Saem as praças. Ficam os carros
Pelo menos oito modificações ou eliminações de praças em favor dos carros já ocorreram desde 2006 na capital. Criada em 1996, Praça do Relógio nunca foi espaço de convívio mas era considerada referência no Jardim Goiás.
Até o fim deste ano, Goiânia não terá mais a Praça do Relógio, no Jardim Goiás, que está sendo recortada pela Prefeitura para a continuidade da Avenida Jamel Cecílio e da Rua 12, sob o argumento de aumentar a fluidez no trânsito em uma região crítica da cidade. As obras começaram na terça-feira. A solução para o problema dos carros suscitou discussões sobre a perda de referências e até da identidade da capital, já que a praça é considerada um equipamento característico da Região Sul. Nas redes sociais há até mesmo uma campanha: #SalvemaPraçadoRelógio.
O recorte, modificação ou eliminação de praças para dar mais espaço aos carros está longe de ser uma prática nova em avenidas da cidade e se repete em várias administrações do município. Desde 2006, já são pelo menos oito praças que sofreram adaptações ou desapareceram para dar espaço aos veículos. A Praça do Chafariz na T-63 com 85, por exemplo, deu lugar a um viaduto em 2008. O mesmo ocorreu na Praça do Ratinho um ano antes.
Em alguns casos, trata-se de uma solução rápida e pontual, em que se troca uma rotatória por um trecho semaforizado, como foi na Praça Walter Santos em 2006 e na Edilberto Veiga Jardim em 2011, cortadas ao meio para dar maior fluidez ao trânsito.
Em outros casos, a intervenção é mais grave. São os casos das praças A e da Bíblia, que há muito tempo são terminais de ônibus, e a Praça do Bandeirante, que ficou apenas com a estátua do Bandeirante, sem a praça.
BRT
Em 2016, a praça existente no cruzamento da Avenida 90 com a 136, no Setor Sul, vai dar espaço para o corredor da BRT (Bus Rapid Transit, da sigla em inglês). O mesmo vai acontecer no cruzamento da Perimetral Norte com a Goiás Norte.
O secretário municipal de Trânsito, Transporte e Mobilidade (SMT), Andrey Azeredo, afirma que a Praça do Relógio, na prática, é uma rotatória, cuja função é conter o tráfego na Avenida Jamel Cecílio e que, atualmente, ela se tornou obsoleta. Andrey conta que o local foi denominado Praça Rotary Club Internacional em 10 de outubro de 1996 e nunca foi espaço de convívio para as pessoas. Abaixo da praça, há as casas de máquina feitas para que o relógio funcionasse e, por isso, o espaço permeável do local é menor do que em uma praça comum. “As referências da região são a Marginal Botafogo, a Avenida E, o viaduto da BR-153 e GO-020, o Centro Cultural Oscar Niemeyer e até o shopping, mas a rotatória não”, afirma o secretário, contestando os críticos que condenam a mudança.
Pesquisa na internet revela, no entanto, que lojas da Avenida Jamel Cecílio e empreendimentos residenciais da região consideram a Praça do Relógio como referência, assim como motoristas que trafegam pela via, até mesmo para a indicação de endereços. Além disso, o local guardava características paisagísticas diferentes, que criavam um clima de certa afetividade com a população.
Referências
A arquiteta e urbanista Maria Ester de Souza, vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), afirma que não cabe ao Poder Público definir quais são as referências da cidade e, sim, o próprio cidadão. “A referência pode ser qualquer coisa, até uma árvore numa esquina ou em uma avenida, isso depende da relação que a pessoa tem com a cidade”, diz. Para ela, o secretário nega a importância histórica da Praça do Relógio, construída na década de 1990 para ser um marco na entrada sul de Goiânia, independente do tempo em que isso ocorreu.
Doutora em Transportes e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Erika Cristine Kneib afirma que os marcos urbanos são importantes para a legibilidade da cidade, que é necessária para a relação com o cidadão. Kneib explica que os marcos são usados na leitura da cidade, uma forma de reconhecer e se afeiçoar com o espaço urbano, além de servir também na construção da paisagem. “A Praça do Relógio já foi um ponto paisagístico importante e se o problema é ela não ser uma praça, que construam a praça para o relógio.”
Utilidade
Andrey Azeredo explica que o recorte na Praça do Relógio é uma decisão técnica que procura resolver o problema da Avenida Jamel Cecílio e, por isso, não ocorre sozinha. Além desta mudança, cuja decisão foi tomada em 2013, há um projeto de reconfiguração semafórica e proibição de estacionamento em parte da via. “Com as mudanças, seria ainda pior se mantivesse a rotatória. O semáforo organiza melhor o trânsito e melhora a fluidez. Hoje, a rotatória já não beneficia o trânsito local, é uma demanda de quem está na região.”
Maria Ester, em contrapartida, acredita que a rotatória no local, por ter mais de quatro saídas, funciona melhor que a semaforização na ordenação do trânsito. “Além disso, ela funciona como barreira da água em enxurrada, quebrando a velocidade e ajudando na drenagem da cidade.” Ela também afirma que a rotatória facilita a fluidez e a segurança, já que não há respeito pela semaforização. Andrey diz que, nesse caso, o argumento seria usar o problema da falta de respeito para impossibilitar mudanças na cidade.
Fonte: Jornal O Popular