Césio 137: 25 anos de preconceito
Um dos maiores acidentes radioativos do mundo, vítimas ainda são vistas pela sociedade como “transmissoras da morte”
Era setembro de 1987 quando a cápsula que continha o Césio 137 foi encontrada no antigo Instituto de Radiologia de Goiás, no Centro de Goiânia. Daquele momento em diante, centenas de pessoas seriam contaminadas pela substância radioativa. Odesson Alves Ferreira, 57, era motorista de ônibus de uma companhia de transporte coletivo. Naquele ano, casado e com filhos. Sem suspeitar do perigo, teve o primeiro contato com pó que brilhava no escuro. Desde então, nem ele e nem sua vida seriam os mesmos, principalmente pela discriminação que sofre há 25 anos.
Mesmo duas décadas e meia após o acidente radioativo de Goiânia, como ficou conhecido, as vítimas do Césio 137 ainda são assombradas pelo fantasma do preconceito. “Não posso andar de cabeça erguida, não é fácil enfrentar, mas também não dá para fugir”, conta Odesson, que é presidente da Associação das Vítimas do Césio 137 (AVcésio). A família dele foi a mais afetada com o acidente. A sobrinha, Leide das Neves, à época com 6 anos, e a cunhada Maria Gabriela, morreram no mesmo dia, por contaminação. Anos depois, Odesson perderia os irmãos, Devair e Ivo Ferreira Alves, com sequelas deixadas pela radiação.
“Quando ando pelas ruas sou apontado como ‘o homem do césio’, isso me desmonta”, garante. Odesson conta que tentou abrir um bar em frente à sua casa, mas não teve sucesso porque “o povo tinha medo da cerveja estar contaminada”. Um dia, à espera de um ônibus, um homem o reconheceu e disse que “tinha que chamar a polícia senão eu iria contaminar todos ali”. Um de seus filhos trabalhava numa indústria de móveis há sete anos e, no dia em que souberam que se tratava de uma das vítimas do Césio 137, o rapaz foi demitido. “O chefe dele alegou que não ia com a cara dele.”
Até para ministrar as palestras que faz pelo país sobre o acidente com o Césio, Odesson faz preparação psicológica. “As palestras me ajudou a viver, a superar alguns traumas, mas sempre fico pensando em quantas pessoas estão com medo de mim enquanto falo com elas. Já aconteceu de se aproximarem de mim para me agredir. O acidente aconteceria de qualquer forma, se não fosse com a minha família, seria com outra”, acredita.
Com a voz mansa, mas carregada de sofrimentos, Lourdes das Neves Ferreira, 60, afirma que a vida não foi nada fácil depois do césio 137 – e ainda não é. “A gente não vive, a gente vegeta.” Quando aconteceu o acidente, ela era casada com Devair Ferreira Alves e são os pais da menina Leide. A dona de casa viu a filha adoecer depois de ingerir uma porção da substância radioativa que o pai havia levado para casa, encantado com o “brilho azul”.
Hoje, a vida social de Lourdes é limitada. O preconceito está presente no seu cotidiano, tanto que uma das passagens mais marcantes ocorreu quando descobriram sua identidade em um salão de beleza. “Minha manicure perdeu praticamente todas as clientes quando souberam que ela estava fazendo a unha de uma vítima do Césio 137.” As situações constrangedoras não param. “Minha vizinha morria de medo de mim. Quando conheço uma pessoa, ela me olha de um jeito, mas quando sabe que sou vítima, muda.”
Fonte: Jornal O Hoje