Dívidas da Prefeitura de Goiânia somam mais de R$ 1 bilhão

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Paço Municipal conta com dívidas fundada e flutuante, que podem prejudicar andamento das atividades da cidade. Ações precisam ser tomadas ou próximo governante deverá ter dificuldades

Os “problemas contábeis” que levaram o prefeito Paulo Garcia (PT) a adiar a prestação de contas na Câmara Municipal trouxeram novamente à tona especulações sobre a situação econômica da Prefeitura de Goiânia. É certo que não vai bem, mas qual o tamanho da dívida que o Paço deve arcar? E de quem é a dívida: do atual prefeito ou de seu predecessor Iris Rezende (PMDB)? Para chegar a essas respostas, a reportagem conversou com ex-secretários de Finanças, que passaram pelo município nos governos dos dois prefeitos.

Temendo represálias, uma parte dos ex-secretários preferiu falar sob a proteção do off, uma vez que alguns ainda estão ligados à prefeitura. Durante a apuração, a reportagem teve acesso ao relatório feito pelo ex-titular da Secretaria de Finanças (Sefin) Cairo Peixoto e entregue ao chefe do Executivo goianiense. Nele, é possível entender algumas atitudes tomadas pela prefeitura nos últimos meses, além de perceber que a saúde financeira da administração municipal não é vigorosa, ao contrário.

Cairo começa dizendo: “Senhor prefeito, após promovermos um levantamento sobre as situações da Secretaria de Finanças e das finanças da Prefeitura de Goiânia, passamos a Vossa Excelência, o que conseguimos apurar até a presente data, onde ficamos perplexos”.

Os pontos indicados por Cairo em relação à administração são:
— Prefeitura com Certidão Positiva junto à Receita Federal, inclusa nos cadastros Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público (Cadin) e Único de Con­vênios (Cauc). Além disso, teria que pagar vários débitos autuados pendentes “e o que mais chama atenção é o Auto de Infração lavrado pelo INSS contra o Fundo Municipal de Saúde, no valor de R$ 20 milhões”;
— A arrecadação própria mensal da prefeitura conseguindo pagar apenas a folha do funcionalismo;
— Um déficit mensal na ordem de R$ 50 milhões ao mês, o que gerou uma dívida flutuante de restos a pagar de R$ 400 milhões, “daí para mais”;
— Apenas com sete fundos municipais e dois institutos — Instituto Municipal de Assistência à Saúde e Social dos Servidores de Goiânia (Imas) e Instituto de Previdência dos Servidores de Goiânia (IPSM) — a dívida era de R$ 120 milhões;
— Dívida fundada/contratada de R$ 988.309.429,33, que gerava um desembolso mensal em torno de R$ 9 milhões, 5,6% da receita do Tesouro;
— Custo da máquina administrativa: R$ 6,5 milhões, 4% da receita do Tesouro;
— Custo com a manutenção da cidade, feito pela Comurg e Semob: R$ 30 milhões, 20% da receita do Tesouro;
— Duodécimo da Câmara Municipal: R$ 6.592.206,43. 4,5% da receita do Tesouro;
— Total dessas despesas: R$ 52.092.206,43. 32% da receita do Tesouro;
— Para haver equilíbrio entre receita e despesa, sem investimentos com recursos do Tesouro, seria necessário que a arrecadação própria estivesse na ordem de R$ 210 milhões, R$ 50 milhões a mais do que a realidade;
— “A continuar neste descompasso entre receitas e despesas, em um futuro bem próximo não haverá recursos suficientes nem para pagar a folha do funcionalismo”. E “para agravar ainda mais a situação, o cumprimento do limite legal da despesa com pessoal — LRF — está extrapolado”.

Esses foram alguns dos pontos levantados pelo ex-secretário, que citou também medidas que deveriam ser seguidas para que a prefeitura saísse da crise em que já se encontrava no início do ano. Com as ações sugeridas pelo então titular das Finanças municipais, o Paço poderia gerar uma economia superior a R$ 45 milhões por mês.

As principais medidas seriam, entre outras: reduzir a folha de pa­ga­mento em 10% (R$ 16 milhões); reduzir os contratos de prestadores de serviços em 50% (R$ 5 mi­lhões); fazer com que órgãos como Mutirama, Zoológico, Procon e Secretaria Municipal de Trânsito (SMT) se mantenham com receitas próprias (R$ 4 milhões); revogar os fundos constituídos com repasses das receitas próprias do município (R$ 4 milhões); suspender horas extras e cortes de auxílio transporte (R$ 3 milhões); e reduzir o custeio da máquina administrativa em 20% (R$ 1,5 milhão).

Ou seja, a palavra-chave é “reduzir”. Mas por que a prefeitura afundou em tantas dívidas? Uma fração delas foi herdada (veja matéria a seguir), mas a maior parte foi gerada pela atual administração. Integrantes e ex-auxiliares do Paço dizem que a principal diferença administrativa entre Paulo Garcia e seu predecessor, Iris Rezende, é que o último era duro na administração. Não deixava criar novas secretarias, não dava aumentos salariais, não fazia serviços se não houvesse dinheiro.

Paulo, por outro lado, cedeu às pressões dos movimentos sociais, concedeu aumentos e quase dobrou o número de secretarias, visto que “algumas estavam com déficit de funcionários”. Por que fez isso? Segundo Cairo Peixoto, o prefeito “fez concessões acreditando que a prefeitura poderia contar com dinheiro do aumento do IPTU e ITU ou do governo federal, mas não entrou.”

Assim, o dinheiro do município, atualmente, só dá para pagar o que é obrigado: pagamento da dívida fundada; o duodécimo repassado à Câmara Municipal; e pagamento de folha salarial. Logo, não sobra dinheiro para investimento. Tanto que, de acordo com dados do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), neste ano foram aplicados apenas R$ 1.882.017,77 em investimentos, sendo que, entre janeiro e maio, nenhum recurso foi voltado para esta área.

Os recursos que deveriam ser voltados para investimento seriam os do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Contudo, ao que consta, essa verba é destinada ao pagamento da dívida fundada da prefeitura, que, segundo um ex-auxiliar de Paulo Garcia, já ultrapassou a faixa de R$ 1 bilhão, lembrando que o relatório de Cario Peixoto apontava uma saída mensal de R$ 9 milhões.

Para retomar os investimentos é preciso primeiro zerar a dívida com uma reforma administrativa. “Tem que diminuir o tamanho da máquina e pegar um empréstimo para solucionar os problemas. Os governos estadual e federal precisam ajudar ou a prefeitura irá quebrar”, relata Cairo, que ainda aponta: “Quem entra em crise leva tempo para sair dela. Quando uma empresa privada, por exemplo, entra em concordata, leva até seis anos para sair. No serviço público é mais fácil, mas precisa querer”.

Caixa positivo ou dívidas a pagar?

Uma questão já considerada mitológica é se a prefeitura tinha um caixa positivo ou não em 2010, quando Paulo Garcia assumiu — o petista herdou o Paço de seu padrinho político Iris Rezende, que deixou a administração do município no fim de março daquele ano para disputar a eleição ao governo do Estado. Uns dizem que tinha, mas os valores mudam de acordo com quem diz. Três ex-secretários de Finanças divergem nos valores. Um diz que o saldo era de R$ 200 milhões, outro de R$ 100 milhões e o outro de R$ 20 milhões.

Contudo, outro ex-secretário de Finanças, que esteve no cargo durante a gestão Paulo Garcia, diz que não há possibilidade do ex-prefeito Iris Rezende ter deixado um caixa positivo. “O que ele fez foi cancelar os empenhos no fim de 2009 para deixar dinheiro em caixa. Porém, a dívida ficou. Foi um malabarismo-fiscal-contábil”. Assim, temos o seguinte quadro: no ano de 2009, de acordo com dados do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), a Prefeitura de Goiânia acumulou R$ 97.118.100,50 de restos a pagar, deixados para serem quitados em 2010.

A título de explicação: as despesas públicas passam por algumas fases, sendo a primeira o planejamento, ou seja, a fixação da Lei Orçamentária anual. Daí em diante, se houver necessidade de uma obra ou compra acima de R$ 8 mil, é preciso fazer uma licitação. Feita a licitação, a administração efetua a nota de empenho, que significa tirar o valor da dotação orçamentária. Quando a obra ou o serviço for entregue, a administração faz a liquidação da despesa, que é o reconhecimento de entrega por parte do fornecedor ou prestador de serviço. Depois disso, resta dar o aceite na nota e efetuar o pagamento.

Assim, ao cancelar os empenhos, como dito pelo ex-secretário, Iris apenas deixou em caixa o dinheiro que era para pagar dívidas com fornecedores e prestadores de serviço. Por isso, “a dívida ficou”. Isto é, o Paço entrou no próximo exercício com um saldo negativo e, a esses poucos mais de R$ 97 milhões, ainda foram somados R$ 28.403.382,67, em 2010, resultando em R$ 125.521.483,17 de restos a pagar.

Desse valor, foram pagos R$ 72.472.505,10 e cancelados outros R$ 17.884.188,54, ficando R$ 35.164.789,53 mais os valores de depósitos — formados por contas de servidores, por exemplo, empréstimos consignados (R$ 75.829.308,32) — para serem pagos em 2011. Uma dívida total de R$ 110.994.097,85. As contas de 2011, 2012 e 2013 ainda estão sendo analisadas pelo TCM. Em razão disso, não é possível ter acesso a elas. Consequentemente, não há como saber se essas dívidas foram quitadas ou não.

 problema é que dívidas flutuantes não podem se acumular por muito tempo, a não ser que se tornem fundadas. Mas essa possibilidade é pequena, como explica Petrônio Pires de Paula, auditor de controle externo da secretaria de contas do governo do TCM. A diferença entre dívidas flutuantes e fundadas é a seguinte: “Dívida flutuante é aquela em que a administração tem até 365 dias, após o encerramento do exercício, para efetuar o pagamento. Já a dívida fundada ultrapassa o exercício financeiro, pois são, entre outras, operações de crédito via banco, parcelamentos junto ao INSS, dívidas patronais, ou seja, são dívidas maiores e a longo prazo”, explicita.

Ou seja, a prefeitura teria até o fim do exercício de 2011 para quitar esses R$ 100 milhões. Se não efetuou os pagamentos, há algo errado. Mas dívida flutuante pode se tornar fundada, estendendo o prazo para o pagamento? “Dívida flutuante pode se tornar fundada quando é proveniente de obrigação patronal. Se o município fizer um parcelamento junto ao órgão, por exemplo, o INSS, a dívida deixa de ser flutuante para virar fundada. Mas isso não é muito comum”, ressalta Petrônio de Paula.

O acúmulo desses débitos pode explicar os R$ 400 milhões apontados por Cairo Peixoto em seu relatório, que não são de dívida fundada, mas flutuante.

Tentativas de reverter o quadro

É certo que a prefeitura tem feito algumas medidas para tentar aumentar sua receita. Algumas acertadas (veja quadro); outras nem tanto, caso do projeto de aumento do Imposto Predial Territorial Ur­bano (IPTU) e Imposto Territorial Ur­bano (ITU). Os novos valores têm causado polêmica antes mesmo de chegar à Câmara Municipal. Ve­re­adores do bloco moderado afirmam que, em reunião com o Paço, fo­ram mostrados valores que aponta­vam reajuste de até 260% no IPTU, isto é, muito acima do esperado.

Um ex-auxiliar de Paulo Garcia aponta que a intenção da administração municipal é arrecadar algo próximo de R$ 400 milhões com os novos valores dos impostos. Neste ano, os recursos recebidos pelo Paço oriundos desses tributos, de acordo com informações do site da transparência da prefeitura, foram de aproximadamente R$ 235 milhões de IPTU e R$ 51,5 milhões de ITU. Isto é, quase R$ 290 milhões.

Por isso, não apenas vereadores da oposição discordaram da proposta feita pela gestão de Paulo Garcia, tanto que o projeto de lei que estipula a planta de valores ainda está em discussão. Uma audiência pública para tratar da questão já devia ter sido realizada, mas a prefeitura adiou e a reunião deve acontecer nesta semana. Sob pressão, o secretário de Finanças, Jeovalter Correia, argumenta que o projeto pode ser enviado à Câmara até o dia 30 de novembro, pois o prazo final para a votação vai até 20 de dezembro.

A questão é que nem os vereadores da base têm conhecimento das reais intenções do Paço, visto que o projeto completo ainda não enviado, mas apenas alguns índices e números para uma simulação. Um dos motivos para explicar essa cautela da prefeitura pode ser a reação que a base teve ao se deparar com a simulação da nova planta. Mesmo com valores ainda parciais, a proposta provocou protestos da base, que teme ter desgastes com a população.

Decreto do prefeito foi uma decisão acertada

O fato de a Prefeitura de Goiânia não ter ficado com caixa positivo de 2010 para 2011 é tão certo que professores da rede municipal de educação informaram à reportagem que 2010 foi o primeiro ano da administração em que a prefeitura deixou de pagar o 13º salário no mês de dezembro. “Paulo [Garcia] já assumiu a prefeitura com essa dívida do Iris [Rezende]”, disse um professor. “Por isso, em 2011, o 13º passou a ser pago no mês do aniversário”, lembrou outro.

Mas os servidores da Edu­cação têm outra preocupação: a de não receberem suas gratificações e horas extras, suspensas pelo decreto nº 1248, de 15 de maio deste ano. O decreto estabeleceu “medidas temporárias de contenção de gastos no âmbito do Poder Executivo, abrangendo a administração direta, autárquica e fundacional, os fundos especiais e as empresas estatais dependentes” pelo período de seis meses. O decreto do prefeito Paulo Garcia atendeu alguns dos pedidos feitos pelo ex-secretário Cairo Peixoto, que havia deixado o cargo duas semanas antes, no sentido de reduzir custos.

A preocupação dos servidores se dá pelo fato de que circulam especulações sobre uma possível prorrogação do decreto, que deveria terminar sua vigência no próximo dia 15 de novembro. A questão é: a prefeitura não tem condições de quitar esses débitos com os servidores. Alguns professores, por exemplo, têm mais de 80 dias de trabalho para receber, ou seja, os custos são muito altos para a folha de pagamento, que já corre o risco de ultrapassar o limite da Lei de Responsa­bilidade Fiscal (LRF).

O decreto suspendeu, entre outras coisas: nomeação de comissionados; concessão de gratificações; admissão de pessoal, bem como de estagiário, menor aprendiz ou jovem cidadão; disponibilização de pessoal, com ônus para o órgão ou entidade de origem; concessão de licença prêmio; promoção ou progressão funcional, linear ou vertical; instituição de novos benefícios; a inclusão na folha de pagamento do mês de diferenças salariais relativas a meses anteriores; o pagamento de horas extras; realização de concurso público; participação em cursos, congressos, seminários e similares; celebração de contratos de prestação de serviço de consultoria, limpeza, vigilância, buffet e filmagem de eventos, bem como de locação de bens móveis, imóveis e outros espaços, ressalvada, em qualquer caso, a prorrogação dos já firmados.

A preocupação dos servidores da Educação é legítima, visto que têm direito de receber pelo que trabalharam. Contudo, do ponto de vista administrativo, deve-se reconhecer que o prefeito acertou a mão no decreto, uma vez que a prefeitura não tem condições de arcar com mais essa dívida. Caso contrário, o prefeito corre o risco de infringir a legislação fiscal e, inclusive, cair em infração de improbidade administrativa.

O decreto tem “prazo de validade” marcado para o próximo dia 15 de novembro. É certo que o prefeito já esperava contar com os novos valores de cobrança do IPTU e ITU para suprir uma parte desses compromissos com folha de pagamento. Contudo, com a votação travada na Câmara, o mais provável é que haja uma prorrogação das suspensões referidas acima.

Ainda seguindo as sugestões do relatório de Cairo Peixoto, no fim da semana passada, o projeto de lei proposto pelo prefeito Paulo Garcia, que dispõe sobre a cobrança de valores para coleta de lixo, foi aprovado na Câmara Municipal.

A taxa será destinada para o pagamento de transporte, coleta e destinação final de resíduos sólidos produzidos por indústrias, comércios e condomínios não residenciais. Os valores serão definidos pelo Executivo e há uma previsão de reajuste dos custos a cada 12 meses.

A proposta se baseia em uma determinação da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que determina a coleta e transporte de resíduos sólidos produzidos por grandes geradores, como indústrias, devem ser custeados pelos interessados. Com isso, a prefeitura terá mais receita para trabalhar. (M.N.C.)

Planos de reestruturação não concluídos

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Secretário não quis se pronunciar a respeito da situação financeira da prefeitura

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Fonte: Jornal Opção (Marcos Nunes Carreiro)