Congresso analisa transporte público

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Foco das principais manifestações no País e gargalo das principais cidades, sistema possui gerência ainda carente de novos modelos.

Passe livre, estrangulamento das vias urbanas, modelos de financiamento da tarifa do transporte público. Temas urgentes pautados pelas grandes manifestações de junho e julho no País são debatidos no 12º Congresso Goiano de Direito Administrativo, que acontece esta semana na sede da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego).

Especialista em Direito Público, o advogado Guilherme Gonçalves discutiu na tarde de ontem os reflexos sociais e o impacto no equilíbrio econômico-financeiro das concessões de transporte público no Brasil. Já as alternativas para a modicidade tarifária no transporte coletivo urbano foram abordadas pelo professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Vitor Schirato.

Para Gonçalves, é preciso encontrar outras fontes de financiamento para o transporte público que não somente a tarifa paga pelo usuário. Pois o modelo financiado dessa forma é insuficiente para pagar os custos de um transporte público moderno, eficiente, sustentável e ecologicamente correto. E, ao mesmo tempo, onera muito o usuário comum. Enquanto Schirato salienta que a regulação independente e clareza nas políticas públicas seriam essenciais para desonerar o usuário e modernizar o sistema.

“O passe livre universal é um modelo perverso”

O HOJE – Qual modelo de transporte público que funciona no Brasil?
Guilherme Gonçalves – Não dá para se dizer que há um modelo que funcione completamente. Há que se resolver o problema fundamental do próprio modelo. Eu tenho absoluta convicção de que não se sustenta o modelo de transporte público urbano que seja integralmente financiado pela tarifa cobrada dos usuários que estão no sistema. Como é o caso do Brasil. A ideia de mobilidade urbana é uma ideia de política pública, de um direito fundamental. Assim, o modelo de Curitiba é interessante, ainda que esteja atrasado. Ele inovou muito nas décadas de 1970 e 80 ao inserir as canaletas exclusivas e priorizar o transporte público.

Qual seria a solução para o impasse entre os custos de um transporte moderno e acessibilidade das tarifas?
Devemos encarar o transporte coletivo público como modelo integrante de uma política maior de mobilidade urbana, na qual toda a sociedade tem que financiar o transporte público, como acontece na França e nos Estados Unidos, na Alemanha etc. A União Europeia tem um pacto que estipula um dispositivo justamente por reconhecer que o autofinanciamento por tarifa, como é usado aqui no Brasil, é inviável para que se possa subsidiar o transporte.

Os protestos de junho e julho foram pautados pela exigência do passe livre. É um modelo que pode ser sustentado?
O passe livre universal não é justo, porque ele vai economizar um estudante que é morador de uma periferia, que de fato precisa da gratuidade, e o estudante de classe média alta que tem condição de financiar a sua mobilidade. Eu não acho que isso seja uma exigência justa neste contexto. Pior ainda, quem acaba pagando essa conta, se o transporte for financiado em parte pela tarifa como é aplicado no Brasil, é quem anda de ônibus, ou seja, o mais humilde. É um modelo perverso.

Os modelos de Veículos Leves sobre Trilhos (VLT) que estão sendo implantadas no Brasil é uma solução?
Pode ser. Quando você fala de soluções de modal para transporte coletivo, não se pode dizer se é mais certo ter ônibus, ou ter metrô ou VLT. Cada modal tem um tipo de solução específica. A capital da Colômbia (Bogotá) copiou o modelo de Curitiba e fez várias canaletas de vias exclusivas, investindo-se quarenta vezes menos do que gastariam com metrôs. Tem então que se equalizar qual é a capacidade de gasto do Estado, qual é a interferência na cidade e o que a população quer.

A substituição do Eixo Anhanguera, aqui em Goiânia, pelo VLT funcionaria?
Eu não tenho os dados técnicos. O modelo mais barato é o ônibus. Basta fazer uma muretinha, segregar o transporte público do privado e pronto. Tem-se um metrô sobre pneus. Barato. Se o VLT conseguir interferir menos na vida da cidade como um todo e transportar um número maior de pessoas do que transportaria o ônibus, é uma solução inteligente. Agora, se tirar ônibus para colocar VLT para transportar a mesma quantidade de pessoas eu acho inadequado.

“Somente a tarifa não consegue manter o VLT”

O HOJE – Como o transporte público no Brasil é financiado?
Vitor Schirato – O transporte público por aqui é sustentado prioritariamente por tarifa. Que eu saiba só existem dois municípios que pagam subsídio direto para o prestador, São Paulo e São Bernardo do Campo. Em São Paulo o subsídio não tem muito sentido porque as políticas públicas são mal colocadas. Normalmente existe uma pretensão de que o sistema de transporte seja financiado pelo próprio usuário, por meio do pagamento de tarifas, que não faz muito sentido. Nenhum lugar do mundo funciona assim.

Qual seria o modelo ideal para a nossa realidade?
Seguir a experiência internacional. Que é o modelo que o usuário paga uma parcela e o Estado complementa. Para garantir qualidade, universalização, inovação. Isso tudo é fundamental. Isso tudo não vai ser alcançado se não houver participação efetiva do Estado. Transferir 100% da conta para o usuário é inviável.

Como o Estado participaria dessa conta?
Com subsídio. Seja subsídio genérico pago com base na lei de concessões, na lei 8987, seja um subsídio na forma de contraprestação pública na lei de Parceria Público Privada (PPP), na lei1179.

O que o senhor conhece do Eixo Anhanguera e o que diria sobre esse modelo? É funcional?
É uma boa iniciativa. O problema é que é limitada. Pois usa um modelo de subsídio cruzado. Mas esse modelo só funciona até o limite máximo que a tarifa pode ser aumentada. Qual é a lógica do subsídio cruzado? Alguns cidadãos pagam pelo uso dos outros. Consigo fazer isso até que os cidadãos que pagam suportem o valor da passagem. É uma boa solução, mas é um mecanismo que uma hora vai encontrar um limite.

O modelo de VLT conseguiria fechar essa conta?
Sim. Aqui é feito com subsídio, pois será feito na forma de PPP. O VLT garante maior rapidez, maior conforto, maior segurança, melhora significativamente a vida do cidadão. Só que é uma melhora que a própria tarifa não consegue manter, por isso a necessidade da PPP. É o que se fez em São Paulo, com o metrô, no Rio, com o VLT.

O passe livre é um modelo viável?
Não. Melhor dizendo, é. Só que vai faltar dinheiro para segurança pública, para saúde, educação. O dinheiro é escasso. O que se tem que cobrar não é o passe livre, mas o fim do mau uso do dinheiro público no transporte. Talvez eu possa baratear o preço da passagem, usando melhor o dinheiro público. Transferir ao Estado o ônus de garantir o serviço certamente vai fazer com o que o Estado perca recursos para outras atividades essenciais.

Fonte: Jornal O Hoje