Corrupção: PF investiga 177 crimes em Goiás

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Estado é o terceiro no ranking de desvios dos cofres públicos. Valores passam de R$ 1,2 bilhão

A Polícia Federal (PF) investiga 177 crimes relacionados com o desvio de recursos públicos em Goiás. Somando os possíveis atos de corrupção que vão desde fraude em licitações até tráfico de influência, os agentes públicos goianos podem ter desviado quase R$ 1,2 bilhão nos últimos anos (veja quadro).

Esse é o valor total investigado atualmente, colocando Goiás na terceira posição do ranking dos Estados que, potencialmente, têm maior incidência de crimes contra os cofres públicos. Com R$ 5,8 bilhões, o Distrito Federal aparece no topo da lista, seguido pelo Rio de Janeiro, com R$ 4,5 bilhões. No país todo, a PF apura o desvio de R$ 15,6 bilhões (leia reportagem nesta página).

Os dados repassados ao POPULAR pela superintendência da PF em Goiás e por sua direção-geral, em Brasília, revelam que estão em fase de investigação 56 fraudes em licitação, 41 crimes cometidos por prefeitos, principalmente desvio e apropriação de bens públicos, 15 atos de corrupção passiva e nove de corrupção ativa, entre outros. Por se tratarem de investigações que estão em andamento, a PF se recusou a repassar mais detalhes dos crimes em apuração.

Apesar de os recursos serem oriundos do governo federal, é grande a quantidade de possíveis crimes cometidos pelos administradores municipais no Estado. Segundo o delegado Rodrigo de Lucca, da delegacia de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal em Goiás, a situação está relacionada com o volume de dinheiro repassado atualmente pela União.

“Existe essa situação. Sãos os municípios que recebem boa parte das verbas e têm o poder de aplicá-las. Alguns municípios são contemplados com valores consideráveis”, afirma.

Responsável por investimentos que ultrapassam a casa de R$ 600 bilhões em todo o país, sendo mais de R$ 40 bilhões em Goiás, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) funciona em parte com o repasse de recursos para prefeituras executarem obras que incluem a construção de creches e unidades de pronto atendimento (UPAs).

IMPUNIDADE

Mesmo com as cifras bilionárias movimentadas em Goiás, nos últimos dois anos a PF só deflagrou uma ação para combater crimes contra os cofres públicos. Trata-se da Operação Trem Pagador, que apurou desvios nas obras da Ferrovia Norte-Sul e culminou com a prisão temporária de José Francisco das Neves, o Juquinha, ex-presidente da Valec, a empresa pública federal responsável pela construção de estradas de ferro no Brasil. O esquema pode ter desviado R$ 60 milhões. Outras cinco pessoas foram presas.

Rodrigo de Lucca explica que o baixo número de ações da PF contra a corrupção era reflexo do pequeno efetivo que atuava na área. Há dois anos, a equipe se resumia a um delegado, um escrivão e dois agentes. Hoje, são três delegados, dois escrivães e cinco agentes. “Esses valores investigados atualmente refletem justamente esse aumento de efetivo. A postura da PF, por orientação da direção-geral é de intensificar as investigações de desvio de recursos públicos”, esclarece o delegado.

“Também é preciso esclarecer que é um tipo de investigação mais demorada. É diferente da apuração de uma quadrilha que atua no tráfico (de drogas), demanda uma análise bem maior. Mas já existem ações em andamento. Elas (as operações) não aconteceram, mas devem acontecer nos próximos meses”, completa Rodrigo de Lucca.

“É apenas a ponta do iceberg”

Procurador da República e coordenador do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal em Goiás (MPF-GO), Helio Telho diz que o controle dos gastos públicos ainda é falho.

Dados da PF mostram que os municípios são os principais alvos de investigações por desvio de verba pública e outros atos de corrupção. Por que isso acontece? Falta fiscalização?
O governo federal concentra 55% da arrecadação do país; uma parte retorna para os municípios, para ser empregado em obras, entre outras coisas. O governo não investe em acompanhamento. Falha na supervisão da aplicação desses benefícios. Mas normalmente, os contratos e todos os gastos passam por auditoria de vários órgãos, pelos Tribunais de Contas, por investigações dos Ministérios Públicos, seja por denúncia ou algum tipo de indício de irregularidade nas prestações de contas, por exemplo.

Onde está, então, o problema?
O governo (federal) concentra investimentos nos municípios por meio de financiamentos do BNDES. O que ocorre é que, nessa modalidade, não há transparência e não é possível investigar. Órgãos de controle não sabem como é empregado esse valor emprestado. A PF, por exemplo, fica alheia à movimentação desses recursos; ninguém fiscaliza ou investiga essas movimentações por que alegam que há sigilo bancário. O BNDES é, hoje, uma caixa-preta.

É possível, pelo montante investigado, ter uma noção real do que se perde com a corrupção anualmente em Goiás?
Daria para fazer uma comparação do montante que é repassado aos municípios e do montante investigado. Mas em geral, essas investigações são relativas a anos anteriores, de 2006 pra cá, até 2012, e alguns poucos de 2013. Por isso não teríamos uma noção real. Mas sabemos que aquilo que se identifica é apenas a ponta do iceberg. E ainda tem os desvios de verba que vem do BNDES, que, como disse, não temos acesso.

E é possível, durante as investigações, impedir que o desvio de dinheiro ou outro crime se concretize?
Normalmente quando se inicia a investigação o dinheiro já foi gasto. No máximo, paralisa-se a obra – quando é o caso. Mas no curso das investigações, se a Justiça determina que a obra deve continuar - e isso acontece muito – o dinheiro vai embora e aí temos de trabalhar depois para recuperar. Infelizmente, o índice de recuperação é insignificante.

E as punições aos agentes públicos envolvidos?
Pede-se sempre todas as punições possíveis. Afastamento do cargo, suspensão dos direitos políticos, proibição de contratar com poder público, aplicação de multa, enfim, toda condenação cível ou criminal possível no caso. Mas essas pessoas normalmente têm dinheiro, pagam bons advogados e, como o processo é muito burocratizado, leva 10, 15 anos para terminar. Quando termina, às vezes o patrimônio do acusado já não existe mais, porque o pedido de bloqueio de bens foi negado pela Justiça lá atrás. Nosso maior índice de impunidade, hoje, sem dúvida é nos crimes do colarinho branco. Casos como o do mensalão são uma raridade.

Mais de 12 mil ações em curso

Em todo o Brasil, as investigações da Polícia Federal (PF) relacionadas com o desvio de recursos públicos chega a R$ 15,6 bilhões. Ao todo, são 12.870 inquéritos para apurar crimes cometidos por prefeitos, peculato, fraudes em licitação e outros crimes.

Os valores são muito superiores à soma de todas as operações feitas pela PF nos últimos dois anos em todo o País. Dados obtidos pelo POPULAR mostram que em 2012 e 2013 foram 51 operações deflagradas pela instituição. No total, o valor investigado foi de aproximadamente R$ 1,88 bilhão.

Ao todo, foram bloqueados R$ 218 milhões em bens e 121 agentes públicos foram presos. Caso o volume investigado atualmente resulte, de fato, em novas operações, o número de prisões e bloqueios pode ser bem maior.

No entanto, o diretor-geral da Polícia Federal, delegado Leandro Daiello afirmou recentemente ao jornal O Estado de S. Paulo que não quer dizer que todo o montante investigado atualmente tenha sido, de fato, desviado. “Pode ser menor (o desvio), pode ser maior”, explicou.

Fonte: Jornal O Popular