Cultura fora dos trilhos
Tombada como Patrimônio Histórico do Estado, a Estação Ferroviária serve como depósito de lixo.
Espaços ociosos. Casas abandonadas. Projetos encerrados. Construções que demoram anos para ser finalizadas. Pontos culturais esquecidos e inacabados. O jornal O HOJE encerra nesta edição a sua série especial Espaços, Para Que Te Quero, com reportagens que refletem as problemáticas enfrentadas no que diz respeito a espaços culturais e sua importância para a produção artística de Goiânia.
Talvez um dos locais mais emblemáticos e, por incrível que pareça, esquecidos da capital seja a Estação Ferroviária, construída na década de 1950 como um dos símbolos arquitetônicos em art déco do centro da cidade. O local encontra-se abandonado: vitrais quebrados, pichações por todos os lados e um matagal que impede a entradas no prédio e a contemplação dos históricos murais, pintados por Frei Nazareno Confaloni, introdutor do modernismo em Goiás, que hoje estão cobertos por uma espessa camada de poeira e fuligem.
Localizada na Praça do Trabalhador, a Estação, que é tombada como Patrimônio Histórico do Estado, hoje serve de depósito de lixo e suas instalações elétricas estão expostas. Basta dar uma olhada para constatar a ociosidade em que o espaço se encontra. Além disso, as paredes apresentam infiltrações e o teto está tomado por goteiras.
Uma pena, já que o espaço poderia ser destinado a atividades antes realizadas na Casa das Artes, projeto desativado pela Secretaria Municipal de Cultura (Secult Goiânia), em 2012. Para reverter tal situação, de acordo com o produtor cultural Carlos Machado Ribeiro, é necessário muito mais que uma reforma estrutural. É uma questão de mobilidade e assistencialismo na região próxima à Rodoviária Central de Goiânia.
“É uma pena ver um lugar tão bonito e importante da nossa história dessa forma. Poderia ser mais aproveitado para eventos e debates culturais. Para isto, é preciso repensar quais as principais problemáticas enfrentadas na região, como o tráfico de drogas, a prostituição, a violência e o consumo de drogas. De dia ou de noite, percebe-se que ali é uma verdadeira cracolância do Setor Central”, aponta Ribeiro.
Muito já se tentou fazer para o desenvolvimento do convívio social na região, próxima à Avenida Independência e Avenida Goiás Norte. No ano passado, por exemplo, o projeto Grande Hotel Revive o Choro, popularmente chamado de Chorinho, havia sido transferido para a Estação Ferroviária, depois de ser suspenso por razões de segurança no Grande Hotel. A intenção da Secult era resgatar o clima pacífico e familiar para a região.
Não deu certo. Depois de algumas poucas edições, o Chorinho foi suspenso, e o local novamente esquecido. Hoje, parte do prédio é usada pela organização não governamental Movimento e Ação, pela Guarda Municipal e pela Banda de Música de Goiânia.
Durante mais de 20 anos, o prédio serviu como estação ferroviária de Goiânia, até que a linha férrea foi desativada, na década de 70. Anos depois, em 1987, foi criado o Centro Estadual de Artesanato de Goiás, que passou a funcionar no prédio da Estação. O que também foi interrompido.
Em 2003, o então prefeito Pedro Wilson iniciou a restauração do espaço. Segundo a Prefeitura, a obra foi concluída e entregue em 2005, pelo prefeito Iris Rezende. Tempos depois, o prédio foi cedido à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (Sedem), para instalação do projeto Goiânia Digital. O fato é que isso não aconteceu.
Atualmente, vez ou outra, a Banda de Música de Goiânia ensaia no local. Os cômodos também são tomados por motos de policiais ou guardas que trabalham na praça ou próximo a ela. “A Secult Goiânia herdou a Estação Ferroviária com todos os problemas que ela tem. É preciso um restauro urgentemente. Nos últimos tempos, ela estava sendo utilizava por diversas instituições que não podem estar lá, como sede de ONGs”, explica a secretária municipal de Cultura, Glacy Antunes.
De acordo com ela, nenhuma reforma ainda foi concluída na Estação. “Na semana em que eu assumi o cargo de secretária, no início do ano, o prefeito Paulo Garcia me informou que tínhamos sidos incluídos no programa PAC Cidades Históricas, projeto do governo federal para cidades que possuem patrimônios históricos. Em março, organizei todos os papéis necessários e fui com o prefeito à audiência no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A primeira coisa que pedimos foi uma solução efetiva para a Estação Ferroviária.”
A resposta do Iphan e do Ministério do Planejamento deve sair a qualquer momento. Depois disso, o projeto ainda inclui o restauro e a limpeza do espaço. Possivelmente, segundo a secretária, a Divisão de Patrimônio Histórico deverá ir para a Estação Ferroviária. Além disso, a Câmara Municipal aprovou o projeto para a criação do Museu Attílio Correa Lima no prédio. “Tudo isso está em andamento. É preciso uma resolução”, afirma.
Para Glacy, um dos principais problemas em relação à retomada do ponto de cultura é a Feira Hippie, que acontece aos domingos na Praça do Trabalhador. “De uma forma ou de outra teremos de cercar a Estação. O que precisamos fazer é procurar o Conselho Arquitetônico do Patrimônio Histórico para ver como é possível realizar esse trabalho, já que o local é invadido pela feira”, explica.
O jeito agora é esperar. Ícone da arquitetura e arte goianas, o espaço, aos poucos, é vandalizado e deixado às moscas. “É lamentável ver um prédio tão lindo sendo destruído. O que só comprova mais uma vez o quanto a história de Goiânia não é valorizada”, reitera Ribeiro, que já possui uma lista de diversos projetos que poderiam ser sediados na Estação Ferroviária.
Posse de hotel deve ser legalizada logo
Teatro Inacanado pode ser aberto em julho. A Vila Cultural, de acordo com o governador Marconi Perillo, começará a funcionar no dia do aniversário de Goiânia, 24 de outubro. O Martim Cererê é uma icógnita: de acordo com o secretário estadual de Cultura, Gilvane Felipe, o que se pretende é terminar a reforma até o final do próximo mês. Já a Estação Ferroviária espera o sinal verde da Secretaria do Planejamento para se ver restaurada. A Casa das Artes, infelizmente, foi desativada.
Enquanto isso, outros espaços tentam suprir a demanda dos que estão ociosos. O Grande Hotel, por exemplo, que também necessita de uma reforma emergencial, funciona como local para a Divisão de Patrimônio Histórico, a exemplo de documentações, mapas e fotografias, que estão expostos e abertos ao público. Além disso, na parte de baixo, há uma biblioteca infantojuvenil, criada depois de um acordo feito entre a Secult Goiânia e a Universidade Federal de Goiás (UFG).
O problema é que o Grande Hotel, localizado na Avenida Goiás, ainda não é propriedade da Prefeitura de Goiânia. Inaugurado na década de 1930, o local foi o primeiro hotel da cidade e atualmente é um ícone art déco, estilo arquitetônico presente em diversos prédios do Setor Central. Hoje, o prédio pertence ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
“Por meio da Procuradoria Regional da República e a Secult, a Prefeitura já autorizou a compra do Grande Hotel. Já estamos em negociação com o INSS. Apesar disso, já ocupadms o prédio. Além das atividades em funcionamento efetivo, como a biblioteca e a exposição, algumas vezes, o prédio serve como espaço para ensaios e reuniões artísticas. Só que é uma situação desconfortável, já que o prédio não é nosso, pois se fosse, teria sofrido uma reforma emergencial”, explica a secretária municipal de Cultura Glacy Antunes.
E pelo fato de o Grande Hotel não ser da prefeitura, ele não pôde entrar no PAC Cidades Históricas. “Colocamos o Grande Hotel em uma previsão para 2014, e espero que essa negociação termine para que ele possa reativar seus projetos, como as aulas de dança, as discussões e mesas redondas ou as exposições de arte”, reitera.
Se o próximo semestre realmente não servir de reabertura para os espaços fechados, como rezam muitas promessas, a exemplo do Teatro Inacabado, do Martim Cererê e da Vila Cultural, vai se tornar cada vez mais árdua uma postura de comprometimento e interesse cultural. A população já sente falta destes locais. Um dos maiores exemplos é o 1 Ano Sem Martim Cererê, que reuniu mais de 2 mil pessoas para exigir respostas do poder público.
Neste meio tempo, a Casa das Artes, projeto que a própria secretária de Cultura afirmou ser “um espaço que ficou no passado”, pode acabar em mais um edifício residencial de alto padrão ao lado do Lago das Rosas. Há, também, casos muito além do do abandono (que não tem a ver apenas com reformas públicas), como o Teatro Inacabado e a Estação Ferroviária, que, para além de reformas, é necessário desenvolver um contexto de sociabilidade, educação e consciência nas regiões em que estão localizados.
Afirmar com plena certeza que os espaços abandonados são casos isolados de Goiânia pode ser errôneo. Em diversas cidades do País, os centros urbanos estão cheio de locais ociosos. Basta dar uma caminhada nas regiões centrais de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O que não pode é se acomodar. As condições dos pontos de cultura de Goiânia só reafirmam as problemáticas enfrentadas pelos artistas locais. A pergunta que fica é: espaço, para que o queremos?
Fonte: Jornal O Hoje