Governo pode arrecadar até meio bilhão com venda de áreas públicas
Por outro lado, a Secretaria de Estado da Saúde aluga imóvel, sem licitação, por R$ 130 mil mensais. A Assembleia Legislativa aprovou a comercialização de 43 imóveis, mas se eximiu de fiscalizar a aplicação dos recursos.
Meio bilhão de reais. Este é o valor que pode ser conquistado pelo Governo de Goiás com a venda de 43 espaços públicos, cuja comercialização foi autorizada pelo Legislativo goiano (Alego) na primeira quinzena de dezembro de 2012. O acesso ao pote de ouro dependerá tanto do modo que escolher para comercializá-las, quanto das condições jurídicas, tributárias e sociais em que se encontrem. Um levantamento preliminar indica que grande parte dos imóveis está ocupada por pessoas alheias à administração pública, com posses precárias e impostos atrasados.
Entre as áreas a serem negociadas (ler quadro nesta página) estão o Batalhão Anhanguera, um prédio com seis apartamentos em Belém (PA) e 11 salas comerciais na capital do Rio de Janeiro. Juntas, as áreas totalizam cerca de 8,4 milhões de metros quadrados (8,4 km²), em 39 espaços urbanos e quatro rurais. Estas últimas unidades são fazendas, em Goiás, localizadas em Anápolis, Itauçu, Paraúna e Goianira. A maior parcela dos espaços são lotes, 44 no total, com metragem média de 400m².
Responsável por ministrar aulas de avaliação mercadológica e perícias imobiliárias aos corretores de imóveis associados ao Creci/Go, o engenheiro civil Trevenzol Ponciano frisa que quem determina o valor de imóveis é o mercado. Ponciano adianta que antes, porém, de sair às pressas para comprar algum imóvel, principalmente os pertencentes ao Poder Público, é preciso analisar minunciosamente alguns itens, como a documentação no cartório de registro de imóvel e vistoriar o espaço. “Avaliar é medir o valor”, ensina o professor.
A Secretaria Estadual de Gestão e Planejamento (Segplan), apesar de ter sido instada, optou pelo silêncio sobre o assunto. É importante frisar que cabe a Segplan administrar, resguardar e preservar o patrimônio estatal. Enquanto competência, somente a secretaria dispõem de dados oficiais sobre os registros e cadastros de seus imóveis. Aliás, não é público o cadastro de imóveis do governo e nem os critérios utilizados para a aquisição dos bens, principalmente em outros estados.
Considerando a justificativa governamental exposta no projeto enviado à Alego, os recursos aferidos nas transações serão destinados genericamente, salvo 50% do dinheiro advindo com a venda da área do Batalhão Anhanguera (ler matéria nesta página), à implantação de projetos de desenvolvimento econômico regional, considerando o potencial turístico, industrial, logístico, de serviços e varejo dos municípios goianos, e ao Plano de Ação Integrada de Desenvolvimento (PAI), nos programas de Apoio à Criança e ao Adolescente, de Apoio ao Idoso, de Apoio às Pessoas com Deficiência, Estadual de Enfrentamento às Drogas e Estratégico de Segurança.
Astúcia
A proposta governamental continua a atiçar a ira de setores da sociedade organizada, principalmente pela alta reatividade governamental em debater o assunto, o que tem resultado em insurreições pontuais. O único recuo estatal à matéria foi a retirada do Parque da Criança do rol dos imóveis vendáveis.
Restou, então, a área do Batalhão Anhanguera (ler matéria nesta página), no setor Marista, com um total de 64,5 mil m², que podem render, considerando especulações do mercado imobiliário, até R$ 270 milhões. Um valor que dependerá do aproveitamento da área. Desde a sua primeira administração estadual, que o governador Marconi Perillo arrisca, sem sucesso, a dar outra destinação a esse espaço militar. À época, o Estado tentou implantar o projeto do Telecentro.
Enquanto a única reação que conseguiu ir além do discurso conceitual foi promovida pelo advogado Rogério Bernardes, ainda em julho do ano passado, quando a matéria foi protocolada na Alego. O defensor e autor do livro "A omissão dos honestos" conseguiu, em um final de semana, reunir 1,5 mil assinaturas de pessoas contrárias à venda do batalhão.
Hibridismo
O material foi encaminhado ao Ministério Público, que instaurou um procedimento pela 7ª Promotoria (Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultura). A sua titular, promotora Alice Almeida Freire, não trata do assunto publicamente, mas a reportagem apurou que se aguarda a publicação do decreto de desafetação (ler matéria na página) da área, para que sejam abertas duas ações. Elas seriam, por sua vez, patrocinadas tanto pela 7ª, quanto pela 57ª Promotoria, que responde por crimes ao Patrimônio público, combate à corrupção e à improbidade administrativa e é comandada por Fernando Krebs.
Alheio parcialmente as cizânias jurídicas, o gestor de empreendimento da Tropical Urbanismo e Incorporação, Leandro Daher Costa, mesmo considerando, sob a ótica pecuniária, um bom negócio para o Poder Público, mostra-se receoso tanto no preparo do Estado para vender, quanto para utilizar a receita. “O dinheiro público, geralmente, escorre entre os dedos, em meio a burocracia. Sem contar que a maioria das ações governamentais são imediatistas e sem qualquer planejamento”, adverte.
Diante deste cenário, Daher Costa analisa três formatos para a comercialização das áreas: o da venda direta, por leilão, em que os espaços são comercializados a prazo, de modo que o governo tenha tempo de reagir e pensar o planejamento financeiro para a receita; o da permuta, no qual se definiria um percentual nos lucros a serem destinados ao estado depois do empreendimento pronto; e o híbrido, pelo qual o comprador da área pagaria uma parte em dinheiro e outra com edificação de equipamentos públicos em locais determinados pelo Estado.
Mesmo favorável às vendas, o diretor imobiliário se diz convencido de que uma das melhores maneiras do governo goiano otimizar custos e melhorar a qualidade dos serviços prestados à sociedade é construindo, de imediato, dois novos centros administrativos. “O Estado ainda se vale de imóveis locados para acondicionar arquivos e estruturar órgãos”, indigna-se Daher Costa.
O desconforto do empresário ligado à iniciativa privada pode ser entendido, quando na página 25, do Diário Oficial do Estado, do último dia 26 de março, a Secretaria de Estado da Saúde (SES/GO) anuncia a locação de um imóvel à Avenida 136, no Setor Sul, em Goiânia, para acomodar algumas de suas unidades administrativas. Pelo aluguel, pertencente a Concreposte e liberado sem licitação, a secretaria pagará, anualmente, R$ 1,560 milhão, ou seja, R$ 130 mil mensais. O imóvel tem subsolo, térreo e sete pavimentos, com área total de 4.148,54m², além de uma garagem com 40 vagas.
As cerejas do bolo
Entre os 43 imóveis liberados à venda, há lotes, salas, edifício, apartamentos e fazendas. Dentre eles, alguns espaços fazem os olhos de investidores brilharem. É o caso, por exemplo, de um edifício na capital paraense de Belém. Com três andares e seis apartamentos, o imóvel está localizado a menos de 900 metros do Ver-o-Peso, um dos pontos turístico e cultural mais badalado da cidade e que é considerada a maior feira ao ar livre da América Latina.
A região é considerada o centro econômico e histórico da cidade. O terreno tem 271,50m² e área construída chega a 1,9 mil m². Avaliações locais indicam um valor de aproximadamente R$ 3,8 milhões. O problema é que o terreno pertence à prefeitura e quem arrematar terá que fazer um resgate de enfiteuse, ou seja, negociar com a municipalidade. Sem contar que os apartamentos estão ocupados. O prédio é antigo, mas conservado e fica ao lado de um hotel tradicional, o Unidos.
Outra área que deve chamar a atenção está localizada a menos de 300 metros da famosa Igreja da Candelária, no centro econômico e financeiro do Rio de Janeiro. Ela está os prédios da Sulacap e do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RJ), na Rua da Quitanda, no número 111. Nele, o Palácio Pedro Ludovico Teixeira é proprietário de oito salas no 2º andar e outras três no 3º. Cada uma com 221,76m². Juntas, elas totalizam 2,4 mil metros quadrados. O m² na região, de acordo com o Creci/RJ, está estimado entre R$ 7,5 mil e R$ 12,4 mil. Considerando o valor mais baixo, o conjunto arquitetônico estatal deve ter lance inicial em torno de R$ 18,3 milhões.
No ambiente rural, o que deve chamar a atenção é a Fazenda Córrego Rico, em Itauçu, com 151 alqueires. Corretores de imóveis na região avaliam que a área valha no mercado cerca de R$ 60 milhões. Nela existem casa e muitas benfeitorias. Entretanto, a área do Batalhão Anhanguera é considerada a joia da coroa. E, muito provavelmente, não será tão fácil conquistá-la. Afinal, o terreno de 64,5 mil m² está incrustrado no setor Marista e para chegar ao Parque Areião basta atravessar a Avenida Americano do Brasil.
No espaço é possível edificar inúmeras propostas. Depende de gosto, dinheiro e profissionais. Entre as propostas estão um shopping de alto padrão, um mixed-user (reúne em um mesmo espaço unidades residenciais, comerciais, serviços, centros de compras e conveniência), um hotel e um residencial. Contudo, antes de chegar a este ponto, será necessário superar alguns entraves e manifestações exasperadas e territorialistas.
A primeira limitação é puramente logística. Na área estão sedeadas a Base Administrativa da PM, o 1º Batalhão da Polícia Militar, o Presídio Militar, o Centro de Internação para Adolescentes, Grupo de Radiopatrulhamento Aéreo (Graer), o Companhia Independente de Operações Especiais (Coe) e o Batalhão de Choque. Nenhum dos comandos das sete unidades militares sabe para onde serão transferidos. Um contingente de quase 500 militares. Sem contar que o espaço é sede do primeiro comando militar instalado na capital.
Para minimizar o desgaste, a Segplan quer utilizar a metade dos recursos aferidos com a negociação da área para instalar e melhorar o armamento da tropa. A proposta não reverberou nos quarteis. A velha guarda militar, atualmente aposentada, mas disposta a lutar pela preservação da memória, esteve, em comissão, visitando o vereador Antônio Uchôa, que também é oficial reformado da PM. A comitiva requerer medidas para barrar a venda. O grupo, que garante representar a maioria da tropa, considera a comercialização da área uma afronta à história da corporação.
De acordo com o vereador, a manifestação de desagrado tem a vanguarda dos inativos pela impossibilidade de os militares que ainda estão no serviço ativo de se manifestarem contra ato do governo. “É natural que quem ainda está no serviço público preste obediência ao governante, o que é permitido a quem está na inatividade”, esclarece.
Outro foco de dores de cabeça, também, tem origem no Legislativo de Goiânia. No apagar das luzes de março, o vereador do PSOL na Casa, Elias Vaz, apresentou uma emenda ao projeto de revisão do Plano Diretor. O objetivo da matéria é tornar obrigatória que a Câmara Municipal aprove ou não a proposta arquitetônica a ser edificada no espaço.
Fonte: Portal 730