Ferrovia Norte-Sul Goiás: Obras paralisadas
Presidente da construtora responsável por trecho em Goiás da ferrovia anuncia que não poderá dar prosseguimento à construção por falta de pagamento e acusa o governo federal de calote
Brunno Falcão Da editoria de Economia
“É lamentável anunciar algo assim, mas, depois de quatro meses sem receber o que lhe é devido contratualmente, a Constran não poderá dar prosseguimento ao trecho da Ferrovia Norte-Sul que vinha construindo em Goiás.” Foi assim, em artigo publicado na edição de ontem da Folha de S. Paulo, que João Santana, presidente da Constran e vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada, anunciou a paralisação das obras de trecho goiano da ferrovia que ligará os extremos do País.
No texto, intitulado Calote não é ajuste fiscal, o presidente da Constran afirma que tem dois contratos assinados com a Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., empresa do Ministério dos Transportes. Um dos contratos, segundo Santana, se refere a 150 quilômetros da Norte-Sul, e outro, a 170 quilômetros da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), no interior da Bahia. “Os pagamentos de ambos encontram-se atrasados”, afirma Santana.
O empresário destaca que, em quase 60 anos de história, é a primeira vez que a Constran não recebe nem mesmo o suficiente para honrar a folha de pagamento da obra. Santana lembra ainda que, em conversa com o ministro dos Transportes, Antônio Carlos Rodrigues, na segunda-feira, este informou “não ter recebido recursos do Ministério da Fazenda”. O presidente da Constran lembra que, em situações semelhantes, as empresas podem recorrer aos bancos, onde descontam a fatura, mas que isso não é mais possível. “O sistema financeiro bloqueou qualquer operação com o nosso setor, se envolver o governo federal como pagador”, denuncia.
“Atenção: os bancos não estão recusando recebíveis de uma prefeitura pequena do interior. Eles querem distância do Tesouro Nacional. Sabe quais são os primeiros bancos a fechar as portas para a operação de desconto de duplicatas? O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, controlados pelo governo. Detalhe: embora não recebamos a fatura emitida, somos obrigados a recolher os impostos a ela relacionados”, alerta o empresário, em seu artigo publicado na Folha.
No texto, Santana destaca que a situação financeira da Constran só não é delicada porque mais da metade do faturamento é oriundo da iniciativa privada. “Alguém poderá relacionar esse inferno astral à Operação Lava Jato – já que a Constran é controlada pela UTC. Mas não é o caso”, frisa. O presidente lembra que a construtora não integra a lista de empresas investigadas, e afirma ainda que o governo vem atrasando contas devidas, até mesmo do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).
Ajuste fiscal
Santana lembra que, na década de 1990, durante o governo Collor, esteve à frente da Secretaria da Administração. Ele frisa que, na época, o País estava destroçado financeiramente. “Cortamos cargos de confiança, desligamos funcionários, fechamos ou vendemos empresas, acabamos com as mansões dos ministros de Estado e leiloamos mais de 4.000 automóveis. Fomos à lista de despesas do governo e cortamos vários e vários itens. Gostem ou não do que foi feito naquele tempo, tratava-se de um projeto de ajuste fiscal de verdade.” O empresário afirma que gestor público tem a obrigação de equalizar suas contas, mas questiona se estamos mesmo diante de um ajuste fiscal.
“Em vez de propor cortes e eliminar linhas de despesas, o governo apenas não paga. Em outros países, o nome disso é calote e rompimento de contrato. No Brasil, batizamos de ‘ajuste fiscal’”, condena. João Santana destaca que, historicamente, quando o governo tem planos de enxugar despesas, ele chama seus fornecedores e informa o que será cortado, dando às empresas condições de se planejar. “É chato, é ruim, mas é honesto e transparente.”
O oposto, frisa o empresário, é manter o discurso de que nada será cortado, mas reter pagamentos devidos por serviços prestados. “Criou-se uma realidade discutível. Enquanto o governo federal empurra para a sociedade o peso do ‘ajuste’, na forma de mais impostos e mais desemprego, não aplica ao Estado qualquer ajuste real.” Santana destaca ainda, em seu artigo, que a Lei da Responsabilidade Fiscal diz claramente que “a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente”. “Um doce para quem encontrar algo planejado e transparente nesse processo”, provoca.
Por meio de suas assessorias, a Valec e o Ministério dos Transportes afirmaram que não comentariam o caso. Também procurado, o Ministério do Planejamento não havia se pronunciado até o fechamento desta edição. (Com base nas informações do artigo Calote não é ajuste fiscal, assinado por João Santana e publicado na edição do dia 3 de março da Folha de S. Paulo)
Fonte: Diário da Manhã