68 cidades goianas sem médico
Levantamento mostra que só 20 municípios em Goiás contam com um médico por mil habitantes.
As três ambulâncias de Novo Planalto não param. Diariamente, levam pacientes para Porangatu, a maior cidade da redondeza, ou para Goiânia. O pequeno município tem menos de 4 mil habitantes, fica a 490 quilômetros da capital, no Norte do estado, e integra um grupo de 68 localidades em Goiás onde nenhum médico tem residência fixa. De acordo com Ministério da Saúde, cerca de 700 municípios brasileiros não contam com um médico sequer.
Nem mesmo salários polpudos, bem acima da média de outros trabalhadores brasileiros, conseguem atrair profissionais. A situação é recorrente em todos os cantos do Brasil. Com um problema concreto, a presidente Dilma Roussef (PT) apresentou na semana passada a proposta de “importar” profissionais estrangeiros e levá-los a esse tipo de localidade e periferias de grandes cidades. A iniciativa foi uma resposta aos protestos que tomaram conta das ruas do país, porém a intenção provocou reação imediata dos representantes da categoria.
Os moradores de Novo Planalto recebem atenção básica por meio do Programa Saúde da Família (PSF). Os dois médicos atendem a população em horário comercial, depois voltam para Porangatu, onde vivem. Mas os problemas não têm hora marcada para acontecer. Com a maior parte dos habitantes na zona rural, sobretudo em assentamentos, são frequentes as picadas de animais peçonhentos, fraturas e até mesmo partos durante a noite. Nesses casos, as ambulâncias entram em ação.
Outros 158 municípios goianos estão carentes de médicos. Eles possuem menos de um profissional para cada grupo de 1 mil habitantes, proporção preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a mínima necessária (veja quadro). Ao todo, 76,9% das localidades goianas necessitam de médicos. Em Goiás, somente 20 municípios possuem profissionais em número satisfatório para o órgão internacional.
RECUSA
A falta de condições técnicas para desenvolver o trabalho, os contratos precários e a distância dos grandes centros urbanos são as principais alegações dos médicos para justificarem a recusa em se fixarem nas pequenas cidades do interior. “O profissional foge de locais pouco avançados do ponto de vista tecnológico, onde não contam com infraestrutura e as prefeituras não investem em saúde”, diz o presidente em exercício do Sindicato dos Médicos do Estado de Goiás (Simego), Rafael Cardoso Martinez.
A improvisação começa no espaço de trabalho. Normalmente, os consultórios são criados em casas adaptadas para tornarem-se postos de saúde. Não raro faltam medicamentos e insumos básicos, como luvas e agulhas. “Quando o médico chega num lugar desses, as pessoas fazem consultas e esperam que você resolva os problemas dela. Mas tem situações que somente o diagnóstico clínico não dá conta”, explica Rafael. Nesses municípios, os médicos não contam nem mesmo com radiografias ou hemogramas, que ajudam na decisão de internar ou não um paciente.
“SITUAÇÃO DELICADA”
O pediatra Luiz Antônio de Souza Torres voltou para Goiânia em dezembro de 2012, após sete anos vivendo em Itaberaí. “Por atender crianças, minha situação ficava especialmente delicada. Eu não tinha acesso a um laboratório de exames por imagens e precisava interpretar o que a criança estava sentindo”, lembra. Muitas vezes ele também internou pacientes cujos familiares tiveram que arcar com soro e antibiótico.
Médico do PSF, Rogério de Oliveira Santiago passou por Goianira, Bom Jesus e Morrinhos. Sua crítica refere-se ao financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), que nem sempre chega ao destino final. “Ficar longe dos centros de capacitação também interfere na decisão do médico. A medicina avança muito rápido e o profissional não pode abrir mão de palestras, congressos e cursos”, diz.
Antes da importação de médicos, o governo federal havia tentado outra medida para levar médicos ao interior. Foi criado o Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica (Provab), com intenção de atrair médicos recém-formados às pequenas localidades.
Médicos denunciam prefeitos por atraso salarial após urgência
Ficar nas mãos de prefeitos e vereadores também afasta os médicos das cidades do interior. A razão dessa “vulnerabilidade” chama-se contratos precários de trabalho. Sem concurso público ou contratação via Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), os profissionais são apenas prestadores de serviços que podem ser dispensados assim que a urgência dos políticos passar.
A cronologia é a seguinte: primeiro o médico é contratado, atraído pela promessa de salários elevados, que chegam a R$ 30 mil mensais. Nos primeiros meses, ele atende um número elevado de pacientes. Com a demanda que estava reprimida, o número de consultas às vezes atinge uma centena por dia. A oferta do serviço leva o gestor público às rádios locais e ao jornal da região para mostrar que o poder público tem trabalhado na área de saúde.
Alguns meses depois, boa parte da população local foi atendida. Os procedimentos mais simples foram resolvidos na própria cidade do interior e os casos complicados remetidos à algum polo. Com o eleitorado satisfeito, o salário do médico começa a atrasar, o valor combinado sofre reduções e, por fim, o profissional acaba pedindo para sair.
“Isso é mais comum do que as pessoas possam imaginar. Quando o gestor não precisa mais, ele usa o dinheiro para outra coisa. O compromisso não e com a saúde, mas com a política”, critica o presidente em exercício do Sindicato dos Médicos do Estado de Goiás (Simego), Rafael Cardoso Martinez.
Os médicos defendem um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) para tornar a profissão uma carreira de estado, assim como ocorre no Ministério Publico e na Magistratura. Para a categoria, a mudança seria um atrativo e ajudaria a fixar o profissional nas pequenas cidades do interior, além de evitar que a saúde seja de forma eleitoreira.
“A gente fica à mercê da ‘ambulanciocracia’, porque mandar para Goiânia é mais barato e o gestor ainda diz que está proporcionando um bom tratamento à população, na capital” alega o pediatra Luiz Antônio de Souza Torres. “A pressão política interfere até mesmo na tomada de decisões. Muitas vezes exigia-se que alguém fosse encaminhado à capital ou que um paciente com quadro menos grave passasse na frente de outro com mais urgência.”
Fonte: Jornal O Popular
1 comentários:
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