Goianos apostam em uva
O produtor Natal Leonel, junto com a esposa, o filho e alguns poucos funcionários, colhem as uvas do parreiral em que estão há quatro anos. As características físicas e o sotaque carregado não deixam dúvidas de que se trata de um gaúcho, mais precisamente de Caxias do Sul. Se engana, no entanto, quem acha que sua produção está nos pampas. A propriedade rural da família se encontra em pleno cerrado, com nove hectares de parreiral em Santa Helena de Goiás.
O cultivo da uva, inimaginável há algum tempo, tem ganhado cada vez mais espaço na agricultura goiana e agrada muito a quem está acostumado com a cultura. “Nós lá (no sul) temos que trabalhar mais para ganhar menos. Em todos os sentidos, a produção aqui é mais favorável”, diz Natal. Entre os pontos positivos ele aponta a qualidade do solo e o clima. “No sul, fica dias chovendo. Aqui não, chove de manhã e à tarde já tem sol.”
O resultado das características da região é uma produção acima da média nacional. Enquanto a produção brasileira fica em torno de 20 toneladas por hectare, a média goiana é 50% maior, chegando a 30 toneladas. Além disso, a ausência de estações rígidas faz com que sejam produzidas duas safras por ano, diferente do que ocorre no Sul do País.
Até mesmo quem está há pouco tempo no ramo, o lavrador Leonildo Manuel Chagas, há uma semana trabalhando na colheita da uva na propriedade de Natal, só tem elogios. Ele, que já passou em várias culturas, pela pecuária e vendeu alface durante muito tempo, diz que com a uva o serviço é muito mais tranquilo. “É bom de trabalhar e de vender. Com a uva a gente trabalha embaixo da sombra. É a primeira vez que faço isso, mas estou gostando muito.”
Toda essa série de fatores favoráveis explica os números surpreendentes da produção de uva no Estado. Em plena crise econômica, a produção contou com um aumento de 200% em relação ao ano passado, chegando a 500 hectares de produção, distribuídos por aproximadamente 250 propriedades rurais, que teriam produzido, em apenas uma safra, 15 mil toneladas da matéria-prima do vinho. A produção nacional em 2007 chegou a 1,2 milhão de toneladas, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Atualmente com 30 municípios produzindo uva, o interesse pela cultura aumenta acompanhando a alta da produção. “A Seagro foi procurada por 56 municípios e o governador já autorizou concurso de 30 doutores na área de pesquisa que vão dar suporte em toda a produção. É uma nova cultura que desponta em Goiás e terá todo o apoio da Secretaria da Agricultura”, diz o secretário da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Leonardo Veloso.
PODER PÚBLICO APOSTA NO USO DE TECNOLOGIA
De olho nesse nicho, o governo do Estado tem apostado em tecnologia para poder melhorar ainda mais a produtividade em Goiás. Na última sexta-feira, durante a realização da 2ª Festa da Uva de Goiás, foi inaugurado o Centro de Tecnologia Luiz Humberto de Menezes, que tem como objetivo promover pesquisas para a vitivinicultura. Com investimento de R$ 1 milhão, o centro de pesquisa que fica em Santa Helena, conta com dois laboratórios, salas de treinamento, auditório, alojamento e uma estação experimental. Para a inauguração da unidade, será oferecido um curso de capacitação destinado a produtores, que terão cinco módulos durante seis meses.
A inauguração do Centro de Tecnologia durante a realização da Festa da Uva não é mera coincidência. A prefeita de Santa Helena e primeira-dama de Goiás, Raquel Rodrigues, lembra que a Festa da Uva, mais do que uma comemoração, é um espaço para a fomentação de discussões a respeito da cultura no Estado. “Mais importante do que parecer uma festa, é uma feira, que traz investimentos e vai ter mais investimentos porque a uva pode se tornar um dos grandes produtos rentáveis no Estado”. A própria programação da feira é focada nisso. Na sexta-feira, foram realizadas duas mesas redondas e duas palestras com profissionais de vários estados. A primeira mesa redonda discutiu as técnicas de cultivo e as experiências de produtores, com Rita Mércia Estigarribia Borges, da Embrapa de Petrolina (PE). Depois da pernambucana foi a vez da paulista Simone Rodrigues falar sobre o mercado de uva de mesa. Já o tema Cultivares de uva para mesa e vinho contou com as explanações de Sérgio Motoike, da Universidade Federal de Viçosa. (P.S.)
CULTURA PARA ALAVANCAR REGIÃO
Além de render bons índices econômicos, a produção de uva é vista como uma boa oportunidade para o desenvolvimento social. O motivo se deve ao fato de que a produção não necessita de muito espaço. De acordo com o secretário da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Leonardo Veloso, isso faz com que a cultura seja bem-vinda em pelo menos duas situações. “Temos duas formas de olhar isso. A primeira, é que como é uma cultura de pequena área, pequenos produtores podem produzir tranquilamente. Outro ponto, é que é uma alternativa aos grandes produtores, que poderão utilizar a uva como segunda cultura.”
Associando uma série de fatores positivos, a Seagro quer agora levar a cultura para o nordeste goiano, uma das mais pobres regiões do Estado. “Isso faz parte da política de descentralizar os investimentos. Estamos com essa estratégia (de levar a uva ao nordeste). Nós começamos uma pesquisa para ver a viabilidade de direcionar uma unidade experimental para avaliar o desempenho da região.”
O maior entrave, que seria o custo de produção, pode ser amenizado com a ajuda do poder público. “O alto custo não é empecilho. O governo tem vários mecanismos para alavancar a produção, com financiamentos do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO), do BNDES e de outros agentes públicos”, diz o secretário.
Hidrolândia
O produtor Salvador Yoshiaki Kodawara – que se dedica há 27 anos ao cultivo de uva – decidiu se mudar em 2002 para Hidrolândia, para continuar sua produção. O que o motivou foi o fato de encontrar um mercado menos competitivo que o do interior paulista, de onde veio. Para ele, o clima mais seco do cerrado tem vantagens. (P.S.)
Jornal Hoje