Shopping gigante afeta paisagem e rotina de região
Às centenas de milhões investidos por empresa em um dos maiores centros comerciais do País devem se seguir a mudança de comportamento da população, do meio ambiente e até de status da região, quando o empreendimento começar a operar..
Goiânia vai ganhar, até o fim do próximo ano, aquele que será seu maior centro co*mercial. O Shopping Passeio das Águas também será o primeiro empreendimento do ramo na região norte da cidade. Sua construção tem provocado, ao mesmo tempo, expectativa, especulação e polêmica. Expectativa, porque deve provocar reações da concorrência — o Flamboyant Shopping Center e outros centros comerciais terão de se readaptar, por exemplo; especulação, já que terrenos na região multiplicaram de valor assim que o sinal verde para a obra foi dado (ou até antes disso); e polêmica pelo fato de o novo shopping estar situado às margens do Córrego Caveirinha, e vizinho próximo ao encontro desse curso d’água com o Rio Meia Ponte. Portanto, o local, se não é diretamente protegido pela lei, deveria ser resguardado pelo bom senso do poder público.
As obras seguem a todo vapor na confluência da Perimetral Norte com a Avenida Goiás Norte. A previsão de inauguração é para o segundo semestre do próximo ano. Uma construção gigantesca, que somente de estacionamento ocupará uma área de pelo menos 40 mil metros quadrados — já que projeta 4 mil vagas para automóveis.
Quem comanda o empreendimento, de quase R$ 400 milhões, é a Sonae Sierra Brasil, uma empresa especializada em shopping centers. Suas principais acionistas e controladoras são a portuguesa Sonae Sierra e a norte-americana DDR. A empresa é uma das principais proprietárias e administradoras de shopping centers do Brasil, “com foco na excelência em qualidade”. Além de Goiás, atua também em mais quatro Estados — São Paulo, Amazonas, Paraná e Minas Gerais — e no Distrito Federal, com 11 empreendimentos em operação e um total de 2.215 lojas.
No site da Sonae Sierra Brasil, há uma página dedicada ao Shop*ping Passeio das Águas — nome que já, em si, faz uma referência à região em que está se instalando. Lá constam os principais dados do empreendimento, entre eles o da área brutal local (ABL), que é como se denomina a metragem construída do shopping que é voltada diretamente para lojas. Pelo projeto, o Passeio das Águas terá 78,1 mil metros quadrados de ABL — para se ter ideia, o Flamboyant tem “apenas” 58,4 mil metros quadrados.
O complexo pretende atrair não só a população da capital, mas, com o acesso facilitado pela posição estratégica, também dos municípios vizinhos como Trindade, Goianira, Senador Canedo e Aparecida de Goiânia, em um total de 1,6 milhões de habitantes sob sua área de influência. Para assistir o contingente, mais de 6 mil em*pregos diretos.
Pelos números postos, não há mesmo dúvida de que a proposta de ser o maior shopping da região metropolitana — e um dos maiores do Brasil — é para valer. Com certeza, será também uma das intervenções de maior impacto na capital. E “impacto” em todos os sentidos, inclusive o ambiental. É o que preocupa pessoas como o professor Manoel Calaça, morador de um setor vizinho (Goiânia 2) e que também conhece tecnicamente o que pode ocorrer com o adensamento da região — ele é geógrafo, pesquisador e titular do Ins*tituto de Estudos So*cioam*bientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás.
Meses atrás, Calaça tirou, ele próprio, algumas fotos do local. Era abril e, logo ao lado do imenso aterro do shopping, algumas vacas pastavam, em meio a poças formadas pelas chuvas. “Obviamente, aquilo ali é uma área de planície de inundação e não deveria sofrer interferências, quanto mais a de um empreendimento desse porte”, analisa o professor. As fotos impressionam, não só pelo que mostram em si, mas pelo que simboliza: o avanço do progresso econômico em detrimento da prudência ambiental.
Comunicado lacônico
A reportagem tentou falar com a Sonae Sierra Brasil em São Paulo, onde é sua sede, mas a divisão de comunicação informou que o contato teria de partir da assessoria da empresa em Goiânia. Na tarde de sexta-feira, 13, em resposta ao pedido de entrevista com o diretor responsável, veio um curto comunicado: “Todos os estudos sobre os impactos para a construção do shopping foram realizados e todas as licenças obtidas. Em 30 de janeiro de 2012, o empreendimento firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público e a Amma, em que foi acordado pagamento para fins de custeio de parte da construção de um parque na cidade, assim como um plano de recomposição e revitalização do Córrego Caveirinha, que não sofrerá qualquer alteração do seu curso.” Em outras palavras, a empresa garante que não há qualquer irregularidade na obra.
O presidente da Agência Mu*nicipal do Meio Ambiente (Amma) e vereador licenciado, Mizair Lemes, disse que o problema passa pela legislação, que permitiria a construção do shopping. “A meu ver, uma construção, ainda mais desse porte, deveria estar a pelo menos 200 metros de cursos d’água. Todos nós queremos a preservação, mas a lei estabelece 30 metros. E isso está sendo cumprido”, explica, contestando a informação de que a obra teria desviado o curso do Córrego Caveirinha, o que foi levantado em recente audiência pública realizada na Câmara de Goiânia.
Segundo Mizair, quando ele ainda era presidente da Comissão de Meio Ambiente do Legislativo goianiense, foi assinado o termo segundo o qual a Sonae Sierra Brasil se responsabilizaria por uma série de medidas a serem tomadas na questão ambiental. “O documento foi totalmente redigido pelo Ministério Público (MP-GO) e assinado pela empresa, pela Amma e por mim, como representante da Câmara”, disse Mizair.
O acordo ocorreu na gestão de Pedro Henrique Lira à frente da Amma e incluía compensação am*biental. A Sonae Sierra Brasil depositou o total de R$ 1,92 milhão no Fundo Municipal do Meio Ambiente. Um montante com destino definido: o Parque Nova Esperança, no Jardim Nova Esperança, que terá um lago com águas também no Córrego Caveirinha, só que alguns quilômetros acima em seu leito, longe da área que será afetada pelo novo shopping center.
Não por coincidência, o benefício vai para um local que é base eleitoral de Mizair Lemes, que conta ter convencido as entidades da necessidade dos recursos para o novo parque. “É, na verdade, um projeto antigo, que será um dos maiores parques de Goiânia, com 340 mil metros quadrados. A dificuldade para sua execução é o pagamento de indenizações e o dinheiro da compensação ambiental vai ajudar”, diz o hoje presidente da Amma. Vereadores que têm sua base na região próxima ao shopping, como Djalma Araújo (PT) e Geovane Antônio (PSDB), não gostaram de saber da mudança de local do benefício.
Embora não seja candidato à reeleição este ano, por problemas com a Justiça Eleitoral — foi pego pela Lei da Ficha Limpa —, Mizair Lemes colocou o nome de seu herdeiro, Mizair Jefferson da Silva (PMDB), na disputa.
Custo ambiental é “perdoado” em prol da valorização imobiliária
Sempre que surge um novo empreendimento de certo porte a rotina da população da região em que ele será implementado é colocada em xeque. O que muda é a motivação: se o projeto é de uma indústria ou, pior, de um cemitério é certa a reação contrária dos moradores; já o modo de responder ao planejamento de um shopping center é bem diferente. Poucos são os que querem apenas tranquilidade e veem um em*preendimento desses como negativo. E, se veem assim e resolvem se mudar antes que os boatos se intensifiquem, podem perder dinheiro. E muito dinheiro.
A região que sofrerá influência direta do Shopping Passeio das Águas se localiza dentro do triângulo imaginário que tem os setores Urias Magalhães, Balneário Meia Ponte e Goiânia 2 como seus vértices. Donos de imobiliárias confirmam a alta elevação dos preços dos imóveis próximos, notadamente aqueles que estão ao longo da Avenida Goiás Norte, que será um dos acessos para o novo shopping. Toda a região já tem, nos últimos anos, avançado em termos de novos lançamentos. O diferencial, agora, é o custo para quem quer investir.
Apesar da pouca vocação para o adensamento, principalmente por ser a origem dos mananciais que abastecem a região metropolitana de Goiânia, a região norte tem recebido cada vez mais empreendimentos. Toda benfeitoria traz naturalmente uma valorização nos imóveis que a recebem, mas um empreendimento como um shopping — e o Passeio das Águas é projetado como o maior da capital — tende a ultrapassar qualquer expectativa. Para além desta, os valores dos imóveis continuam a crescer e nessa rota devem se manter até a inauguração do shopping.
No Residencial Humaitá, “vizinho de lado” do centro de compras, um lote vale hoje até cinco vezes mais do que custava há apenas três anos. Um setor que deve perder a pecha de “periférico” para galgar, em pouquíssimo tempo, o status de “bairro nobre”, por causa de apenas um empreendimento. Não é à toa que muitos moradores dão boas-vindas ao shopping, a despeito do custo ambiental.
A fatura que a natureza cobra, com certeza, virá, mas não apenas em termos ambientais propriamente ditos, por causa da alta impermeabilização de um solo acostumado a muita água e pela proximidade com o maior manancial da cidade, o Rio Meia Ponte: a região sofrerá um grande impacto na mobilidade urbana, assim como ocorre hoje nas imediações do Flamboyant Shopping Center e de outros empreendimentos desse porte. Uma característica particular será a mistura de dois tipos de tráfego — o convencional, de consumidores, em pequenos carros, misturado a carretas, bitrens e ônibus de viagem que utilizam a Perimetral Norte para se deslocar entre as rodovias que margeiam a capital.
Fonte: Jornal Opção