Contas da Prefeitura de Goiânia ajudam a entender sua crise

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Jornal Opção analisou a situação econômica da administração nos últimos anos para compreender porque a cidade está praticamente parada

Nos últimos dois anos, Goiânia tem experimentado períodos de crise: lixo nas ruas, buracos, iminência constante de aumento de impostos, servidores insatisfeitos. O acirramento dessa situação veio na semana passada, quando diversas categorias de servidores municipais entraram em greve: Guarda Municipal, servidores da Saúde e da Educação.

A Guarda Municipal foi a primeira categoria a paralisar os trabalhos, no dia 6. Nove dias de­pois, entrou em acordo para retomar os serviços. Contudo, na Saúde e na Educação, o quadro apenas piorou. Na Saúde, todas as categorias aderiram ao movimento, inclusive o Serviço de Aten­dimento Móvel de Urgência (Sa­mu). Na Educação, a greve já atinge 203 escolas, isto é, aproximadamente 56% da rede. Já se fala em greve geral por parte dos servidores da Prefeitura.

Isso, aliado à já rotineira posição do prefeito Paulo Garcia (PT) em adiar suas prestações de contas à Câmara Municipal, tem causado verdadeiro esforço por parte da população em tentar entender a real situação da Pre­feitura de Goiânia. Em novembro do ano passado, quando chamado para prestar contas, Paulo adiou alegando que o Paço passava por problemas contábeis. Desta vez, a questão foi a “falta de segurança” que sofreria na Câmara, uma vez que boa parte dos servidores insatisfeitos estaria presente.

Há muito o secretário de Finanças, Jeovalter Correia, é procurado para explicar o estado financeiro da Prefeitura, mas não é encontrado. O Jornal Opção tentou falar com o auxiliar de Paulo Garcia, mas, até o fechamento desta edição, não recebeu respostas. A reportagem, então, procurou analisar as contas da administração com a ajuda do Sistema de Coleta de Dados Contábeis, disponibilizado pela Caixa Econômica Federal; do Sistema de Infor­mações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Sicon­fi), do Tesouro Nacional; e dos relatórios do Tribunal de Con­tas dos Municípios (TCM); além do próprio Portal da Trans­parência da Prefeitura.

A dívida da gestão municipal, a qual nem mesmo os ex-secretários de Finanças sabem dizer ao certo o valor, não é discriminada em lugar algum. De acordo com dados do TCM, a Prefeitura fechou 2013 — último relatório disponível — com uma dívida fundada de R$ 730,188 milhões. Dívida fundada é aquela que ultrapassa o exercício financeiro, isto é, acumulativa. Isso significa que a gestão já começou 2014 com essa dívida para ser quitada. Isso se soma à dívida fiscal consolidada que, em junho do ano passado, marcava R$ 424,69 milhões, de acordo com as informações dos próprios relatórios disponibilizados no Portal da Transparência.

Baseado nesses números é possível saber que a dívida de Goiânia não é pequena, embora a Prefeitura se recuse a falar dela, tentando reverter o quadro com um aumento crescente de receita. Entra aqui o projeto barrado na Câmara Municipal de aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Mas apenas aumentar a receita não adianta. Propôs-se, então, uma reforma administrativa — cujo projeto precisou ser reenviado aos vereadores na semana passada —, com redução de secretarias e servidores comissionados. Essa reforma, no entanto, precisará ser muito rígida, pois o grande problema da Prefeitura é, de fato, a folha de pagamento (veja matéria ao lado).

Uma questão a ser avaliada é: a receita da administração municipal não é tão baixa quanto o prefeito e seus auxiliares dizem. Em 2013, a receita de Goiânia foi de R$ 3,320 bilhões. Em 2014, ficou em R$ 3,393 bilhões. Esses números são superiores aos de muitas capitais do Brasil, como: Campo Grande (MS), que tem uma receita de aproximadamente R$ 2,33 bilhões; Belém (PA), cerca de R$ 2,24 bilhões; e Manaus (AM), R$ 3,25 bilhões.

Logo, o problema são as despesas. Se em 2014, a receita subiu em comparação com o ano anterior, o mesmo ocorreu com as despesas: R$ 3,356 bilhões, em 2013; e R$ 3.393 bilhões, em 2014. A lógica é simples: enquanto a Prefeitura continuar gastando mais do que arrecada, não há saída.

Folha de pagamento é o grande problema de Paulo Garcia

A folha de pagamento dos servidores tem sido o grande “x” da questão para todos os administradores públicos no Brasil, pois o Estado brasileiro ainda se mostra como o maior sustentador da economia e o grande empregador. Com isso, sofrem todos: União, Estados e municípios. A União, por exemplo, terminou o ano de 2014 com uma despesa total de gastos com pessoal na casa dos R$ 161,17 bilhões; o Estado de Goiás, R$ 7,71 bilhões; e o município de Goiânia, R$ 1,65 bilhão. Os números são altos.

Quando analisados, os gastos com folha de pagamento da Pre­feitura de Goiânia se mos­tram como um dos grandes culpados para a falta de recursos. Seguindo as informações do Sistema de Coleta de Dados Contá­beis, disponibilizado pela Caixa Eco­nô­mica Federal, é possível ter o seguinte parâmetro:

Em 2004, último ano da gestão do ex-prefeito Pedro Wilson (PT), o gasto com pessoal foi de R$ 448,048 milhões. Dados consolidados. Em 2005, primeiro ano de administração do então prefeito Iris Rezende (PMDB), os números subiram um pouco devido ao chamado crescimento vegetativo da folha: R$ 495,029 milhões. Em 2009, último ano completo de Iris na Prefeitura — deixou o cargo em março de 2010 para disputar o governo do Estado —, os gastos com pessoal estavam em R$ R$ 946,078 milhões. Isto é, em cinco anos, a folha teve um crescimento de R$ 451,049 milhões.

O problema começa já em 2010, primeiro ano da administração de Paulo Garcia (PT). Aquele ano terminou com um gasto total com pessoal de R$ 1,19 bilhão, número que foi crescendo exponencialmente nos dois anos seguintes: 2011 (R$ 1,45 bilhão) e 2012 (R$ 1,72 bilhão). Em 2013, com as graves denúncias de super salários e funcionários fantasma na Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), o total do ano diminuiu (R$ 1.63 bilhão), tendo se mantido na média em 2014 (R$ 1,65 bilhão). Façamos a conta novamente: em cinco anos, de 2010 a 2014, a fo­lha de pagamento experimentou um crescimento de R$ 705,123 milhões, quase o dobro do período anterior.

A questão, segundo informam ex-secretários de Finanças de Iris Rezende e Paulo Garcia, é que o primeiro era visto como “ruim para o funcionalismo público”, pois não concedia aumentos, nem contratava. “Faltavam servidores na época de Iris”, aponta um ex-auxiliar da Prefeitura. Quando Paulo assumiu, a situação mudou. Aumentaram-se as secretarias, os órgãos, as funções e, consequentemente, o número de funcionários. Era uma solução que, em contrapartida, criou um problema: a máquina tornou-se inchada.

Na folha de março deste ano — última disponível no site da Trans­parência, visto que abril é o mês corrente — constam 48.540 servidores. Po­rém, informações de bastidores dão conta de que esse número pode ser maior, chegando ao valor aproximado de 60 mil, contando ativos e inativos. Por isso que, em maio do ano passado, o prefeito assinou o Decreto nº 1.248 — depois prorrogado pelo Decreto nº 2.718 — suspendendo, desde então, qualquer gratificação e horas extras dos servidores.

O decreto foi estabelecido como uma medida temporária de “contenção de gastos no âmbito do Poder Executivo, abrangendo a administração direta, autárquica e fundacional, os fundos especiais e as empresas estatais dependentes”. Essa é a origem de alguns dos motivos que levaram os professores municipais a declararem greve, visto que muitos deles estão há meses sem receber os benefícios que são incorporados em seus salários, como dobras e licenças-prêmio.

Paulo acertou em assinar o decreto, senão correria o sério risco de ultrapassar o limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). No entanto, ele não seria necessário se os quadros da Prefeitura não tivessem se tornado tão inflacionados. De acordo com os dados disponibilizados no site da Transparência, a Prefeitura tem uma despesa aproximada de R$ 1,7 bilhão. A grande parte desse total está comprometida diretamente com a folha de pagamento, sendo 44% com salários (R$ 765 milhões) e 22% com outros proventos (R$ 45,98 milhões), que não são especificados. Fora isso, há quinquênios, gratificações, produtividade, férias e 13º salários.

A Comurg, que apareceu em escândalos de supersalários e funcionários fantasmas há algum tempo, consome 12% da folha. Saúde e Educação, juntas, 54%. Isto é, 66% da folha de pagamento têm como destino três setores da administração, que são, por sua vez, os alvos mais frequentes de reclamação da população e, coincidentemente, os que estão paralisados. Os servidores da Saúde e da Educação estão de greve desde a semana passada. A Comurg está trabalhando, mas não o suficiente para conseguir limpar a cidade, que vê sacos de lixo espalhados por suas principais avenidas.

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Fonte: Jornal Opção