Transferência da Pecuária: Um parque no lugar do Parque Agropecuário?

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A antiga discussão sobre a transferência do terreno da SGPA na Nova Vila ganha um novo capítulo, com a ideia de transformá-lo em uma nova e grande área verde para a Goiânia

Entra ano e sai ano, co­meça e termina a tradicionalíssima Ex­po­si­ção Agropecuária de Goiás — ou, simplesmente, Pecuária — e a conversa se mantém: quando se dará a transferência do parque agropecuário da Nova Vila, pertencente à Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura (SGPA), para um espaço considerado mais adequado? Mais do que isso, qual deveria ser a destinação dada à área, tão bem localizada (vizinha ao Centro de Goiânia, próxima ao Terminal Rodoviário e no caminho rumo ao Aeroporto de Goiânia), quando isso ocorrer?

Primeiramente é preciso pensar no “quando”: na pretensão da SGPA, o processo não deverá ser tão urgente. Pelo contrário, a associação acredita que o parque atual possui a estrutura adequada para o evento e as condições são ideais, segundo seu presidente, Ricardo Yano. “Depois de tantos anúncios de mudança, não queremos mais causar expectativa falsa. Vamos estudar todos os casos e falar sobre isso quando houver algum coisa realmente factível.”

E quando esse “quando” chegar — e deve chegar —, qual será a destinação da área? A localização da atual área, já explicitada acima, é invejável: o que dizer de um terreno de 140 mil metros quadrados, ou quase três alqueires, tão bem posicionada para o setor imobiliário? Basta lembrar que a região do parque já sofre um boom de condomínios do outro lado da Avenida Vereador José Monteiro, no Setor Negrão de Lima. Na Vila Jaraguá e no Setor Crimeia Leste, locais também encostados no parque, erguem-se várias torres de dezenas de andares. Ou seja: em princípio e pela lógica, a primeira ação de tentativa de compra seria por uma empresa interessada em um condomínio horizontal ou vertical.

Há antes um obstáculo: a venda do terreno teria de ser antecedida primeiramente por uma mudança de sua função, já que foi uma área doada pelo poder público. No caso de uma troca por outra área, o que é viável, o terreno voltaria às mãos do governo, que, então, daria à área a destinação que melhor lhe conviesse.

Com certeza, resolvidos os vários obstáculos à transferência do parque (veja matéria correlata), várias reflexões se imporão — ou deveriam se impor — para dar a destinação devida à área. A primeira que surge é: como se encaixaria tal terreno estratégico no conceito de cidade sustentável que a atual gestão da administração municipal se comprometeu a implantar?

Em área cada vez mais ocupada pelo trânsito e cercada por uma crescente especulação imobiliária, um novo parque ambiental seria um local de refrigeração na região, que se somaria aos parques do complexo Mutirama–Bo­tafogo–Vi­la Nova, que serão unificados a partir da finalização do túnel da Avenida Araguaia e da plataforma sobre a Marginal Botafogo.

Como a Avenida Independência se comporta como uma barreira acentuada, o novo parque teria um público particular: a população dos setores imediatamente vizinhos — Nova Vila, Setor Crimeia Leste, Vila Fróes, Emílio Póvoa, Vila Jaraguá, Setor Negrão de Lima e Vila Montecelli e um fluxo vindo de visitantes da Fei­ra Hippie, aos domingos, e do polo de confecção a partir da Rua 44, no Setor Norte Ferroviário, além dos que transitassem pelo Terminal Rodoviário, a pouco mais de 600 metros do parque da Nova Vila.

Mais do que uma simples área verde, seria um desafio maior ao poder público — além de uma prova de vontade política pró-sustentabilidade. É que o atual terreno do Parque Agropecuário é hoje uma área praticamente toda impermeabilizada: para facilitar a movimentação dentro dele, a SGPA providenciou a pavimentação de todas as vias. Restaram como zonas permeáveis a arena de rodeio e alguns poucos espaços arborizados. Transformar o parque agropecuário em parque ambiental seria, portanto, mais do que revitalizar uma área verde: criaria mais uma, quase duas vezes maior do que o Parque Vaca Brava (80 mil metros quadrados).

Por ser “criado”, mais do que um simples parque ambiental a mais, a experiência daria a seus executores a possibilidade de fazer algo temático. Por exemplo, recuperando a vegetação original do Cerrado, de modo a ter um espaço, praticamente no Centro de Goiânia, que reproduzisse, principalmente para as novas gerações, a imagem que os mais velhos têm na lembrança: as árvores tortuosas, espaçadas entre si, de espécies variadas, formando uma nova paisagem para a capital em meio ao cenário urbano.
Dificuldades

O diretor de gestão ambiental da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma), professor Henrique Labaig, considera “interessante” a ideia de um novo parque para a cidade. “Tirar a Festa da Pecuária de lá é importante, porque causa muitos transtornos. Em seu lugar é preciso que se instale algo de pouco impacto negativo e muito impacto positivo. Adensar mais seria um problema, porque já há um grande fluxo viário.”

Um parque, portanto, poderia ser uma boa ideia. Entretanto, Labaig faz observações, principalmente em relação à dificuldade de manutenção. “Para a cidade sempre é interessante ter mais parques, principalmente mais interativos. Mas temos 34 unidades em Goiânia e infelizmente, problemas graves de depredação e vandalismo”, relata.

A maioria dos parques de Goiânia tem estrutura relativamente simples: uma pista de caminhada, área verde, aparelhos de ginástica, brinquedos para crianças e, em alguns, um lago ou espelho d’água.  Na prática, conta Labaig, há dificuldade em fazer sua preservação. “O Vaca Brava está prejudicado com relação ao patrimônio público; o Cascavel tem problemas de assoreamento; e o Bernardo Élis (Goiânia Viva) infelizmente tem várias denúncias sobre usuários de drogas, principalmente no fim de tarde.”

A saída poderia ser a terceirização para associação de moradores, or­ganizações não governamentais (ONGs) ou outras entidades que tivessem interesse em zelar por algum parque. A cidade, relata o di­re­­­­tor da Amma, tem mais de 200 áreas verdes. A maior parte precisa de maiores cuidados do poder público para serem revitalizadas e utilizadas de forma a beneficiar a população.

SGPA diz que traz mais benefícios que transtornos à região

Entre as várias cogitações já elaboradas para a mudança do Parque Agropecuário, duas tiveram destaque nos últimos anos. Em 2009, o então governador de Goiás, Alcides Rodrigues, anunciava a construção em Goiânia do “maior e mais moderno parque da América Latina”. O projeto previa uma área de 15,6 alqueires — mais de cinco vezes maior do que o parque atual — e se situava na região norte da capital, entre a barragem do Ribeirão João Leite e o 42º Batalhão do Exército, no Jardim Guanabara. O governador chegou a posar para foto ao lado da maquete do parque, que passaria a se chamar Centro de Eventos de Múltiplo Uso do Agronegócio. No fim, tudo continuou na estaca zero.

Tempos atrás, outra área foi oferecida pelo Estado à Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura (SGPA), no município de Senador Canedo. O presidente da entidade, Ricardo Yano, se mostra cético com relação a uma mudança em breve. Mais do que isso, não vê motivos para que ela ocorra. “A estrutura que temos é uma das melhores do Brasil. Se pudermos mudar para melhorá-la, tudo bem. Mas não podemos fazer uma transferência do parque para algo que não seja de um nível igual ou melhor”, adverte.

Sobre a localização ele é incisivo. “Causa preocupação à SGPA ir com o parque para um lugar muito distante e que possa nos trazer prejuízo.” Citando exemplos de alguns dos maiores parques agropecuários e que se encontram dentro da zona urbana da cidade — como os de São Paulo, Uberaba, Uberlândia e Londrina —, Yano minimiza o problema dos transtornos causados à vizinhança pela Festa da Pecuária. “São apenas duas semanas em que há transtornos. Há barulho, tráfego intenso, mas isso também traz benefícios. Os vizinhos alugam garagens, têm comércio ambulante, por exemplo. Além disso, hoje a SGPA faz integração com a Igreja Católica da Nova Vila (Paróquia Nossa Senhora de Lourdes), por meio de uma alameda cultural [cuja renda é repassada integralmente para a igreja] e com a Polícia Montada, com a qual sempre fazemos eventos conjuntos.”

E a questão da mobilidade urbana. “O problema de trânsito é mundial. Em Goiânia, temos esse mesmo problema em grandes jogos no Estádio Serra Dourada ou uma formatura no Centro de Convenções. Sempre vai ter um tumulto”, diz. Na hora da entrevista, a título de exemplo, Ricardo Yano disse que estava preso no trânsito em Campinas, num dia normal (uma quarta-feira, à tarde). “O problema do trânsito não vai se resolver tirando a SGPA de lá. Se uma empreiteira comprar a área e construir prédios, pode até piorar”, afirma.

O ambientalista Ivan Bispo discorda da posição da entidade dos pecuaristas sobre a questão dos benefícios de um parque ambiental em relação ao que hoje existe. “Um parque ambiental com jardins, árvores, trilhas, podendo ser utilizado todos os dias do ano, é bem melhor que um parque para praticamente um único evento”, ressalta. “Tirar barulho, trânsito etc. daquele local e ali colocar arvores que vão ajudar a formar uma cidade mais saudável será muito bom e ainda vai trazer tranquilidade à vizinhança.”


Fonte: Jornal Opção