Turismo: Goiânia ilustrada

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Projeto Galeria Noturna reitera importância das artes visuais e grafite para a urbanização

Talvez a Avenida Goiás seja uma das que mais ilustram Goiânia e sua história. Basta dar uma volta entre suas calçadas. Da Praça Cívica até a Estação Ferroviária, passando pelo Grande Hotel, pelo cruzamento entre a Avenida Anhanguera e pelas feiras na Avenida Paranaíba. A correria do dia a dia, o comércio intenso, o barulho do trânsito, prédios inacabados, edifícios históricos.

A avenida cresceu descontrolada e imperfeita, em um Centro no qual se erguem (e se ergueram, no decorrer de seus 80 anos) vários prédios, sem nenhum critério. Ao lado de um muito alto, tem um muito baixo. Ao lado de um art déco, tem um modernista. Ao lado de um estilo aparentemente francês, tem um contemporâneo. Prédios menores dão lugar a outros ainda maiores. Fachadas do final do século 20 se modernizam. Prova de que as irregularidades da arquitetura refletem perfeitamente os moradores das determinadas regiões.

Nessas últimas décadas, a avenida se acostumou a receber inquilinos. Eles chegam às 5, 6 da manhã. Trabalham, passeiam, compram, comem e vão embora. Num piscar de olhos, o Centro se esvazia. De noite, quando os visitantes vão para outras regiões da cidade, a avenida morre. O barulho dos carros dá lugar a um silêncio que raramente é afetado por gritarias justificadas por discussões em algum boteco de esquina.

As portas fechadas do comércio revelam pichações, grafites e cartazes espalhados pela avenida. Para agora, a Goiás se tornará uma galeria a céu aberto. Começa hoje, 10, a primeira etapa do Projeto Galeria Noturna, trabalho de artes visuais realizado por artistas nas portas metálicas da maioria das lojas na Avenida Goiás. A proposta é desenvolvida pela Prefeitura de Goiânia, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, e tem a intenção de coibir a ação dos pichadores e valorizar a cultura regional.

Lançado no dia 31 de julho, o projeto foi apresentado aos artistas visuais com a ideia de transformar as portas dos estabelecimentos comerciais em grandes painéis pintados por artistas plásticos e grafiteiros residentes em Goiás. Até agora, 25 lojistas já confirmaram autorização, totalizando 70 portas a serem pintadas. O projeto tem a parceria do Sindilojas, Fecomércio, CDL, Sebrae-GO, SindiPitdog, Sescon-GO, dos empresários estabelecidos na avenida e da iniciativa privada.

De acordo com o coordenador do projeto, o artista plástico e gestor cultural Gutto Lemes, a ideia é inédita no Brasil. “O que queremos fazer é mudar a cara de Goiânia. De dia, o comércio a pleno vapor; de noite, uma grande galeria a céu aberto para toda a população. Será um grande cartão-postal de Goiânia.”

As obras realizadas durante esta primeira etapa serão contempladas com a produção de um catálogo e de um documentário em vídeo, produzidos pela Secult Goiânia, lançados em uma exposição fotográfica durante o aniversário da capital. Segundo Gutto, o projeto repercute na atual produção de arte urbana na cidade. “Os artistas querem que seus trabalhos sejam vistos por olhares diferentes. Nada melhor que promover uma galeria a céu aberto, no centro de Goiânia, que reúne os mais diferentes olhares.”

Para a seleção dos artistas, Gutto convidou todos que participaram do lançamento. Apesar disso, outros artistas se interessaram pelo projeto e querem participar. “Vamos lançar um novo edital para a segunda parte do projeto. Para esta primeira ação, da Praça Cívica até a Avenida Paranaíba, o número de artistas já fechou”, conta.

Para Gutto, a Avenida Goiás se tornará um corredor cultural. “A intenção de trazer mais beleza para uma das avenidas mais importantes do Estado. Além disso, a proposta é fazer com que a população interaja entre si, saindo de suas casas e tornando um lugar agradável de convivência”, reitera.

Entre cores

Em média, 200 mil pessoas passam pela Avenida Goiás todos os dias. E os motivos são muitos. No coração da cidade, as esquinas das avenidas tornam-se verdadeiros mercados abertos. Com o Projeto Galeria Noturna, durante a noite, a avenida se tornará uma galeria de arte urbana. Mas, antes mesmo do projeto, a Goiás reúne um acervo de intensas produções artísticas.

Então não se assuste se estiver andando pela Avenida Goiás e encontrar um cartaz com os dizeres “Cora Coralina is dead” ou talvez “Quem come carne come qualquer coisa”. Não é nada pessoal. Pode chegar a ser uma intervenção. Na concepção do criador, são ações artísticas que ultrapassam a própria beleza e estética da imagem e se transformam em questões sociais e culturais.

O dono dos cartazes espalhados por toda a avenida é Oscar Fortunato, artista que acredita em uma nova concepção da arte e o seu real papel para o Estado. E o trabalho é simples: nas tardes de domingo, ele e mais outros artistas visuais percorrem a capital pregando as frases em prédios e monumentos públicos, no chão, em postes, nos prédios em art déco do Centro e, é claro, em construções inacabadas.

Não achou a ideia intrigante? Então imagine estar passeando pelo Setor Marista e de repente, em uma placa, você se deparar com as palavras: ”Jogo do Bicho”, ou ainda “Pessoas Soltas”, o que irá pensar? A ideia de Fortunato é justamente esta: provocar diversos sentimentos aos transeuntes e fazer da rua a sua galeria de arte.

Em prol da construção de uma cultura subversiva goiana, Fortunato afirma que seus trabalhos possuem um viés punk-anarquista. Para entender um pouco a concepção de suas ações nas ruas, é preciso voltar ao século 20, quando artistas urbanos aliados ao movimento punk reproduziam nas ruas, avenidas, praças e parques, pôsteres e cartazes com mensagens subliminares, diretas e ousadas.

Uma juventude aborrecida com a arte, moda e cultura engajada pelo nascimento da televisão e cinema hollywoodiano, os jovens adotavam uma nova corrente de expressão e estilo de vida. Geralmente de classe média e baixa, apanhados pela crise, desemprego e a miséria, eles antagonizavam o modo de vida americano.


Fonte: Jornal O Hoje (Clenon Ferreira// Luiz Redação)
Foto: Clenon Ferreira