Moradores estão preocupados com desapropriações por conta do VLT
Vão ter de me matar para me tirar da minha casa.” O desabafo da aposentada Enoemi Machado de Carvalho, de 78 anos, vem em tom de fúria. “Não é possível o governo do Estado planejar um obra que atravessa Goiânia sem conversar, antes, com a população.” Ela é uma das pessoas ouvidas ontem pelo POPULAR e resume a indignação de famílias e comerciantes que estão em um dos 187 imóveis na capital que deverão ser desapropriados para a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), ao longo do Eixo Anhanguera, principal via do transporte público na cidade, que se estende de Leste a Oeste da capital.
O Grupo Executivo do VLT pretende finalizar o projeto ainda este ano, para que a ordem de serviço seja assinada no início de 2015, conforme mostrou ontem, com exclusividade, reportagem do POPULAR. No total, o projeto tem custo de R$ 1,315 bilhão. O governo do Estado informou que a declaração de utilidade pública dos imóveis que estão na área onde será implantado o VLT é uma etapa preparatória para o processo de desapropriação e para o início da execução das obras.
As desapropriações serão realizadas nas regiões onde serão construídos os cinco terminais de integração dos trens. O problema é que os donos dos imóveis reclamam que ainda não foram informados, oficialmente, sobre o projeto e que, para a execução das obras, deverão desapropriar suas casas ou estabelecimento comerciais. “Ninguém comunicou nada até agora”, disse ela, que mora no Setor dos Funcionários, próximo ao Terminal Praça A. Ela vive com o filho e o marido, de 86 anos, que sofre de mal de Alzheimer.
NA ANGÚSTIA, SEM DIÁLOGO
O técnico em eletrônica Osvaldo Alves da Silva Júnior, de 56, contou que perdeu a tranquilidade, desde que soube que sua casa está na lista dos imóveis a serem desapropriados. “É uma notícia muito triste”, lamentou ele, ressaltando que não é contra a obra do VLT. “Não sou contra o progresso, mas não quero ser indenizado com valor baixo, para, depois, nem ter condições de comprar outra casa”, pontuou ele, sem esconder a preocupação e a angústia. “Não está havendo diálogo”, criticou.
Quem também estava transtornada com a notícia era a dona de casa Sebastiana Coelho dos Santos, de 77, que mora numa casa perto da Praça A há 35 anos. Ela cuida de um irmão, de 64, que tem problemas de saúde e uma das pernas amputadas. “A gente, que é idoso, não consegue ficar andando na cidade. Aqui perto tem tudo de que precisamos. E, agora, o que vai fazer?”, questionou ela. “Não queremos dinheiro, queremos o que construímos ao longo da vida, pelo menos para ter direito de morrer em paz.” O aposentado Pedro Malaquias Araújo do Nascimento, de 80, acabou de reformar a casa dele. “Pelo amor de Deus, por que não avisaram a gente antes?”, perguntou.
O anúncio da desapropriação também começou a dar dor de cabeça para as pessoas que trabalham na área a ser tomada pelo VLT. Dono de uma oficina de regulagem eletrônica na Região de Campinas, Sílvio Nunes dos Reis está no local há 15 anos e não sabe o que fazer para encontrar outro ponto de clientes. “Poderiam pensar nas famílias atingidas também, porque muita gente consegue renda trabalhando nessa área. Não houve conversa”, reforçou ele, que trabalha numa área onde há 12 lojas que serão desapropriadas.
EDIFÍCIOS
A enfermeira Raiany Ray Vieira Brandão, de 23, mora próximo ao Terminal Praça da Bíblia, onde, na lista de desapropriação, estão os edifícios residenciais Dallas e Dom Rafael (70 famílias, no total). “É uma obra que não compensa, considerando o custo que o governo vai fazer e por não trazer retorno imediato para a população”, asseverou. “Para melhorar o transporte público, é preciso investir nas linhas alimentadoras, que escoam ônibus para os setores fora do Eixo Anhanguera”, sugeriu ela. “Do que adianta fazer uma obra grandiosa, se a base vai continuar péssima. É preciso olhar para a cidade como um todo”, observou.
Em nota encaminhada ao POPULAR, o consórcio Mobilidade Anhanguera, responsável pela construção da obra, divulgou que há 3,5 mil imóveis ao longo da faixa de intervenção do eixo e que, dos187 imóveis, 10 são boxes de garagem de um único dono. Com isso, restam 177 proprietários e, destes, 40 estão em um único prédio em Campinas, baixando para 137. A nota informou, ainda, que foram registrados 35 lotes vagos e, portanto, sobram 102 propriedades individuais utilizadas comercialmente (maioria formal) ou para fins residenciais.
Especialista em Direito Empresarial e Direito Imobiliário, o advogado Cláudio César Morais pontuou que, em casos de desapropriação de imóveis, a maioria das indenizações oscila apenas entre 2% e 5% do valor de mercado do imóvel. Ele ressaltou, no entanto, que existem formas de os proprietários recorrerem à Justiça, para conseguirem receber um “valor justo” pela desapropriação do imóvel, em vez de se submeterem aos valores geralmente impostos.
Superintendência vai definir valores
A Superintendência de Patrimônio do Governo de Goiás será a responsável pela definição dos valores das indenizações para a desapropriação. É o que informou, ontem, a assessoria do governador Marconi Perillo, em nota enviada ao POPULAR. O Consórcio Mobilidade Anhanguera, responsável pela construção da obra do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), divulgou que os imóveis que serão desapropriados terão oportunidade de venda à vista ao valor de mercado.
O governo do Estado informou que a definição dos valores das desapropriações para a composição da estruturação financeira do projeto do VLT depende de previsão orçamentária, o que, a rigor, só poderá ser feito no ano que vem. Segundo a nota, o valor total correspondente às desapropriações deve constar da estruturação financeira e orçamentária do projeto e, portanto, como parte integrante do investimento necessário para a implantação do VLT.
Com a divulgação do decreto de desapropriação, serão feitos os laudos de avaliação dos imóveis e apresentação do projeto para cada área. Depois de o governo validar os valores de cada imóvel, iniciam-se as negociações com os proprietários, “sempre com valor de mercado e pagamento à vista”, de acordo com nota do Mobilidade Anhanguera também enviada ao POPULAR.
Se não houver consenso nas negociações, inicia-se uma discussão judicial, sempre com depósito antecipado e possibilidade de ações em três varas da Fazenda Pública. Após os acordos consensuais ou judiciais, será emitida a posse provisória de cada área com permissão para o início efetivo das obras.
Os proprietários de imóveis que discordarem dos valores estabelecidos podem requerer, judicialmente, uma nova avaliação, conforme lembrou o governo do Estado. Para isso, poderão constituir um perito próprio, cuja proposta será comparada à avaliação de perito constituído pelo Estado. A Justiça poderá, se achar necessário, constituir um terceiro perito para emitir parecer final sobre o valor ideal a ser pago.
Fonte: O Popular