Calor extremo será cada vez mais frequente, afirma cientista
Onda de calor poderia ser atenuada com projeto de arborização da cidade, segundo climatologista
Um episódio de calor atípico atingiu o Brasil nesta semana com temperatura acima dos 40ºC no Sul, no Centro-Oeste e no Sudeste do país. Cuiabá e Campo Grande registraram na quarta-feira, 30, a maior temperatura da suas histórias. A temperatura máxima, confirmada no final do dia pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), chegou a impressionantes 44,0°C em Cuiabá, um recorde histórico na cidade que registra sua temperatura desde desde 1911. Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, também teve quebra de recorde com máxima de 40,8°C na tarde da quarta-feira. A estação está operacional desde 1975.
Segundo a MetSul Meteorologia, um dos principais geradores de conteúdo de informação meteorológica do Conesul, a causa da onda de calor foi uma cúpula de calor ou “heat dome” em Inglês, em que uma área de alta pressão em altitude gera movimentos de subsidência (descendente) na atmosfera com calor extremo e tempo muito seco. A forte estiagem com baixa disponibilidade de umidade no solo acaba agravando a situação e cria-se um mecanismo de feedback em que o tempo seco agrava o calor e o calor agrava o tempo seco, gerando ainda maior evapotranspiração.
Segundo dados coletados pelo Instituto Nacional de Meteorologia, a temperatura máxima em Goiânia chegou a 39,9ºC na quarta-feira, quando a umidade relativa do ar era de apenas 11%. A MetSul Meteorologia advertiu que o calor com tamanha intensidade em uma atmosfera de umidade muito baixa e ainda com um padrão de estiagem de meses em algumas áreas eleva o risco de fogo a valores críticos e emergenciais com altíssimo número de queimadas no Centro-Oeste.
Extremos cada vez mais frequentes
Gislaine Cristina Luiz pesquisa o clima no Laboratório de Análise da Atmosfera e da Paisagem (Lap) do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade federal de Goiás (Iesa/UFG). Segundo a cientista, a temperatura mínima também aumentando, o que significa que os períodos de frescor da madrugada e noite têm sido reduzidos. O prolongamento da sensação de calor é maior durante o dia.
Existem duas razões para este cenário extremo, diz Gislaine Cristina Luiz. Em parte, a conjunção de fatores naturais explica o período atípico. “Neste período do ano, estamos sob a forte influência da massa de ar que impede formação de nuvens; favorece a elevação das temperaturas; diminui a umidade relativa do ar. Isso tudo é parte da dinâmica climática do Centro-Oeste que nos atinge todos os anos”.
Entretanto, parte da origem do clima extremo é antrópica – isto é, causada por pessoas. Atividades de mudança da cobertura do solo incrementadas pela cidade como a troca da vegetação natural por concreto, asfalto e edificações explicam o aumento da temperatura em áreas urbanas, afirma Gislaine Cristina Luiz. “São materiais cujo aquecimento mediante radiação solar é muito alto. Essa modificação potencializa a ação dessa massa de ar para gerar temperaturas mais elevadas”, justifica.
Somam-se a isso outros fatores, como as queimadas, a agropecuária extensiva, o desmatamento. Gislaine Cristina Luiz afirma: “Associados à dinâmica da sociedade urbana, estes fenômenos potencializam a ação da massa de ar. Temos temperaturas que tendem a atingir recordes que fogem à média histórica, de forma muito rápida e intensiva. Desde nosso recorde em 2015 – 40,2ºC – temos observado ano após ano a tendência de aumento (tanto de temperaturas máximas quanto de mínimas) durante o final do inverno e início de primavera.”
Consequência e solução
As consequências do aumento da temperatura e diminuição da umidade relativa do ar vão além do desconforto. A impermeabilização do solo nas áreas urbanas e de pastagem ameaçam a oferta de água e tornam eventos climáticos extremos mais frequentes. “Temos de considerar os extremos em várias partes do globo: são furacões intensos, secas intensas, queimadas intensas, chuvas intensas. Vivemos momentos de extremos em todas as partes do mundo, e eles ocorrem em intervalos cada vez mais curtos.”
Gislaine Cristina Luiz pesquisa soluções em nível regional para a questão do aquecimento. Desde 2015, a cientista coleta dados meteorológicos em pontos específicos de Goiânia para subsidiar a análise de soluções para o problema climático na cidade. “A ideia é planejar um projeto de arborização da cidade”, explica a pesquisadora.
“Pelo que nossos dados indicam, as Ilhas de frescor que são os parques não garantem por si só a melhoria da qualidade do ar para toda a cidade. Ao redor dos parques existem ilhas de calor”, afirma Gislaine Cristina Luiz. Segundo ela, é necessário começar a discutir esses dados para criar no nível do planejamento de gestão da cidade um projeto de arborização. “Apenas assim conseguiremos amenizar esses períodos mais críticos de calor.” A cientista lembra que a população deve exigir a qualidade ambiental de seus governantes e representantes, pois esta é uma questão de saúde física e mental. “A questão da qualidade do ar perpassa a questão climática e ambiental. A população tem de recorrer aos gestores para serem trabalhadas políticas que impeçam os efeitos do adensamento urbano”, conclui.
Fonte: Jornal Opção