Macambira Anincus: A importância de um parque para a cidade
Emiliano Lôbo de Godoi é professor doutor em planejamento e gestão ambiental da escola de Engenharia Civil da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele, que trabalhou na parte que trata da recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) do Programa Macambira-Anicuns, diz que enxerga uma série de benefícios na execução do projeto, sobretudo sua importância socioambiental para a cidade:
— Social: os parques são áreas a mais para a ocupação do público e lazer da sociedade. “Só se preserva de verdade aquilo que se ocupa e conhece”, afirma. O professor aponta que, quando um local não é utilizado em seu devido o uso, ele sempre fica relegado a um segundo plano, fazendo com que a população perca um espaço público que poderia ser usado na cidade, em especial, em regiões onde não há tantos equipamentos urbanos. “Logo, a importância social é muito grande”;
— E ambiental: os fundos de vale, fatores centrais ao longo da execução do projeto Macambira-Anicuns, de Goiânia têm um papel de suma importância tanto na tarefa de infiltração das águas da chuva quanto na redução da vazão dessas águas nesses mananciais, isto é, de inundação. “Além disso, eles também têm uma importância na preservação da biodiversidade das espécies vegetais que existem nesses fundos de vale e que, geralmente, são ocupados de forma indevida por construções e invasões. Ou seja, os parques promovem uma limitação física desses espaços, preservando a biodiversidade e fazendo com que a população tenha condições de existir naquele local”, ressalta.
Aprofundando as análises da questão ambiental, Godoi destaca a obrigação em manter 30 metros de largura e preservação das margens dos córregos e ribeirões pelos quais o parque linear passará. Essa não é apenas uma vontade da Prefeitura, mas uma obrigação legal. O Código Florestal estabelece que deva ser garantida uma margem mínima de 30 metros de APP. No caso específico de Goiânia, o Plano Diretor estabelece como APPs: “as faixas bilaterais contíguas aos cursos d’água temporários e permanentes, com largura mínima de 50 m, a partir das margens ou cota de inundação para todos os córregos; de 100 m para o Rio Meia Ponte e os Ribeirões Anicuns e João Leite, desde que tais dimensões propiciem a preservação de suas planícies de inundação ou várzeas”.
Godoi explica que essas faixas são importantes porque, se ela for impermeabilizada, o escoamento de água superficial é aumentado, assim como a vazão. A questão é que, quando a água entra em uma área de vegetação, ela escorre de forma bem reduzida, pois infiltra no solo. Já em uma área urbana impermeável, ela não só não infiltra como alcança uma velocidade muito grande, levando a poluição — que não é apenas o lixo, mas também o óleo dos carros — para o fundo de vale, o que compromete a qualidade dessas águas e aumenta enormemente a vazão, isto é, o risco de inundação.
Uma aula prática, segundo ele, é observar a grande vazão do Córrego Botafogo quando chove pouco. O que isso significa? “Que temos uma grande área impermeabilizada, que leva toda a água para aquele córrego. Assim, mesmo com pouca chuva, já há um aumento enorme na quantidade de água. E como a marginal é retificada, a água também não infiltra. Isso faz com que a vazão seja ainda maior. Então, o disciplinamento da água visa evitar erosões e favorecer a infiltração”, analisa.
Isso é o que não poderá ocorrer ao longo do trajeto do Macambira-Anicuns. Mas o professor conta que o projeto foi bem estruturado nesse sentido e prevê a recuperação da vegetação ao lado dos córregos. “Essa vegetação se chama mata ciliar por um motivo, porque funciona como um cílio, um filtro para barrar qualquer tipo de impureza por escoamento superficial e manter a qualidade e quantidade desses rios”.
Meios de recuperar as margens
Mas para deixar os 30 metros de APP aos quais prevê o projeto, a Prefeitura precisará desapropriar muitos imóveis que estão a menos da margem mínima (leia matéria ao lado). E é exatamente pelas áreas urbanas contarem com essas dificuldades que o projeto precisa ser executado. “Quanto mais urbana é a área, mais importante se torna a preservação dessas APPs, pois a ocupação dessas faixas faz com que elas se tornem áreas de risco. Quando há inundação, elas são as primeiras áreas atingidas com risco de erosão e desabamento. Logo, esses locais precisam, de fato, funcionar como Áreas de Preservação Permanente”, declara Godoi.
O professor conta que, quando foram realizados os estudos para o projeto, as áreas foram divididas em cinco etapas: da mais degradada a mais conservada. E para cada categoria foi estabelecida uma estratégia de intervenção. “Quando a área está ocupada, a primeira ação é desocupá-la. O segundo momento é disciplinar a água superficial para evitar erosão. E a terceira ação é fazer um projeto de recuperação de solo”, declara.
Segundo ele, as ações a serem realizadas no Macambira-Anicuns preveem: uma adubação verde — basicamente feito com leguminosas; e o plantio de espécies chamadas de pioneiras — que são mais agressivas e cujo objetivo é colonizar mais rapidamente o terreno a ser recuperado — e de espécies secundárias ou clímax — espécies vegetais que sobrevivem quando o solo já estiver mais adequado. Com esses procedimentos, Godoi relata que a área foco fique reestabelecida dentro de quatro ou cinco anos.
Desapropriações são apontadas como um dos grandes entraves para a execução do projeto
O programa Macambira-Anicuns, por ser grande, tem alguns pontos que geram maiores dificuldades tanto à Prefeitura de Goiânia quanto ao consórcio executor. Um desses pontos trata das desapropriações de imóveis e áreas próximas aos cinco córregos pelos quais o parque linear passará. Segundo técnicos da Prefeitura, o levantamento dos imóveis da primeira etapa — que vai do Setor Faiçalville ao Jardim Europa — a serem desocupados passa dos 200. Contudo, esse levantamento tem mais de dois anos, logo, cogita-se que esse número já tenha sido superado.
No Decreto nº 2617, de 19 de agosto de 2011, o prefeito Paulo Garcia (PT) determina as áreas que precisam ser desapropriadas para que o projeto seja, de fato, executado. No artigo 3º, o documento descreve que a “área a ser desapropriada é de, aproximadamente, 23,70km e, no mínimo 30 m de largura em cada margem dos córregos e afluentes que trata o art. 1º [Córrego Macambira, Ribeirão Anicuns e seus afluentes]”:
— Córrego Pindaíba, com extensão de 50 metros de cada uma de suas margens;
— Córrego Buriti, com extensão de 50 metros de cada uma de suas margens;
— Córrego sem nome do Bairro Capuava, tributário do Córrego Macambira, com extensão de 50 metros de cada uma de suas margens;
— Córrego Cascavel, com extensão de 50 metros de cada uma de suas margens;
— Córrego Santa Helena, com extensão de 50 metros de cada uma de suas margens, a partir de seu cruzamento com a Rua RB, no Setor Campinas;
— Córrego Botafogo, com extensão de 50 metros de cada uma de suas margens, a partir do cruzamento com a Rua Dr. Constâncio Gomes, no Setor Criméia Leste, até sua foz no Ribeirão Anicuns;
— Extensão de 100 metros de raio em torno de cada uma das nascentes dos cursos d’água existentes na área de abrangência do projeto Macambira-Anicuns.
Os pontos de dificuldades são dois: o valor das desapropriações e a negociação para remoção dos moradores. O valor estimado das desapropriações, de acordo com o documento de apresentação do Programa Urbano Ambiental Macambira-Anicuns (Puama), está estimado em R$ 250 milhões — fora o valor das obras nos parques, orçadas em R$ 360 milhões.
Já a negociação é um tema delicado. Todas as residências que se encontram na parte inferior da Alameda Santa Rita, onde há obras acontecendo, entre o Setor Novo Horizonte e o Residencial Granville, por exemplo, deverão ser desapropriadas, uma vez que estão na zona de abrangência da Área de Preservação Permanente (APP) — entre 30 e 50 metros do Córrego Macambira.
São aproximadamente 40 residências apenas nesse local, que somadas às outras no trecho que engloba o Setor Novo Horizonte, totalizam 76. Mas há uma parte significativa de imóveis que estão na área de abrangência do projeto, em outras regiões, que se trata de invasões irregulares. Em relação a essas, a negociação ocorre de maneira diferente com indenização aos moradores.
O engenheiro civil da unidade executora do Puama e fiscal das obras, Orênio Neves de Souza, explica que, no caso dos imóveis da Alameda Santa Rita, o processo já está em fase de negociação. “Os que forem negociando serão removidos. Já conseguimos desocupar dois imóveis neste mês e temos cadastro do restante. Assim que concluída a negociação, de acordo com as regras socioambientais e com o pagamento da indenização, é que será feita a demolição dos imóveis.” A partir de então, começam as obras de limpeza da área.
Segundo ele, o morador que terá sua residência desapropriada tem algumas opções: essa família pode ser levada a uma unidade habitacional do município, pelo programa Minha Casa, Minha Vida, por meio da Secretaria de Habitação; receber um bônus moradia, em que o morador pode comprar outro imóvel que encontrar, não necessariamente em Goiânia, visto que esse bônus já foi usado para compra de casas em outras cidades; ou uma indenização, em que a Prefeitura faz uma avaliação do imóvel e faz a retificação das benfeitorias que os moradores edificaram no imóvel. Mas só conta a área construída. “O terreno não conta.”
Os motivos
O motivo principal para as desapropriações vai além de estética. A questão é que as áreas, já consideradas como não ocupáveis, são importantes para a preservação do rio, em grande parte por serem o local onde antes havia mata ciliar. Sem essa vegetação, reduzida para dar espaço às construções, as margens começam a ceder, prejudicando o córrego, causando erosões, além de risco para os próprios moradores.
Clarismino Júnior, que é advogado especialista em Direito Ambiental, relata que analisou o projeto Macambira-Anicuns muitas vezes quando foi presidente da Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma) — assumiu a frente do órgão durante a última gestão do ex-prefeito Iris Rezende (PMDB). E, para ele, a questão das desapropriações deve ser priorizada.
De acordo com Júnior, a jurisprudência determina que, em locais de preservação ambiental, deve ser aplicada a lei mais restritiva. Nesse caso, a Lei Municipal, que limita a APP entre 50 e 100 metros de largura. Isto é, provoca a desapropriação de muitas residências fixadas nessa área de abrangência. Contudo, Júnior entende que algumas famílias estabeleceram suas casas nesses locais, antes mesmo que houvesse alguma legislação específica de afastamento da margem dos córregos, ou a legislação da época era diferente da existente agora. Logo, ele defende uma relativização dos métodos utilizados para execução do projeto.
“Há um vocábulo latino que diz: ‘Tempus regit actum’. Significa ‘o tempo rege o ato’. Assim, eu entendo que, nesses lugares, deve haver uma tolerância mínima de 15 metros. Nas demais localidades em que já havia legislação instituída à época da instalação dos moradores devem ser garantidas a margem de 30 ou 50 metros, de acordo com as várias legislações que vieram ao longo do tempo”, relata. A questão, de acordo com o advogado é que, “se a Prefeitura não for pragmática nesse sentido e fazer algumas concessões, o projeto não será aplicado. Trava.”
Vai travar as obras?
De acordo com o coordenador da unidade executora do Puama, Nelcivone Melo, a questão oferece dificuldades, mas não irá travar as obras mais uma vez. Ele classifica as desapropriações como um desafio, uma vez que “ninguém quer sair de onde está morando”. Contudo, afirma que a Prefeitura fará o remanejamento da população, indenizando-a pelas propriedades. “Essa é uma batalha em que se mata um leão a cada dia. No início do projeto, fizemos um levantamento, que está sendo refeito agora. Procuramos trabalhar simultaneamente para não deixarmos que essas desapropriações deixem a obra atrasar”, relata.