Vida segue difícil nos terminais
Na disputa pela Prefeitura de Goiânia em 2004, o candidato eleito Iris Rezende (PMDB) prometeu resolver o problema do transporte coletivo em seis meses. Iris, no entanto, não conseguiu encerrar o drama dos usuários. Por esse motivo, o assunto deve outra vez pautar o debate sucessório na Capital. O Diário da Manhã mostra o porquê nesta reportagem especial, produzida na última semana. Visitamos quatro terminais da região metropolitana, escolhidos de maneira aleatória: Bandeiras, Isidória, Veiga Jardim e Vila Brasília. Em todos eles, detectamos graves problemas estruturais, que se combinam com gestos de desrespeito ao usuário. Há gargalos a sanar inclusive no Terminal Bandeiras, que, apesar de “reinaugurado” em dezembro de 2010, não protege da chuva os passageiros instalados sob a plataforma. O cenário mais grave, sem sombra de dúvidas, se desenha no Veiga Jardim, aparentemente dominado pelo medo. Existem reclamações sistemáticas contra falta de segurança e domínio do tráfico de drogas no local, sem contar a impunidade com que ambulantes sem licença do poder público entram e saem. Na Vila Brasília, o DM encontrou as piores condições possíveis de acessibilidade. Para citar um exemplo, é preciso escalar um degrau de 20 centímetros para entrar no banheiro.
Em que pese a usuária Maria Aparecida Nogueira ter dito que matérias assim não sensibilizam mais o poder público, a reportagem faz a sua parte e estimula o debate, que se tornará ainda mais presente em ano de eleições.
A demora reina no Isidória
6h34. Ainda não amanheceu no Terminal Isidória, Setor Pedro Ludovico, mas a diarista Amélia Silva e a auxiliar de serviços gerais Santa Viana já enfrentam o primeiro aborrecimento do dia. Cinco ônibus já haviam passado pelo local, mas nenhuma linha que levasse a Campinas, como elas queriam.
Santa, que logo cedo já não exibe a calma que o nome sugere, deixa Amélia na fila e ruma ao guichê da Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC), a passos largos e firmes, com a bolsa a tiracolo, para reclamar. Está brava.
Amélia já parece cansada antes mesmo de o dia começar e, apesar de nervosa, aparenta resignação. “Estou fora de casa desde as 5 horas. Preciso chegar no trabalho às 7, mas não vou conseguir. O patrão vai reclamar de novo”, lamenta. “O último ônibus para Campinas já chegou lotado.”
Santa volta e, antes que a reportagem emplacasse uma pergunta, conta a história de uma fiscal da CMTC que, uma semana atrás, machucou-se ao tentar organizar a fila para o atradíssimo ônibus da linha 650.
Amélia conta que pega três ônibus até chegar ao local de trabalho, no Centro de Goiânia, mas antes que terminasse de explicar, a estudante Aline Ferreira reivindica também o direito de reclamar. Abraçada a livros e cadernos, Aline explica com mais calma porque os usuários do terminal estão revoltados. Diz que, há pouco tempo, a CMTC adotou linhas que levam apenas até a Avenida D e afirma que a demanda para esse trajeto é pequena, enquanto há cada vez mais passageiros – como Amélia e Santa – a caminho do Centro.
“O Isidória já foi bem melhor. Há uns três anos, começou a piorar e a decadência continua”, explica a estudante, que pega dois ônibus por dia para chegar ao cursinho. A reportagem constatou que, pelo menos, o terminal está bem conservado.
Tráfico domina Veiga Jardim
Diferente do que acontece nos outros terminais, poucos abordam a reportagem do DM para reclamar dos problemas do Terminal Veiga Jardim. O motivo: medo.
O Veiga Jardim possui problemas sérios de infraestrutura, mas nenhum incomoda tanto os usuários quanto o tráfico de drogas. Com discrição, enquanto esperavam o ônibus, duas mulheres apontam para a caixa d’água que fica próxima à catraca e a cerca de 100 metros da passarela. É ali, segundo elas, que a droga é entregue aos consumidores. O tráfico se intensifica no final da tarde. “A polícia não passa por aqui e os fiscais não se encorajam a resolver o problemas. Os bandidos dominam”, reclama uma das mulheres.
Um fiscal da Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC) confirmou a informação: “O movimento aqui é grande.”
A lista de problemas do terminal inclui banheiros destruídos, sujos e pichados, lixo exposto e grades arrebentadas. O mesmo fiscal disse ao DM que a abertura nas grades foi feita por ambulantes, sem licença da CMTC, que usam a fresta para passar com suas mesinhas e produtos para vender aos usuários.
“Terminal das Bandeiras deveria se chamar terminal das goteiras”
A diarista Maria de Lourdes Cintra passa pelo Terminal Bandeiras três vezes por semana. Para chegar à casa do cliente, que mora próximo ao Flamboyant, ela pega a linha 026, que apelidou de “a praga”.
Maria de Lourdes estava no terminal quando ele foi “reinaugurado”, em dezembro de 2010, após obras que se arrastavam desde 2009. A reforma custou R$ 10 milhões, conforme informações divulgadas pela RMTC na época. Mas não tratou de um problema crucial: o gotejamento.
“Eu gostaria muito que tivesse chovido no dia da inauguração. Eles (as autoridades) teriam saído daqui tão encharcados quanto eu fico em dias de tempestade”, lamenta a diarista. “Já perdi as contas de quantas vezes cheguei em casa ensopada. Ô terminal que ficou ruim. Aqui deveria se chamar terminal das goteiras”, desabafa Maria de Lourdes.
Em que pese a boa sinalização, o terminal também peca pela má educação dos motoristas e pela falta de faixa de pedestre em uma das vias internas.
Mobilidade zero na Vila Brasília
O Terminal Vila Brasília representa um enorme desafio aos portadores de deficiência física. As condições de mobilidade são as piores possíveis, como pôde constatar a reportagem. Logo na entrada – a única do terminal –, o usuário tem que descer uma rampa. No final dela, existe um degrau. Não há alternativa a não ser passar por ele. O Diário da Manhã perguntou ao fiscal da CMTC o que ele faz quando um cadeirante precisa entrar no terminal. “A gente faz uma ginástica para ajudar. Mas até que são poucos, então, não vejo problema”, ameniza. Também não existe uma faixa de pedestre .
A “ginástica” do fiscal também é de grande utilidade se um portador de deficiência resolve usar os banheiros do terminal. Para passar pela portinhola (que não tem largura suficiente para permitir a passagem de uma cadeira de rodas), o usuário precisa transpor um degrau de aproximadamente 20 centímetros.
Um fiscal da CMTC presente no momento da visita da reportagem disse que, segundo informações a ele repassadas por um funcionário da Rede Metropolitana de Transporte Coletivo (RMTC), em “poucos dias”, teria início uma reforma no terminal. Ele disse que uma nova catraca, com melhores condições de acessibilidade, seria instalada próximo aos banheiros.
A exemplo do que ocorre no Terminal Veiga Jardim (veja página ao lado), a sinalização é inadequada. Não existem placas a orientar sobre as linhas que passam pelo local, sobre banheiros ou guichês de informação.
DESÂNIMO
Maria Aparecida Nogueira, vendedora, aconselhou a reportagem do DM a não “perder tempo” e esforço com reportagens que mostram a situação dos terminais. “Não adianta mostrar na TV ou no jornal. Matérias assim até que saem sempre, mas as autoridades não mudam nada.”
Ao comentar sobre a sinalização falha do terminal, a vendedora compara os usuários a “animais adestrados”. “Impressionante como todo mundo sabe onde tem que ficar, mesmo sem ter placas. Virou algo tão comum nas nossas vidas que ninguém cobra mais”, afirma.
Fonte: Diário da Manhã