José Cácio Júnior
Privatização, desestatização, concessão, alienação de ações de empresas estatais, formação de Parceria Público-Privadas (PPP’s), aporte de capital da iniciativa privada, gestão compartilhada, entre outros. Não importa o termo, a decisão do governo de vender parte das ações das empresas da máquina pública para a iniciativa privada tem sido um dos temas mais polêmicos no início do terceiro mandato de Marconi Perillo (PSDB).
A principal justificativa do governo é que o Estado não possui recursos em caixa para financiar os investimentos necessários para desenvolver e até mesmo manter parte das empresas, como Celg, Iquego e Ceasa. Marconi tem o objetivo de otimizar a gestão pública, abrindo espaço para que os órgãos da administração estatal adotem modelos da iniciativa privada.
No entanto, a oposição tem criticado de forma veemente a opção do governo de realizar uma gestão compartilhada e a possibilidade de venda de parte de ações para a iniciativa privada. Com muita eficiência, setores da sociedade civil e políticos, principalmente do PT, pegaram carona na já negativa marca de privatizador que o partido conseguiu imprimir no PSDB por conta das gestões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Para discutir a viabilidade de investimentos por conta da iniciativa privada nas empresas públicas, o governo criou o Conselho Estadual de Investimentos, Parcerias e Desestatização (Cipad) para discutir as alternativas econômicas e de parcerias que o Estado pode firmar com empresas do setor privado. Na primeira reunião do Cipad, o secretário de Gestão e Planejamento (Segplan), Giuseppe Vecci, fez questão de frisar que a atual administração não quer entregar o patrimônio púbico à iniciativa privada.
“Estamos falando de investimentos, parcerias e desestatização. Privatização é quando você vende totalmente um bem público. Não é o caso do que estamos analisando”, justifica Vecci. Apesar do esforço do governo de retirar o rótulo de privatizador, a ideia de atrair investimentos da iniciativa privada tem tido resistência de parte da sociedade.
Durante a primeira reunião do Cipad, Marconi explicou que as parcerias já faziam parte do plano de governo definido ainda durante a campanha e era um dos temas da reforma administrativa aprovada pela Assembleia Legislativa. “O objetivo é definirmos focos de parcerias privadas, concessões, enfim, possibilidades de parceiros, de sócios do governo, para implementação de obras e serviços, buscando trazer capital externo, privado, que falta ao Estado e fazer os investimentos de acordo com as demandas da população.”
Uma das defesas do governo é que as parcerias irão “dinamizar” e “alavancar” o crescimento econômico e estrutural das empresas que atualmente passam por aperto financeiro. A Celg, que pode ser analisado como um dos casos mais graves, espera resposta do governo federal sobre o plano de recuperação da empresa que foi formatado.
Pelo plano, a Celg tenta contrair um empréstimo de R$ 2,7 bilhões — que será dividido em duas parcelas — para quitar as dívidas da estatal com o setor financeiro. A partir disso, o vice-governador e presidente da Celg, José Eliton (DEM), tenta encontrar parceiros que tenham interesse em adquirir até 49% das ações da companhia. Por essa quantidade do patrimônio da Celg, o governo espera receber até R$ 1 bilhão da iniciativa privada. As companhias elétricas de Minas Gerais e Paraná — Cemig e Copel respectivamente — já mostraram interesse em adquirir parte das ações da Celg. Eliton também já conversou com a SC Parcerias, empresa estatal de Santa Catarina que investe na área estrutural. O presidente da Diretoria Executiva da SC Parcerias, Enio Andrade Branco, já foi presidente da Celg.
A tendência é que o governo só consiga o aporte financeiro do setor privado se o governo federal considerar o plano de recuperação da Celg e aprovar a contratação do empréstimo de R$ 2,7 bilhões. É pouco provável que uma empresa do setor arrisque investir na Celg se a companhia não quitar as dívidas que possui com o setor elétrico. O plano de recuperação também prevê recuperação financeira até 2015 e investimentos em geração e distribuição de energia e retransmissores até 2019.
Outra estatal que pode ter parte dos recursos desestatizados — termo com que o governo classificou as parcerias — é a Centrais de Abastecimento de Goiás (Ceasa). Uma das alternativas é a alienação total à União. A reportagem entrou em contato com o presidente do órgão, Edvaldo Crispin, que não quis se manifestar sobre o caso. Segundo a assessoria de imprensa da Ceasa, Edvaldo já se reuniu com empresários, representantes de classes, com a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Irrigação (Seagro) e com Vecci para discutir ações que podem ser adotadas para modernizar a gestão do órgão.
A reportagem também entrou em contato com Vecci, com o secretário da Casa Civil — Vilmar Rocha (DEM) — e com o secretário de Articulações Institucionais, Daniel Goulart, mas eles não foram encontrados para comentar sobre as propostas do governo.
Oposição
Enquanto Marconi e sua equipe apresentavam o plano de desestatização, a oposição ao grupo tucano não poupou a atual gestão de críticas sobre a abertura de capital do Estado à iniciativa privada. Para a oposição, não existe diferença entre desestatização e privatização, “é tudo a mesma coisa”, disse o deputado estadual Mauro Rubem (PT) ao Jornal Opção.
Para marcar o discurso contrário à desestatização, os deputados da oposição ouvidos pelo jornal resgatam o período do governo de FHC marcado pela venda de empresas estatais para a iniciativa privada, dando espaço para que a oposição criticasse o governo dos tucanos. Esse foi um dos temas da campanha eleitoral do ano passado. Tanto a nível nacional, quanto nos Estados, o ex-presidente Lula (PT) e sua sucessora Dilma Rousseff (PT) bateram na tecla da privatização para contrapor o discurso do PSDB e aliados. O partido novamente não conseguiu deixar claro sua proposta, assim como não defendeu as privatizações realizadas por Fernando Henrique Cardoso.
“Historicamente, onde houve concessão, não deu certo. O PSDB pagou caro com isso, perdendo as últimas eleições para o Lula e de seus aliados”, critica o deputado estadual Luis Cesar Bueno (PT). O petista diz que não é contra a parceria econômica e de gestão entre Estado e parceria privada. Para isso, ele cita a expressão “marco zero”. Na opinião de Luis Cesar, a iniciativa privada pode explorar economicamente serviços e bens do Estado, desde que invista desde o início das obras.
“Defendo as PPP’s de marco zero. A empresa executa determinada obra e cobra da população o serviço prestado. Mas não pode pegar, por exemplo, uma rodovia de Goiânia a Caldas Novas, totalmente esburacada, em que o Estado gastou R$ 42 milhões para construí-la e entregar de mão beijada para a iniciativa privada explorar. Aí é concessão, uma entrega do patrimônio público para ser explorado”, completa.
Luis Cesar acredita que o Estado consegue gerir o Estado com maior competência e condena e diz que os governos precisam encontrar mecanismos para realizar uma “gestão pública eficiente que combata as crises estruturais”.
Mauro Rubem é mais pesado nas críticas e classifica o modelo de concessão de bens públicos à iniciativa privada de “privataria”. O deputado comunga do mesmo pensamento do colega de partido Luis Cesar, dizendo que “o que tem o olhar do lucro coloca em risco o povo”. Mauro Rubem também questiona a “proposta equivocada de privatização”, com o argumento de que a iniciativa privada não tem o interesse de investir em um órgão público que tem tido problemas financeiros. “Quem vai querer comprar uma empresa que não dá dinheiro? A iniciativa privada é movida pelo lucro”, completa o deputado.
Compromisso
O deputado estadual Wagner Siqueira (PMDB), Waguinho, afirma que o governo precisa “empenhar a palavra dita na campanha” e que “o recado das urnas foi diferente”. Waguinho cita o exemplo de que a iniciativa privada pode deixar de prestar serviços à população caso o investimento necessário não dê lucro para a empresa.
O peemedebista cita o caso da Celg como exemplo. “Como vai privatizar 49% da Celg, empresa de fomento? Como fazer quando precisa de intervenção para uma região e não tiver o interesse econômico do parceiro? Não dá lucro, usuários não são tantos para compensar o investimento e vão pensar duas vezes antes de injetar dinheiro. Empresa estatal tem como objetivo prestar um serviço de qualidade à população”, afirma Waguinho.
Como alternativa à situação financeira das empresas, o deputado sugere corte de gastos radical para reverter o quadro. Classificando-se como “fiscal do povo”, Waguinho afirma que considera algumas parcerias interessantes para o Estado e está na “torcida para que Marconi faça um bom governo”, mas é contrário à desestatização de empresas que prestem serviços essenciais ao povo, como saneamento básico, energia e medicamentos.
Presidente da Agetop defende parceria para rodovias
O presidente da Agência Goiana de Transportes e Obras, Jayme Rincon, diz que o corpo técnico do órgão já está estudando a realização de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para algumas rodovias no Estado. O motivo, na exlicação de Rincon, é simples: o governo não tem condições de investir na estrutura rodoviária do Estado.
“Não temos dinheiro em caixa para investir na malha viária que está deteriorada e o Estado não tem condições de contrair empréstimos. Além disso, a verba para os próximos dois anos será utilizada para a manutenção das rodovias”, completa. O presidente da Agetop defende a realização das parcerias com o argumento de que a realização de PPP's é uma tendência no País. Rincon também cita as rodovias de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina, “que são quase todas privatizadas”.
O presidente da Agetop afirma está estudando um modelo de parceria que não seja “danoso ao usuário” e que preste um serviço de qualidade ao cidadão. “Será cobrado um pedágio justo. Afinal, é melhor ter uma rodovia segura, moderna ou não pagar nada e ter uma rodovia sem sinalização e esburacada? Pedágio é cobrado no mundo inteiro, Goiás é exceção”, afirma.
Iquego
O presidente da Indústria Química do Estado de Goiás (Iquego), Olier Alves, afirma que trabalha para encontrar uma alternativa que resolva o déficit financeiro da Iquego com a maior urgência. Olier explica que o problema da Iquego é pior que o da Celg e da Sanego, pois não tem recursos nem para o fluxo de caixa da companhia.
“A fábrica não funciona, não tem recursos para quitar folha dos funcionários, não possui as certidões negativas e preciso de um fluxo de caixa para resolver esses problemas e voltar a produzir medicamentos. A Iquego não suporta uma alternativa demorada”, completa.
A indústria possui dívida de R$ 70 bilhões, mas Olier acredita que com um investimento inicial de R$ 26 milhões é possível conseguir as certidões negativas, retomar a linha de produção da empresa, quitar pagamentos atrasados e comprar insumos médicos. “Tenho que revitalizar a indústria e lidar com a burocracia.”
Olier revela que algumas empresas do setor farmoquímico estão interessadas em adquirir parte das ações da Iquego e já solicitaram informações iniciais sobre a realidade da empresa. No entanto, o processo de análise e levantamento da situação real da Iquego pode levar até um ano. “Pediram informações iniciais para depois aprofundarem. Mas é um processo demorado.”
Parcerias para praças esportivas
Na pauta de investimentos do governo Marconi Perillo (PSDB), constam melhorias em praças esportivas do Estado. O secretário de Esporte e Lazer, José Roberto de Athayde Filho, explica que o governo pediu algumas prioridades para o início da gestão: reforma do Autódromo Internacional Ayrton Senna e do Estádio Serra Dourada.
Três hipóteses são estudadas para o autódromo: valor da reforma para manter o autódromo no mesmo local; possibilidade de parceria para a reforma do complexo; e quanto custaria construir um novo autódromo em outro local. "O governador quer que apresentemos duas ou três alternativas para o Conselho Estadual de Investimentos, Parcerias e Desestatizações (Cipad). Entre elas estudamos se é viável construir um autódromo ou reformar o atual", completa Athayde.
Em relação ao Serra Dourada, o presidente da Agel afirma que nenhuma empresa privada tem interesse em geri-lo, “pois só dá gasto, não tem lucro”. A intenção do governador é reformar o Serra Dourada conforme as exigências da Federação Internacional de Futebol (Fifa) para a Copa do Mundo de 2014. Marconi está em negociação com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para que Goiânia seja cidade-sede.
No entanto, Athayde pretende fazer investimentos que atendam às exigências dos campeonatos nacionais, já que considera o modelo Fifa exagerado. Ele conta que são necessários por volta de R$ 160 milhões para reformar o estádio. Esse investimento seria escalonado nos quatro anos do governo e atenderia as áreas de segurança, tecnologia para a compra de ingressos, melhorias no estacionamento, entre outras ações. Para isso, Athayde tenta conseguir a liberação de emendas parlamentares para a realização das obras. “O plano de investimentos, infelizmente, tem uma dualidade: a do sonho, de trazer a Copa a Goiânia, versus a realidade, que é a falta de recursos.”
Economistas divergem sobre a necessidade de privatização
A discussão sobre desestatização também gera questionamentos entre economistas. O tema não é consenso e há quem defenda a necessidade de parcerias com o setor privado e os estudiosos que defendem a total autonomia do Estado sobre a gestão das empresas públicas.
Para o economista Valter Marin, o Estado tem que oferecer condições estruturais para que empresas ofereceram serviços à população. Na visão do economista, não é função do Estado produzir bens e serviços. “O Estado é um péssimo empresário, não administra tendo em vista a eficiência.” Marin acredita que o PSDB deveria ter defendido o modelo de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso.
O economista cita melhorias que aconteceram nas áreas de telefonia e mineração, por exemplo. Uma das empresas que obtiveram sucesso, na opinião de Marin, foi a Vale, que hoje paga bem mais de impostos à União do que arrecadava quando era empresa pública. “Você imagina hoje em Goiás como seria o serviço da antiga Telegoiás? Analise o avanço que houve na área”, completa. O economista também é a favor da cobrança de pedágio nas rodovias. Segundo ele, no modelo atual, “toda sociedade paga, mas tem gente que não viaja. O justo é só quem precisar viajar pagar pelo serviço que é manter uma rodovia em boas condições de tráfego.”
Para o economista Goyaz do Araguaia Leite, o Estado não deve pensar apenas na obtenção do lucro. O mais importante, defende o economista, é a prestação de serviço de qualidade à população. “Não tem como tratar órgãos estatais apenas como empresas que têm lucro ou não têm lucro. Se isso acontecer, pode levar a população a buscar outros meios para obter serviços, como ligação clandestina de energia. Ou então as pessoas vão à pobreza total.”
A prestação de serviços com qualidade à população, por mais que ocasione prejuízo financeiro aos governos, se transforma em capital político-eleitoral e cria uma identidade de gestão do chefe do Executivo. Vide, por exemplo, Iris Rezende (PMDB), conhecido como o político dos mutirões e construção de casas populares durante seus mandatos. O governador Marconi Perillo (PSDB), por sua vez, é conhecido pela modernidade implementada na gestão pública.
Segundo Goyaz do Araguaia, os governos precisam fazer um relatório completo sobre a realidade da empresa e bater às portas do governo federal para conseguir o apoio financeiro para realizar os investimentos necessários. “Governo tem que ter mais ousadia. É preciso convocar a população, criar fatos políticos, capitalizar essa insatisfação no sentido de pressionar o governo federal para sair dessa armadilha que o vincula às lógicas dos interesses internacionais”, completa.