Verba milionária e serviço precário
Auditoria vê discrepância em R$ 40 mi liberados ao transporte escolar e a deterioração atual de ônibus.
Os altos repasses federais destinados ao transporte escolar em Goiás não são garantia de qualidade para esse tipo de serviço público, que deveria atender estudantes que residem principalmente na zona rural. Os municípios de Catalão e Ipameri, região sudeste do Estado, receberam juntos, durante dois anos, mais de R$ 8 milhões para investimentos. As cidades de Niquelândia e Minaçu, no mesmo período, foram contempladas com verba de R$ 30.799.447 milhões. Ainda assim, a frota de veículos é considerada velha, com alguns ônibus com mais de 20 anos. Há também suspeitas no processo licitatório para contratação das empresas.
É o que comprovou uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) que fiscalizou a aplicação de recursos destinados pelo Ministério da Educação (MEC) ao Programa Caminho da Escola e ao Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate) nos exercícios de 2010 e 2011. Os quatro municípios goianos foram escolhidos pelo tribunal devido à viabilidade de realização de auditoria,são populosos e com maior volume de recursos envolvidos. De todas as cidades nacionais avaliadas, as goianas foram as que receberam os mais altos valores.
Em Catalão os fiscais identificaram a realização de licitação por preço global, e não por itens, apesar da possibilidade da licitação ser dividida. A admissão por itens facilitaria a ampla participação de licitantes que, mesmo não dispondo de capacidade para a execução da totalidade do objeto, poderiam dispor de capacidade para executar algum outro item. A mesma prática também foi verificada em Ipameri, Niquelândia e Minaçu.
Um contrato realizado entre Prefeitura de Catalão e Associação de Trabalhadores em Transporte Escolar do Estado de Goiás (Atego), juntamente com o Sindicato dos Trabalhadores Escolares do Estado de Goiás (Siteg), que é responsável pela prestação de serviços de transportes escolares em 53 municípios foi colocado em suspeita na auditoria, já que podem ter acontecido privilégios tributários.
A equipe do TCU ainda avaliou se as duas instituições se beneficiaram na competição com os demais participantes dos certames. Foi constatado que em licitações em que essas entidades participam é comum não haver outros interessados, apesar dos valores milionários envolvidos. A Atego e o Siteg eram responsáveis pela prestação de serviços de transporte escolar em 53 municípios goianos. As duas juntas faturaram, nos anos de 2010 e 2011, de R$ 22.845.747,58 à Atego, e de
R$ 40.303.845,99 ao sindicato.
Em Minaçu e Niquelândia foi verificada situação semelhante, levando a equipe a propor audiência com os responsáveis. O TCU ressalta que a prática de modalidade indevida de licitação para a contratação de serviços de transporte escolar é considerada significativa, pois compromete a competitividade dos certames, ocasionando contratações de serviços por valores superiores aquele que seriam eleitos caso se utilizada o modelo devido.
Veículos antigos
Em Niquelândia, além do processo licitatório irregular, também foram observados ônibus escolares com tempo de uso superior ao permitido. A frota de veículos do transporte escolar, em sua maioria, é muito antiga. Dos 136 veículos utilizados no transporte dos alunos, 47 possuem mais de vinte anos de uso.
Ministro do TCU relator do acórdão, José Jorge afirmou que em 54% da amostra examinada foi verificada mau estado de conversão dos veículos, em que pneus carecas, limpadores de para-brisas quebrados e latarias corroídas pela ferrugem foram as ocorrências mais encontradas, tudo isso, segundo o relator, agravado pelo tempo de uso elevado dos veículos. “O que certamente compromete a qualidade do serviço prestado.”
Foram registrados também ausência de dados obrigatórios nos documentos que comprovam as despesas referentes aos recursos. Essa situação, segundo o TCU, é um descumprimento da própria resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável por liberar os recursos. Esse tipo de irregularidade foi constatada, em Goiás, apenas no município de Catalão. Esse tipo de irregularidade facilita a utilização fraudulenta de documentos de despesas para comprovar gastos de outra natureza. As ocorrências tiveram como conseqüência a proposição de ciência aos responsáveis acerca das irregularidades verificadas.
Falta de qualificação
Outro problema que interfere no bom andamento dos recursos destinados ao transporte escolar é falta de qualificação dos membros do conselho que verifica a prestação de contas dos recursos financeiros recebidos pelos programas e de toda documentação regulatória que são encaminhados ao Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (CACS/Fundeb).
Em Ipameri, Catalão, Niquelândia e Minaçu, não houve a capacitação dos membros do Conselho (CACS/Fundeb). Além disso, nas cidades goianas foi constatada a ausência de infraestrutura necessária para execução plena das competências do Conselho.
Falta de documentos e ameaças
A auditória realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) teve como principal objetivo verificar a regularidade da aplicação dos recursos destinados aos programas que financiam o transporte escolar. O trabalho foi realizado na modalidade de Fiscalização de Orientação Centralizada (FOC), sob coordenação de regionais, em duas etapas. Uma auditoria piloto foi realizada no município goiano de Planaltina, para verificar a adequação da matriz de planejamento e determinar o prazo razoável para a realização das demais auditorias em outros Estados.
As avaliações aconteceram com base na execução do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate) com a intenção de verificar a correta aplicação dos recursos transferidos. Os principais quesitos levados em consideração foram: ocorrência de inexecução ou de execução do parcial do objeto pactuado; adequação dos veículos e respectivos condutores às regras definidas no Código de Trânsito Brasileiro e em normativos instituídos pelo FNDE, inclusive, no que diz respeito a eventual desvio de finalidade na utilização de veículos alocados; compatibilidade das despesas executadas pelo município com o itens de custeio autorizados pelos normativos e vários outros.
A reportagem entrou em contato com a presidência da Associação de Trabalhadores em Transporte Escolar do Estado de Goiás (Atego) e do Sindicato dos Trabalhadores Escolares do Estado de Goiás (Siteg), mas sem sucesso, pois o presidente está de recesso e o contato com o diretor não foi possível. A assessoria de imprensa da gestão atual da prefeitura de Catalão, que poderia esclarecer a realidade do transporte escolar do município, não retornou as solicitações pedidas para serem enviadas por e-mail. Os gestores do mandado 2010/2011 dos outros municípios também não foram encontrados pela reportagem.
As equipes da auditoria apontaram limitações relacionadas ao complicado acesso às áreas rurais e ao curto prazo disponível para a aplicação dos procedimentos. Indicaram ainda desorganização administrativa dos entes executores, dificuldade de acesso a informações completas sobre os programas auditados, sonegação de documentos – os quais muitas vezes informava-se estarem desaparecidos – e, inclusive, ameaça velada à integridade física dos auditores.
Na segunda fase do trabalho, a limitação encontrada foi a ausência de processos de prestações de contas analisados e de relatórios de monitoramento produzidos nas visitas realizadas pelos técnicos.
Prestação de contas
Após a publicação do acórdão, o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Secretaria de Controle Externo em Goiás ficaram responsáveis pelo monitoramento dos resultados das ações empreendidas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para reduzir o estoque dos processos de prestação de contas pendentes de análise referentes aos recursos repassados no âmbito dos programas federais: Programa Caminho da Escola e Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate).
Antes de qualquer tipo de punição legal, o TCU aguarda as prestações de contas das prefeituras, o que pode, em caso de não realização, resultar em futuras instaurações de tomada de contas especial (TCE). O processo pode ser iniciado para apurar responsabilidade por ocorrência de dano à administração pública federal e obtenção de ressarcimento. A tomada de contas especial só deve ser instaurada pela autoridade administrativa federal.
MP afirma monitorar transporte escolar e alerta para estradas rurais
O Ministério Público Estadual, por meio do Centro de Apoio Operacional (CAO) da Educação, diante de problemas recorrentes no transporte escolar em Goiás, firmou um Termo de Cooperação com o Detran, para a realização de vistorias semestrais em todos os municípios goianos. Nas vistorias são apuradas as condições físicas dos veículos e a regularidade dos motoristas que efetuam o transporte. O resultado das vistorias são encaminhados às promotorias de Justiça.
Segundo a promotora Karina D’Abruzzo o transporte escolar é meta do plano geral de educação do CAO da Educação. Ainda explicou que dentro da instituição um programa chamado Bem Educar que auxilia os gestores do interior responsáveis pelo transporte escolar a evitar processos judiciais.
Ela destacou que a vistoria realizada pelo Detran tem como principal objetivo verificar as condições dos veículos, por exemplo, pneus, setas e parabrisas. As irregularidades encontradas são todas repassadas à promotoria. Há também análises feitas por servidores da promotoria que percorrer as estradas e fazem o trajeto. Inclusive, em algumas cidades, o MP adquiriu GPS para facilitar o trabalho.
Estradas
Para a promotora o agravante dos municípios do interior são as condições das estradas rurais, que devido ao estado de conservação, danificam os ônibus. “Acredito que as condições reais e naturais do local onde se transita reflete significativamente na conservação dos veículos e também há uma necessidade maior de investimentos”, ressaltou.
Em maio deste ano, o promotor de Justiça, Sérgio de Sousa Costa, do município de Fazenda Nova, instaurou inquérito civil público para averiguar possíveis irregularidades no transporte escolar municipal, especialmente em relação a condição física dos veículos.
Fonte:
Jornal O Hoje