Porque o planeta depende do cerrado

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l Cúpula do clima ignora o Cerrado, a única vegetação que pode realmente ajudar a combater o aquecimento global e organizar a temperatura l Goiás teve em 2009 um ano sem seca, o que pode prejudicar a própria agricultura. O que está por trás das mudanças climáticas?

Inúmeros chefes de Estado se encontraram em Copenhague para discutir meio ambiente. Debateram níveis de chuva, desmatamento da Floresta Amazônica, poluição provocada pelo aumento dos carros no planeta, descongelamento das calotas polares e ampliação do princípio poluidor-pagador. Em nenhum momento, porém, falaram assertivas que realmente fazem sentido, como a de que o Cerrado é o bioma mais importante para a regulação do clima ou que o aumento da população é que amplia os riscos de um colapso ambiental no mundo.
A pergunta é simples: o que tem a ver o Cerrado com alguém que vive em Londres ou Copenhague? Tudo. Mas a cúpula do clima sequer tocou no assunto. Os 193 países encerraram a fracassada negociação sem entender que o Cerrado é uma floresta de cabeça para baixo, mais eficiente para o sequestro de carbono do que a decantada Floresta Amazônica ou outros biomas.

“Na verdade, o equilíbrio da Floresta Amazônica é que depende do Cerrado”, informa Altair Sales, professor doutor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e estudioso do Cerrado. Ele aponta um dos problemas centrais do meio ambiente: o crescimento populacional. “Mas não falam disso. Evitam”, critica.
Resta apresentar as maravilhas do Cerrado, ainda ignorado pela comunidade internacional. O carbono é uma das substâncias que produz as ondas de calor insuportáveis na atmosfera. Conforme Cleomar Rosário, gestor e consultor ambiental, o aquecimento global se transformou no principal problema ambiental do mundo. “É uma situação generalizada. Poucos anos atrás não existia a necessidade de ar-condicionado no carro. Hoje é quase uma imposição”, analisa o gestor.

Cleomar cita as transformações que ocorreram em Goiânia. Ele afirma que um bairro como Campinas – que apresenta temperatura mais elevada do que regiões arborizaadas – foi destruído em nome de questionável progresso. “É fruto de uma mentalidade capitalista e sem qualquer rigor científico. Uma avenida como a 24 de Outubro não tem árvores, só calçadas e asfalto. Como a água da chuva vai chegar até o lençol freático?”
Altair Sales afirma que a vegetação que cobre Goiás e Estados vizinhos é uma das mais antigas na recente história do mundo e deve ser melhor conhecida pelos dirigentes que debatem a ecologia. Ele informa que o Cerrado sequestrou grande quantidade de carbono acumulado sobre a Terra em um passado distante, quando não existiam homens ou animais. Antes da existência do Cerrado, informa Altair, a Terra estava impregnada com cerca de 90% de CO2. Coube ao surgimento dos mares e da vegetação do Cerrado a limpeza destes gases que promovem o calor.

As pistas que comprovam as constatações do professor estão no sistema radicular do Cerrado e nos três aquíferos fundamentais que partem daqui para o mundo. As raízes do Cerrado, incrustadas no chão, retiram da atmosfera o carbono para manter viva a peculiar vegetação. “O cerrado cresce em um solo pobre, oligotrófico. Por isso necessita de grande quantidade de carbono, que é armazenado no sistema radicular, nas raízes profundas”, explica Altair Sales.

Ocorre que nunca um bioma foi tão destruído quanto o Cerrado. Eis a conta que não bate. Se para Altair Sales o bioma é um ponto de equilíbrio da Terra, para desenvolvimentistas do governo e segmentos produtivos de Goiás pode ser a última “fronteira agricultável”. Ou seja: terra pronta para virar lavoura. Cleomar Rosário afirma que a vegetação do Cerrado é única e pode ser utilizada para projetos e pesquisas de medicamentos. “Conhecemos muito pouco do Cerrado. As pesquisas ainda são insipientes, daí ser plausível que tenhamos cautela.”

A culpa não é da agricultura
É comum malhar a agricultura como a responsável pelo aquecimento. É no mínimo injusta esta correlação, visto que as ações do homem respondem por pequena parte das emissões de dióxido de carbono. Altair Sales reconhece que um vulcão é capaz de emitir maior quantidade da substância do que os homens. Isso não significa que ele não seja culpado, pois acelera os processos. Mas existe ignorância generalizada quanto aos fenômenos naturais.

A melhor forma de se comprovar esta situação é a prática da vida. Felix Curado, produtor em Corumbá de Goiás, afirma que anota as evoluções da chuva em cadernos. “Não observo aumento significativo, mas variação. Temos anos em que praticamente não chove. Neste caso, no ano seguinte chega a chover muito”, diz.
Outra constatação: as chuvas em excesso produzem a proliferação da ferrugem. A soja, por exemplo, sofre horrores. A Embrapa aponta perdas de 204 milhões de dólares com a proliferação do fungo Phakopsora pachyrhizi.

Felix não constata grandes mudanças nas estações, mas afirma que teme a intensidade dos ventos. “Ele deita o pé”. O produtor garante que os ventos chegam cada vez mais fortes em Goiás, a ponto de levar telhas e provocar prejuízos. “Já cheguei a presenciar algo muito forte e acho que existe alguma coisa errada.”
Alécio Marostica, presidente da Comissão de Grãos da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Goiás (Faeg), também nega a “mudança”. “Acredito que seja mais catastrofismo. O agricultor está consciente. Sabemos que não temos plano B e todos precisam respeitar a natureza”, afirma.

Um bioma para salvar o mundo

Capacidades do Cerrado
O Cerrado tem como características comuns e típicas as árvores com galhos grossos retorcidos, folhas cobertas de pelos e a popular vegetação rasteira. Mas poucos se dão conta de sua capacidade para regular o clima e fornecer água para o mundo através das bacias hidrográficas (Tocantins-Araguaia, São Francisco e Prata). Sua riqueza é incalculável para cientistas.

Sequestro de carbono
O Cerrado foi o bioma responsável por estabilizar a temperatura da Terra. Esta função continua presente em suas raízes profundas. A manutenção desta espécie de vegetação pode possibilitar o resgate do carbono. A queima de combustíveis fósseis e a própria ação da natureza (vulcões, por exemplo) produzem em grande quantidade a substância poluidora, mas o Cerrado vem e limpa.

Comparação
O Cerrado é mais eficiente para realizar o sequestro de carbono do que a Floresta Amazônica. É um erro propagar que a Floresta Amazônica pode ser o pulmão da Terra.

Terra antiga
O Cerrado é a mais antiga forma de ambiente na história recente da Terra, explica o professor Altair Sales (PUC-GO). Isso significa que a vegetação é importante para o equilíbrio da Terra. Ao sequestrar o carbono, ele regula o calor e reordena o caos da falta de chuva ou grandes tempestades.

Copenhague
Copenhague não aborda a importância dos biomas e desconhece a força do Cerrado para regular as mudanças climáticas. Esta vegetação antiga propiciou o surgimento da vida na medida em que limpou a atmosfera do dióxido de carbono e incentivou o oxigênio. Sua função é ampla, pois também abriga os mais importantes aquíferos.

Vegetação para tratar doenças
O Cerrado pode ser a próxima revolução da Medicina. Plantas, raízes e folhas como barbatimão inspiram a indústria de medicamentos a descobrir remédios poderosos. Da casca do barbatimão, por exemplo, extrai-se um pó que serve para o tratamento de úlceras. Ele pode ser usado para tratar blenorragia (gonorréia), leucorréia (corrimento vaginal), diarréias, dentre outros. A baunilha é utilizada para expulsar vermes intestinais, além de possibilitar outras aplicações industriais, caso da produção de verniz. A copaibeira é recomendada para hemorragias, doenças de origem sifilítica, leucorréia, diarréia, disenteria, alergias e bronquites. Já o jatobá tem resina que é usada para combater problemas como tosses, hepatites, laringites e fraquezas. Suas cascas, quando cozidas, servem para evitar diarréias, hemoptises, disenterias, cólicas e hematúria (sangue na urina). A sucupira pode ser depurativa para a pele e combate também hemorragias, fraquezas, doenças do estômago e hidropisias.


Fonte: Diário da Manhã