Vida segue difícil nos terminais

11:19 0 Comments A+ a-


Linhas insuficientes, falta de segurança, condições ruins de acessibilidade e até tráfico de drogas. Veja por que transporte coletivo estará na pauta de debates da eleição para prefeito de Goiânia.

Na dis­puta pela Pre­fei­tura de Goi­ânia em 2004, o can­di­dato eleito Iris Re­zende (PMDB) pro­meteu re­solver o pro­blema do trans­porte co­le­tivo em seis meses. Iris, no en­tanto, não con­se­guiu en­cerrar o drama dos usuá­rios. Por esse mo­tivo, o as­sunto deve outra vez pautar o de­bate su­ces­sório na Ca­pital. O Diário da Manhã mostra o porquê nesta re­por­tagem es­pe­cial, pro­du­zida na úl­tima se­mana. Vi­si­tamos quatro ter­mi­nais da re­gião me­tro­po­li­tana, es­co­lhidos de ma­neira ale­a­tória: Ban­deiras, Isi­dória, Veiga Jardim e Vila Bra­sília. Em todos eles, de­tec­tamos graves pro­blemas es­tru­tu­rais, que se com­binam com gestos de des­res­peito ao usuário. Há gar­galos a sanar in­clu­sive no Ter­minal Ban­deiras, que, apesar de “rei­nau­gu­rado” em de­zembro de 2010, não pro­tege da chuva os pas­sa­geiros ins­ta­lados sob a pla­ta­forma. O ce­nário mais grave, sem sombra de dú­vidas, se de­senha no Veiga Jardim, apa­ren­te­mente do­mi­nado pelo medo. Existem re­cla­ma­ções sis­te­má­ticas contra falta de se­gu­rança e do­mínio do trá­fico de drogas no local, sem contar a im­pu­ni­dade com que am­bu­lantes sem li­cença do poder pú­blico en­tram e saem. Na Vila Bra­sília, o DM en­con­trou as pi­ores con­di­ções pos­sí­veis de aces­si­bi­li­dade. Para citar um exemplo, é pre­ciso es­calar um de­grau de 20 cen­tí­me­tros para en­trar no ba­nheiro.

Em que pese a usuária Maria Apa­re­cida No­gueira ter dito que ma­té­rias assim não sen­si­bi­lizam mais o poder pú­blico, a re­por­tagem faz a sua parte e es­ti­mula o de­bate, que se tor­nará ainda mais pre­sente em ano de elei­ções.

A demora reina no Isidória

6h34. Ainda não ama­nheceu no Ter­minal Isi­dória, Setor Pedro Lu­do­vico, mas a di­a­rista Amélia Silva e a au­xi­liar de ser­viços ge­rais Santa Viana já en­frentam o pri­meiro abor­re­ci­mento do dia. Cinco ônibus já ha­viam pas­sado pelo local, mas ne­nhuma linha que le­vasse a Cam­pinas, como elas que­riam.

Santa, que logo cedo já não exibe a calma que o nome su­gere, deixa Amélia na fila e ruma ao guichê da Com­pa­nhia Me­tro­po­li­tana de Trans­porte Co­le­tivo (CMTC), a passos largos e firmes, com a bolsa a ti­ra­colo, para re­clamar. Está brava.

Amélia já pa­rece can­sada antes mesmo de o dia co­meçar e, apesar de ner­vosa, apa­renta re­sig­nação. “Estou fora de casa desde as 5 horas. Pre­ciso chegar no tra­balho às 7, mas não vou con­se­guir. O pa­trão vai re­clamar de novo”, la­menta. “O úl­timo ônibus para Cam­pinas já chegou lo­tado.”

Santa volta e, antes que a re­por­tagem em­pla­casse uma per­gunta, conta a his­tória de uma fiscal da CMTC que, uma se­mana atrás, ma­chucou-se ao tentar or­ga­nizar a fila para o atra­dís­simo ônibus da linha 650.

Amélia conta que pega três ônibus até chegar ao local de tra­balho, no Centro de Goi­ânia, mas antes que ter­mi­nasse de ex­plicar, a es­tu­dante Aline Fer­reira rei­vin­dica também o di­reito de re­clamar. Abra­çada a li­vros e ca­dernos, Aline ex­plica com mais calma porque os usuá­rios do ter­minal estão re­vol­tados. Diz que, há pouco tempo, a CMTC adotou li­nhas que levam apenas até a Ave­nida D e afirma que a de­manda para esse tra­jeto é pe­quena, en­quanto há cada vez mais pas­sa­geiros – como Amélia e Santa – a ca­minho do Centro.

“O Isi­dória já foi bem me­lhor. Há uns três anos, co­meçou a pi­orar e a de­ca­dência con­tinua”, ex­plica a es­tu­dante, que pega dois ônibus por dia para chegar ao cur­sinho. A re­por­tagem cons­tatou que, pelo menos, o ter­minal está bem con­ser­vado.

Trá­fico do­mina Veiga Jardim

Di­fe­rente do que acon­tece nos ou­tros ter­mi­nais, poucos abordam a re­por­tagem do DM para re­clamar dos pro­blemas do Ter­minal Veiga Jardim. O mo­tivo: medo.

O Veiga Jardim possui pro­blemas sé­rios de in­fra­es­tru­tura, mas ne­nhum in­co­moda tanto os usuá­rios quanto o trá­fico de drogas. Com dis­crição, en­quanto es­pe­ravam o ônibus, duas mu­lheres apontam para a caixa d’água que fica pró­xima à ca­traca e a cerca de 100 me­tros da pas­sa­rela. É ali, se­gundo elas, que a droga é en­tregue aos con­su­mi­dores. O trá­fico se in­ten­si­fica no final da tarde. “A po­lícia não passa por aqui e os fis­cais não se en­co­rajam a re­solver o pro­blemas. Os ban­didos do­minam”, re­clama uma das mu­lheres.

Um fiscal da Com­pa­nhia Me­tro­po­li­tana de Trans­porte Co­le­tivo (CMTC) con­firmou a in­for­mação: “O mo­vi­mento aqui é grande.”

A lista de pro­blemas do ter­minal in­clui ba­nheiros des­truídos, sujos e pi­chados, lixo ex­posto e grades ar­re­ben­tadas. O mesmo fiscal disse ao DM que a aber­tura nas grades foi feita por am­bu­lantes, sem li­cença da CMTC, que usam a fresta para passar com suas me­si­nhas e pro­dutos para vender aos usuá­rios.

“Ter­minal das Ban­deiras de­veria se chamar ter­minal das go­teiras”

A di­a­rista Maria de Lourdes Cintra passa pelo Ter­minal Ban­deiras três vezes por se­mana. Para chegar à casa do cli­ente, que mora pró­ximo ao Flam­boyant, ela pega a linha 026, que ape­lidou de “a praga”.

Maria de Lourdes es­tava no ter­minal quando ele foi “rei­nau­gu­rado”, em de­zembro de 2010, após obras que se ar­ras­tavam desde 2009. A re­forma custou R$ 10 mi­lhões, con­forme in­for­ma­ções di­vul­gadas pela RMTC na época. Mas não tratou de um pro­blema cru­cial: o go­te­ja­mento.

“Eu gos­taria muito que ti­vesse cho­vido no dia da inau­gu­ração. Eles (as au­to­ri­dades) te­riam saído daqui tão en­char­cados quanto eu fico em dias de tem­pes­tade”, la­menta a di­a­rista. “Já perdi as contas de quantas vezes che­guei em casa en­so­pada. Ô ter­minal que ficou ruim. Aqui de­veria se chamar ter­minal das go­teiras”, de­sa­bafa Maria de Lourdes.

Em que pese a boa si­na­li­zação, o ter­minal também peca pela má edu­cação dos mo­to­ristas e pela falta de faixa de pe­destre em uma das vias in­ternas.

Mo­bi­li­dade zero na Vila Bra­sília

O Ter­minal Vila Bra­sília re­pre­senta um enorme de­safio aos por­ta­dores de de­fi­ci­ência fí­sica. As con­di­ções de mo­bi­li­dade são as pi­ores pos­sí­veis, como pôde cons­tatar a re­por­tagem. Logo na en­trada – a única do ter­minal –, o usuário tem que descer uma rampa. No final dela, existe um de­grau. Não há al­ter­na­tiva a não ser passar por ele. O Diário da Manhã per­guntou ao fiscal da CMTC o que ele faz quando um ca­dei­rante pre­cisa en­trar no ter­minal. “A gente faz uma gi­nás­tica para ajudar. Mas até que são poucos, então, não vejo pro­blema”, ame­niza. Também não existe uma faixa de pe­destre .

A “gi­nás­tica” do fiscal também é de grande uti­li­dade se um por­tador de de­fi­ci­ência re­solve usar os ba­nheiros do ter­minal. Para passar pela por­ti­nhola (que não tem lar­gura su­fi­ci­ente para per­mitir a pas­sagem de uma ca­deira de rodas), o usuário pre­cisa transpor um de­grau de apro­xi­ma­da­mente 20 cen­tí­me­tros.

Um fiscal da CMTC pre­sente no mo­mento da vi­sita da re­por­tagem disse que, se­gundo in­for­ma­ções a ele re­pas­sadas por um fun­ci­o­nário da Rede Me­tro­po­li­tana de Trans­porte Co­le­tivo (RMTC), em “poucos dias”, teria início uma re­forma no ter­minal. Ele disse que uma nova ca­traca, com me­lhores con­di­ções de aces­si­bi­li­dade, seria ins­ta­lada pró­ximo aos ba­nheiros.

A exemplo do que ocorre no Ter­minal Veiga Jardim (veja pá­gina ao lado), a si­na­li­zação é ina­de­quada. Não existem placas a ori­entar sobre as li­nhas que passam pelo local, sobre ba­nheiros ou gui­chês de in­for­mação.

DE­S­NIMO

Maria Apa­re­cida No­gueira, ven­de­dora, acon­se­lhou a re­por­tagem do DM a não “perder tempo” e es­forço com re­por­ta­gens que mos­tram a si­tu­ação dos ter­mi­nais. “Não adi­anta mos­trar na TV ou no jornal. Ma­té­rias assim até que saem sempre, mas as au­to­ri­dades não mudam nada.”

Ao co­mentar sobre a si­na­li­zação falha do ter­minal, a ven­de­dora com­para os usuá­rios a “ani­mais ades­trados”. “Im­pres­si­o­nante como todo mundo sabe onde tem que ficar, mesmo sem ter placas. Virou algo tão comum nas nossas vidas que nin­guém cobra mais”, afirma.

Fonte: Diário da Manhã