Os gargalos que Goiás precisa superar
Transporte, energia elétrica e água são três fatores básicos para o desenvolvimento de qualquer lugar. E não estamos fazendo a lição de casa nesses aspectos
Elder Dias
Olhando tudo com base nos números do Produto Interno Bruto (PIB), Goiás parece ter sido uma máquina de crescimento e desenvolvimento no ano passado: o total de riquezas do Estado subiu 3,8%, mais de quatro vezes além do índice nacional, de míseros 0,9% em 2012. O patrimônio estatístico (e publicitário) assim adquirido repassa orgulho aos goianos, mas deve ser analisado com muito cuidado: afinal, números não passam de números. Entre o trabalho com eles e a realidade dos fatos há uma distância que não deve ser desconsiderada.
E os fatos apontam para uma inconsistência: se o PIB mostra crescimento, o que está impedindo então o Estado de se desenvolver? Onde estão os gargalos? A nova edição da revista “Goiás Industrial” (número 252), editada pelo Sistema Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg) e que deve circular nos próximos dias, trata exatamente desse assunto: o que emperra o Estado de crescer. Na matéria esclarecedora de Lauro Veiga Filho, à qual o Jornal Opção teve acesso, há uma expressão sintomática de Célio Oliveira, presidente do Conselho Temático de Infraestrutura (Coinfra) da Fieg: “Não é exatamente por falta de diagnóstico que os grandes gargalos na área de infraestrutura em Goiás não têm sido corretamente enfrentados.”
É verdade: os problemas que atravancam o progresso de Goiás são por demais já conhecidos, mas vale relatá-los mais uma vez: deficiência no fornecimento de energia elétrica, falta de qualidade nas vias de escoamento (rodovias precárias e ausência de ferrovias) e falta de saneamento básico e água tratada. E o que é o mínimo que uma empresa de qualquer porte espera ao se instalar em um local? Uma rede energética confiável, um sistema de água e esgoto acessível e vias decentes para transportar seu produto.
A carência desse “pacotão” básico não combina com o índice chinês de crescimento. Pelo contrário, causam um “efeito vergonha” se apresentados na mesma sessão de prestação de contas. Ora, se a economia cresce 3,8% em um ano, fica evidente que não é pela qualidade de infraestrutura oferecida. O produtor rural, o empresário, enfim qualquer empreendedor se torna um pequeno herói por enfrentar as agruras e ainda trazer tal resultado para a economia. Um discurso honesto diria, de forma sintética: “Apesar de todas as deficiências — energéticas, hídricas e logísticas — chegamos a quase 4% de crescimento em 2012, graças à tenacidade dos que produzem em Goiás.”
Não se pode, obviamente, jogar a culpa exclusiva ou principalmente na atual gestão estadual pelo quadro crítico. A título de exemplo, a questão da gerência ineficaz e perdulária da Celg atravessa décadas: o ato de a empresa já ter patrocinado até lutador de boxe ou piloto de corrida de categorias inferiores no automobilismo nos Estados Unidos não é nem de longe o fato mais grave, em meio a tantas suspeitas de irregularidades na gestão financeira que a levou ao caos. Mas não deixa de ser simbólico para mostrar como se atalha até o fundo do poço.
O governo diz querer levar esses megaempreendedores para as regiões mais remediadas do Estado. Mas como fazer isso, se não há o básico ainda para servir a quem se dispor à empreitada? Acesso à água e a um sistema de esgoto são essenciais para a instalação de grandes empreendimentos. Nesse sentido, assim como o País tem sua “Europa” no Sul-Sudeste e sua “África” no Norte-Nordeste — como, aliás bem relata a senadora Lúcia Vânia (PSDB) na entrevista desta edição —, Goiás acaba retratando os dois Brasis: se o Centro-Sul do Estado tem estrutura similar a de unidades federativas como Paraná e Santa Catarina, no Norte e no Nordeste do Estado, suas regiões mais carentes, o perfil é semelhante ao do interior do Maranhão e de Alagoas, localidades arrasadas pelos desmandos de governantes que, em pleno século 21, tratam-nas como capitanias hereditárias.
E os fatos apontam para uma inconsistência: se o PIB mostra crescimento, o que está impedindo então o Estado de se desenvolver? Onde estão os gargalos? A nova edição da revista “Goiás Industrial” (número 252), editada pelo Sistema Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg) e que deve circular nos próximos dias, trata exatamente desse assunto: o que emperra o Estado de crescer. Na matéria esclarecedora de Lauro Veiga Filho, à qual o Jornal Opção teve acesso, há uma expressão sintomática de Célio Oliveira, presidente do Conselho Temático de Infraestrutura (Coinfra) da Fieg: “Não é exatamente por falta de diagnóstico que os grandes gargalos na área de infraestrutura em Goiás não têm sido corretamente enfrentados.”
É verdade: os problemas que atravancam o progresso de Goiás são por demais já conhecidos, mas vale relatá-los mais uma vez: deficiência no fornecimento de energia elétrica, falta de qualidade nas vias de escoamento (rodovias precárias e ausência de ferrovias) e falta de saneamento básico e água tratada. E o que é o mínimo que uma empresa de qualquer porte espera ao se instalar em um local? Uma rede energética confiável, um sistema de água e esgoto acessível e vias decentes para transportar seu produto.
A carência desse “pacotão” básico não combina com o índice chinês de crescimento. Pelo contrário, causam um “efeito vergonha” se apresentados na mesma sessão de prestação de contas. Ora, se a economia cresce 3,8% em um ano, fica evidente que não é pela qualidade de infraestrutura oferecida. O produtor rural, o empresário, enfim qualquer empreendedor se torna um pequeno herói por enfrentar as agruras e ainda trazer tal resultado para a economia. Um discurso honesto diria, de forma sintética: “Apesar de todas as deficiências — energéticas, hídricas e logísticas — chegamos a quase 4% de crescimento em 2012, graças à tenacidade dos que produzem em Goiás.”
Não se pode, obviamente, jogar a culpa exclusiva ou principalmente na atual gestão estadual pelo quadro crítico. A título de exemplo, a questão da gerência ineficaz e perdulária da Celg atravessa décadas: o ato de a empresa já ter patrocinado até lutador de boxe ou piloto de corrida de categorias inferiores no automobilismo nos Estados Unidos não é nem de longe o fato mais grave, em meio a tantas suspeitas de irregularidades na gestão financeira que a levou ao caos. Mas não deixa de ser simbólico para mostrar como se atalha até o fundo do poço.
O governo diz querer levar esses megaempreendedores para as regiões mais remediadas do Estado. Mas como fazer isso, se não há o básico ainda para servir a quem se dispor à empreitada? Acesso à água e a um sistema de esgoto são essenciais para a instalação de grandes empreendimentos. Nesse sentido, assim como o País tem sua “Europa” no Sul-Sudeste e sua “África” no Norte-Nordeste — como, aliás bem relata a senadora Lúcia Vânia (PSDB) na entrevista desta edição —, Goiás acaba retratando os dois Brasis: se o Centro-Sul do Estado tem estrutura similar a de unidades federativas como Paraná e Santa Catarina, no Norte e no Nordeste do Estado, suas regiões mais carentes, o perfil é semelhante ao do interior do Maranhão e de Alagoas, localidades arrasadas pelos desmandos de governantes que, em pleno século 21, tratam-nas como capitanias hereditárias.
Norte-Sul, a vergonha
No que diz respeito aos gargalos do desenvolvimento goiano, a Ferrovia Norte-Sul merece um capítulo à parte: certamente o desenvolvimento do Estado — e do próprio País — seria outro se houvesse vontade política de concluí-la no menor prazo. Enquanto a China construiu em pouco mais de três anos uma superferrovia para trem-bala entre suas duas maiores metrópoles, Pequim e Xangai, a obra que seria o eixo de sustentação do sistema ferroviário brasileiro se arrasta há mais de 25 anos.
A reportagem da “Goiás Industrial” revela um quadro ainda mais grave: em um pequeno texto intitulado “A ferrovia da vergonha”, o repórter Lauro Veiga Filho mostra que, mesmo se a Norte-Sul fosse inaugurada hoje até Anápolis, a partir de Palmas, dificilmente serviria para transportar “sequer uma tonelada”. O problema é que a lentidão da obra fez com que ela fosse invadida pelo mato em vários pontos. Bem mais sérios do que isso são os problemas estruturais do empreendimento: há comprometimento da resistência de trilhos, com durabilidade inferior à ideal, soldas de baixa qualidade e erros de emendas entre os trilhos. Mesmo solucionados esses “abacaxis”, faltaria algo básico: não há terminais de transbordo para a movimentação das cargas. A matéria resume a situação: “A Norte-Sul se parece muito mais com ferrovias fantasmas do Velho Oeste norte-americano.” Um quadro desalentador.
Como as obras já foram entregues pelas empreiteiras à Valec, estatal responsável pela ferrovia, a União terá de desembolsar mais algumas centenas de milhões de reais para adaptar o que foi feito às necessidades atuais. Na relação custo-benefício, especialmente para o Estado de Goiás, a Norte-Sul talvez seja, até agora, a obra mais cara da história do Brasil: muito já se despejou de dinheiro e mais ainda precisará ser derramado para sua conclusão, em meio a uma sucessão de escândalos que ajuntam superfaturamentos e altas suspeitas de enriquecimento ilícito por parte de gestores como Juquinha das Neves, ex-presidente da Valec.
Da mesma forma, a qualidade das estradas goianas nunca foi exatamente uma preocupação dos governantes. Fazer asfalto é diferente de providenciar vias ideais ao escoamento da safra. Não fosse assim, as rodovias goianas propaladas em quantidade durariam décadas e não anos — semestres, em alguns casos — e viriam todas com acostamento. É absurdo dizer isso, mas é verdade: vários projetos de GOs foram executados sem a preocupação básica de incluir... um acostamento. Será que alguém já pensou em calcular quantos acidentes foram causados pela falta de um item essencial como esse nessas rodovias?
No que diz respeito aos gargalos do desenvolvimento goiano, a Ferrovia Norte-Sul merece um capítulo à parte: certamente o desenvolvimento do Estado — e do próprio País — seria outro se houvesse vontade política de concluí-la no menor prazo. Enquanto a China construiu em pouco mais de três anos uma superferrovia para trem-bala entre suas duas maiores metrópoles, Pequim e Xangai, a obra que seria o eixo de sustentação do sistema ferroviário brasileiro se arrasta há mais de 25 anos.
A reportagem da “Goiás Industrial” revela um quadro ainda mais grave: em um pequeno texto intitulado “A ferrovia da vergonha”, o repórter Lauro Veiga Filho mostra que, mesmo se a Norte-Sul fosse inaugurada hoje até Anápolis, a partir de Palmas, dificilmente serviria para transportar “sequer uma tonelada”. O problema é que a lentidão da obra fez com que ela fosse invadida pelo mato em vários pontos. Bem mais sérios do que isso são os problemas estruturais do empreendimento: há comprometimento da resistência de trilhos, com durabilidade inferior à ideal, soldas de baixa qualidade e erros de emendas entre os trilhos. Mesmo solucionados esses “abacaxis”, faltaria algo básico: não há terminais de transbordo para a movimentação das cargas. A matéria resume a situação: “A Norte-Sul se parece muito mais com ferrovias fantasmas do Velho Oeste norte-americano.” Um quadro desalentador.
Como as obras já foram entregues pelas empreiteiras à Valec, estatal responsável pela ferrovia, a União terá de desembolsar mais algumas centenas de milhões de reais para adaptar o que foi feito às necessidades atuais. Na relação custo-benefício, especialmente para o Estado de Goiás, a Norte-Sul talvez seja, até agora, a obra mais cara da história do Brasil: muito já se despejou de dinheiro e mais ainda precisará ser derramado para sua conclusão, em meio a uma sucessão de escândalos que ajuntam superfaturamentos e altas suspeitas de enriquecimento ilícito por parte de gestores como Juquinha das Neves, ex-presidente da Valec.
Da mesma forma, a qualidade das estradas goianas nunca foi exatamente uma preocupação dos governantes. Fazer asfalto é diferente de providenciar vias ideais ao escoamento da safra. Não fosse assim, as rodovias goianas propaladas em quantidade durariam décadas e não anos — semestres, em alguns casos — e viriam todas com acostamento. É absurdo dizer isso, mas é verdade: vários projetos de GOs foram executados sem a preocupação básica de incluir... um acostamento. Será que alguém já pensou em calcular quantos acidentes foram causados pela falta de um item essencial como esse nessas rodovias?
ANÁLISE
Estado precisa ofertar ao menos o mínimo
A questão é simples e difícil: ou Goiás investe pesadamente em infraestrutura ou vai continuar dependendo de acasos para alcançar números bons no PIB. Por outro lado, um porcentual maior desse mesmo PIB precisa ser reinvestido na própria infraestrutura. Ou seja, é preciso aumentar a margem do orçamento destinada a investimentos dessa ordem, o que significa reduzir gastos menos necessários — o que não é tarefa fácil quando se está em um governo de coalizão.
Vendo sob esse aspecto, talvez não seja apenas coincidência o fato de que os maiores investimentos em infraestrutura no Estado e no País — rodovias extensas, praças esportivas, pontes de grande porte etc. — tenham se dado durante os anos da ditadura militar: afinal, em regimes de exceção não há dezenas de partidos pressionando por cargos nem Ministério Público e tribunais fiscalizando contas. Um preço muito caro, porém, por mais agilidade.
Um Estado com agronegócio tão forte e que pretende se tornar industrializado a ponto de concorrer se tornar um novo “Paraná” precisaria investir de forma maciça em tudo aquilo que favorecesse quem quer produzir. Mas não é o que ocorre. Um exemplo entre vários: por falta de uma rede de transmissão de maior qualidade, é perdida grande quantidade de energia produzida pela biomassa de boa parte das usinas sucroalcooleiras do Estado. Um desperdício imperdoável em termos de estrutura e também de sustentabilidade econômica e ambiental.
A respeito de infraestrutura, as obras do programa Rodovida são uma espécie de pontapé inicial. A Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop) garante que o material usado na reconstrução — um termo diferente de “recapeamento” ou “reforma” e que é por si muito significativo — das estradas sob a tutela do Estado é de primeira linha. Seria, portanto, obra para durar décadas, ao contrário de muito asfalto que já foi feito em épocas e gestões anteriores. Se for mesmo assim, uma malha viária eficiente, que dê suporte à carga das safras goianas, vai, entre outras coisas, diminuir o desperdício de grãos e o tempo das viagens. É um bom começo.
O próximo passo é fazer cumprir a promessa de levar água tratada e saneamento básico a todo o Estado. Não dá para pensar em desenvolvimento sem o mais básico dos elementos de sobrevida. A Saneago precisa ser reestruturada e priorizada para dar suporte a essa demanda. Tendo acesso fácil à água em qualquer município, o Estado ganha um ponto na atração de indústrias.
Junte-se a recuperação de fato daquela que já foi a maior empresa do Centro-Oeste e teremos um pacote bem recheado para puxar o desenvolvimento do Estado: a Celg precisa ser “ressuscitada”. O aprimoramento do programa de eletrificação rural deve ser acompanhado de soluções para os gargalos na rede de transmissão. Se o empreendedor quer vir para o Estado, que se sinta confortável para, seja o que for que precisar em termos de potencial elétrico, que esteja bem servido. Em um país sério, é o mínimo que se espera.
Há um outro lado na questão da estruturação de um Estado sólido: a educação e a qualificação, sem as quais de nada adianta uma infraestrutura de ponta. Mas isso já é conversa para outra matéria.
Vendo sob esse aspecto, talvez não seja apenas coincidência o fato de que os maiores investimentos em infraestrutura no Estado e no País — rodovias extensas, praças esportivas, pontes de grande porte etc. — tenham se dado durante os anos da ditadura militar: afinal, em regimes de exceção não há dezenas de partidos pressionando por cargos nem Ministério Público e tribunais fiscalizando contas. Um preço muito caro, porém, por mais agilidade.
Um Estado com agronegócio tão forte e que pretende se tornar industrializado a ponto de concorrer se tornar um novo “Paraná” precisaria investir de forma maciça em tudo aquilo que favorecesse quem quer produzir. Mas não é o que ocorre. Um exemplo entre vários: por falta de uma rede de transmissão de maior qualidade, é perdida grande quantidade de energia produzida pela biomassa de boa parte das usinas sucroalcooleiras do Estado. Um desperdício imperdoável em termos de estrutura e também de sustentabilidade econômica e ambiental.
A respeito de infraestrutura, as obras do programa Rodovida são uma espécie de pontapé inicial. A Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop) garante que o material usado na reconstrução — um termo diferente de “recapeamento” ou “reforma” e que é por si muito significativo — das estradas sob a tutela do Estado é de primeira linha. Seria, portanto, obra para durar décadas, ao contrário de muito asfalto que já foi feito em épocas e gestões anteriores. Se for mesmo assim, uma malha viária eficiente, que dê suporte à carga das safras goianas, vai, entre outras coisas, diminuir o desperdício de grãos e o tempo das viagens. É um bom começo.
O próximo passo é fazer cumprir a promessa de levar água tratada e saneamento básico a todo o Estado. Não dá para pensar em desenvolvimento sem o mais básico dos elementos de sobrevida. A Saneago precisa ser reestruturada e priorizada para dar suporte a essa demanda. Tendo acesso fácil à água em qualquer município, o Estado ganha um ponto na atração de indústrias.
Junte-se a recuperação de fato daquela que já foi a maior empresa do Centro-Oeste e teremos um pacote bem recheado para puxar o desenvolvimento do Estado: a Celg precisa ser “ressuscitada”. O aprimoramento do programa de eletrificação rural deve ser acompanhado de soluções para os gargalos na rede de transmissão. Se o empreendedor quer vir para o Estado, que se sinta confortável para, seja o que for que precisar em termos de potencial elétrico, que esteja bem servido. Em um país sério, é o mínimo que se espera.
Há um outro lado na questão da estruturação de um Estado sólido: a educação e a qualificação, sem as quais de nada adianta uma infraestrutura de ponta. Mas isso já é conversa para outra matéria.
Fonte: Jornal Opção