O Abondono do Trem da história
Mal preservada, a antiga Estação Ferroviária de Goiânia não oferece qualquer tipo de atividade cultural à população.
A antiga Estação Ferroviária de Goiânia, localizada na Praça do Trabalhador, é uma obra de muitos valores. Ela ajuda a contar um capítulo importante da Capital, pois nasceu junto com a sua construção. É também uma das edificações mais representativas em estilo Art Déco no Brasil. E além do seu peso histórico e arquitetônico, agrega também o valor associado ao campo do imaginário, aquilo que é sentido por cada um que visita ou passa pelo velho prédio, algo que não pode ser medido. Como, então, justificar que uma obra importante para os goianos possa estar tão mal administrada pelo poder público municipal?
Em um breve passeio pela estação é possível verificar problemas existentes por lá. Na área externa, por exemplo, as calçadas estão danificadas em vários pontos e a pintura do prédio está em péssimas condições. A velha locomotiva, ou Maria Fumaça, que andou a todo vapor pela estrada de ferro um dia, e agora é exposta no local, está com bastante lixo e até fezes podem ser encontradas em seu interior. A grama em volta da estação também precisa de cuidados. Na área interna, painéis pintados por Frei Giuseppe Confaloni (expoente do Modernismo goiano) que retratam a a construção da Estrada de Ferro Goiás (EFG), merecem atenção especial. Assim como infiltrações e focos de mofo no andar superior do prédio.
A antiga Estação Ferroviária é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) desde o ano de 2003. Ela foi inaugurada durante o mandato do governador Pedro Ludovico Teixeira, em novembro de 1952, e desativada na década de 1970. No período em que funcionou, a Estrada de Ferro possuía cerca de 480 quilômetros, passava pela cidade de Anápolis, Goiânia, outras localidades do interior goiano até chegar a Araguari (MG). Atualmente o prédio da velha estação abriga uma base da Guarda Municipal e a única atividade cultural que existe por lá são os ensaios da Banda Marcial de Goiânia.
O aposentado Milton Lúcio, de 69 anos, tem boas lembranças da época em que a estação estava em pleno funcionamento. Ainda garoto, ele recorda da primeira vez em que andou no trem, na companhia do seu pai, rumo ao interior de Goiás. “Eu cheguei aqui era tudo tão bonito, cheinho de gente. Naquela época se podia conversar com todo mundo. Era bom demais pegar o trem e sumir nesse mundo. Isso aqui era chique demais”, diz ele ao se referir à estação. Nas boas lembranças do local, Milton lembra que o trem tinha diversos vagões, alguns deles eram destinados à carga, e outros apenas para o transporte de passageiros.
Se as memórias do idoso remetem a boas lembranças, o atual momento da antiga estação não é nada agradável de se ver. “Esse 'trem' era tão bonito, mas hoje está assim. Não é mais aquele ambiente familiar do passado. Mas que abandono!”, reclama Milton. Segundo ele, o local carece de uma reforma, para que fique “mais bonito” e tenha condições de virar um ponto turístico na capital. Um espaço, em sua opinião, que seja prazeroso de trazer a família e filhos para usufruírem de um local que guarda uma parte muito importante da história de Goiânia, e da qual se orgulha de ter sido testemunha.
Um projeto para todos
Arquiteta e urbanista Maria Eliana Jubé Ribeiro, que é conselheira do Conselho de Arquitetura de Goiás (CAU/GO) e professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), conta que a obra da antiga estação ferroviária de Goiânia é uma das mais representativas do estilo no Brasil e até no mundo. Segundo ela, porque agrega todos os elementos que dão significação ao estilo Art Déco, como a simetria, as cores, as linhas retas e, no caso da Estação, também a parte central que traz o relógio afixado no ponto mais alto. O conjunto da obra em si é também singular por fazer parte do traçado clássico inicial da cidade de Goiânia, projetada por Atílio Correia Lima, afirma.
Sobre a revitalização do local, Maria Eliana alerta que um novo espaço deve ser pensado de maneira que traga significação para toda a população, sobretudo para as pessoas residentes nas proximidades. “Para que seja criado um sentimento de pertencimento para com o espaço. Porque quem cuida é quem gosta”, destaca a educadora. E também que a concepção de um novo espaço deve levar em conta a função social que terá, o quanto será capaz de suscitar o gosto pelo passado. Seja por meio de atividades culturais, ou por elementos que ajudem a contar a história da estação e consequentemente da cidade. “É preciso pensar em algo que contemple a contemporaneidade, mas reconhecendo a história”, destaca.
A também arquiteta e coordenadora técnica da Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Goiás, Beatriz Otto, lembra que a antiga estação é um dos bens mais representativos tombados pelo Iphan em Goiás. E reforça a ideia de que uma restauração precisa vir acompanhada de um projeto de ocupação para o lugar. Beatriz lembra que o espaço já passou por uma reforma há alguns anos, mas que desde então não houve um preenchimento do lugar com atividades culturais, o que prejudicou a manutenção do próprio bem.
Nova proposta de revitalização
A última reforma realizada na Estação Ferroviária foi em 2004, na gestão do Prefeito Pedro Wilson (PT). Na época, conforme material divulgado no endereço eletrônico http://portal.iphan.gov.br/ e datado de Julho de 2004, consta que seriam realizadas a impermeabilização do telhado, troca do piso, recuperação das partes hidráulicas e elétricas e pintura do prédio. Além disso, havia previsão de transformar a estação em um espaço cultural que abrigasse um restaurante, palco, auditório, cyber-café, empório goiano, Espaço Confaloni, além de salas de exposições. O texto dizia também que “o acervo permanente contará a história da ferrovia e terá um Núcleo de Memória”. A parte referente a ocupação com atividades culturais, ao que parece, ficou na teoria.
Questionado sobre a situação do patrimônio histórico-cultural, o atual secretário municipal de cultura de Goiânia, Ivanor Florêncio, que tomou posse em janeiro deste ano, disse que há previsão de restauração e revitalização do local para 2014. Segundo ele, as obras devem começar no mês de agosto e se estenderão por um ano. Os recursos, aproximadamente R$ 8 milhões virão do governo federal, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC II). Conforme Ivanor, já foram feitos projetos e estudos técnicos exigidos pelo Governo Federal e encaminhados à Brasília, e que agora a secretaria aguarda um parecer favorável para a liberação da verba.
Se os recursos vierem, a proposta da Secult Goiânia é investir na recuperação da área externa e interna e criar na Estação um espaço multiuso. Que deve ser formado por uma galeria de arte, bistrô, biblioteca, além de espaço para formação na área de dança. Dentro da nova concepção, segundo Ivanor Florêncio, também estão previstas a instalação da sede da administração do local bem como a restauração dos murais de Frei Confaloni. A Guarda Municipal e a Banda Marcial de Goiânia vão permanecer no espaço. A partir das mudanças, Florêncio afirma que a ideia é usar o local como uma forma de potencializar o turismo na capital. “A estação é um dos lugares mais bonitos de Goiânia”, reconhece.
Local vira um grande estacionamento
Durante a Feira Hippie, que acontece todos os domingos na Praça do Trabalhador, a área da Estação serve de estacionamento para os carros das pessoas que visitam a feira. Tanto nas calçadas que dão acesso à parte frontal, bem como na parte de trás da estação, onde antigamente existiam os trilhos de ferro, aos domingos é dominado por automóveis. E também pessoas que comercializam produtos como água e refrigerantes.
Sobre a utilização da praça como estacionamento no final de semana, a Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMT) informou, via nota, que há fiscalização periódica nos bairros próximos a Feira Hippie, e que a região está no cronograma semanal de fiscalização da pasta. O texto diz que nas quintas-feiras, agentes ficam das 12h às 20h, nas sextas-feiras das 12h às 22h e aos sábados e domingos das 6h às 18h. Apesar da fiscalização, o grande número de carros estacionados na praça, que a reportagem flagrou quando esteve na Estação no domingo, mostra que muitos que visitam a feira continuam a desobedecer às leis de trânsito. Com isso, a área de passeio da praça ao redor da Estação, que deveria ser usada só por pedestres, acaba subutilizada de de maneira irregular.
Fonte: Tribuna do Planalto