequações devem ocorrer a cada dois anos. O Plano Diretor de Goiânia foi aprovado em 2007
Principais mudanças
Aprovadas na última semana, as alterações no Plano Diretor elevam o grau de incomodidade ao longo da Avenida Perimetral Norte e beneficiam principalmente a obra da Hypermarcas, já estabelecida no local
* Alíneas i e j do artigo 110 A
Alíneas referentes a empreendimentos de natureza econômica diversa ou mista dentre as construções permitidas a não realizar o parcelamento em áreas a partir de 10 mil metros quadrados
* Artigo 116B
Permite todas as tipologias e portes de usos e atividades não residenciais em áreas adensáveis e de desaceleração de densidade, ou seja, bairros mais populosos, como da Região Sul
* Artigo 116A
Altera para o máximo o grau de incomodidade e de porte de vias locais, coletoras e arteriais sob influência de vias expressas como a Avenida Perimetral Norte, Anel Viário, GOs e BRs 153 e 060
* Emenda ao artigo 132A
Inclusão da área do Batalhão Anhanguera, no setor Marista, como área especial de interesse urbanístico
Fonte: Tribuna do Planalto