Obras públicas assombradas
l Anos, décadas passam e construções atravancadas emperram desenvolvimento do País. Problema tem várias raízes.
Projetos mal-estruturados, mal-calculados, fraudes em licitações, excesso de burocracia e má gestão não são fantasmas, e sim, problemas reais que emperram as obras públicas. Enquanto isso, intervenções importantes para o desenvolvimento econômico e melhoria na qualidade de vida da população se arrastam por anos, e em alguns casos décadas sem que sejam concluídas.
As cenas de obras paralisadas no meio, início ou próximas do fim se repetem País afora. E o cidadão é prejudicado em escala exponencial. Quando um trabalho para, o serviço já pago é muitas vezes perdido no todo ou em parte. E quando acontece a retomada dos trabalhos, várias etapas, já executadas, precisam ser refeitas.
Um dos exemplos de lentidão na execução de obras públicas é o Programa Urbano Ambiental Macambira Anicuns (Puama). Lançado em 2003 pelo então prefeito de Goiânia, Pedro Wilson (PT), o Puama tem ações “focadas essencialmente na questão ambiental e sua sustentabilidade”. A previsão era de que tudo fosse concluído em cinco anos após o início dos trabalhos. A obra interfere em 131 bairros da Capital.
Está prevista a criação de dois Parques Ambientais Urbanos; o Parque Macambira, com dimensão planejada de 25,5 hectares situado na região sudoeste de Goiânia (Bairro Faiçalville) que constitui uma área de preservação ambiental por abrigar as nascentes do córrego Macambira, e o Parque da Pedreira com área prevista de 10,2 hectares, situado na encosta do Morro do Mendanha pela vertente sul (junto ao bairro Jardim Petrópolis), entre várias outras ações.
As obras foram iniciadas no primeiro semestre de 2012 e paralisadas em setembro do mesmo ano. A empresa que venceu o processo licitatório abandonou o projeto.
O orçamento inicial era de cerca de US$ 94 milhões acordados com o Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID), aproximadamente R$ 210 milhões, à época da assinatura do contrato.
A empresa que tomava conta das obras recebeu R$ 3,8 milhões, mas terá que indenizar os confres do município em R$ 463 mil. Está previsto o gasto estimado de R$ 300 milhões para a execução do conjunto de obras.
Fazem parte do complexo a construção do Parque Linear, com 24 km de extensão, a construção dos Parques Ambientais Urbanos Macambira, no Faiçalville, e da Pedreira, na região do Morro do Mendanha e ainda construção de 260 unidades habitacionais para relocação de famílias na área de abrangência do programa. O Parque Ambiental da Pedreira será incluído nesta licitação; não havia sido contemplado na licitação anterior, o que aumentou o valor do projeto. Os goianos só devem desfrutar dos benefícios do Puama por completo quatro anos contados à partir do início das obras.
Histórico
O Puama foi idealizado em 2003, mas só em 2009 o contrato de financiamento com o BID foi assinado e as obras iniciadas três anos depois. No entanto, os trabalhos que começaram em março só prosseguiram até setembro.
O impasse com a construtora responsável pelas obras, que motivou a paralisação, só foi desenrolado este ano. A Prefeitura de Goiânia realizou nos últimos dias uma audiência pública para discutir detalhes do projeto. A previsão é de que um novo edital para escolha da empresa que vai conduzir o projeto seja realizado em aproximadamente 30 dias, no entanto, a retomada dos trabalhos só deve acontecer em 2014.
Em nota, a assessoria do Puama esclareceu que o problema afetou o Setor 1 do Parque Linear, porém, a Prefeitura de Goiânia deu seguimento às obras de pavimentação das Avenidas Independência e Nadra Bufaiçal, no Setor Faiçalville, anexas ao projeto.
Marginal
BOTAFOGO
Outra obra que poderia melhorar a qualidade de vida dos goianienses é o Prolongamento da Marginal Botafogo, o trecho a ser construído ligaria as avenidas Dep. Jamel Cecílio e a Segunda Radial, no Setor Pedro Ludovico. O projeto inicial foi lançado em maio de 1999. A obra está paralisada. O Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu um parecer que indicava a suspensão de repasses do governo federal à Prefeitura de Goiânia em novembro de 2011 por causa de irregularidades, mas os trabalhos não estavam mais em andamento. Dá volume à lista de atrasos o Túnel da Avenida Araguaia, a obra ficou paralisada por determinação da Justiça e foi retomada em fevereiro deste ano, agora a Prefeitura corre contra o tempo para entregar via até aniversário de Goiânia.
A relação de fantasmas da infraestrutura do município de Goiânia ainda tem mais uma via, a Marginal Cascavel, esta tem mais de duas décadas de “existência”. A construção idealizada há 22 anos, foi começada e interrompida várias vezes. Moradores da região sofrem com os transtornos do abandono. Erosões prejudicam a estrutura das casas e colocam em risco a população.
Para o líder comunitário do Setor União, Ulisses de Sousa, a não conclusão dos trabalhos atravanca o trânsito e coloca em risco a integridade de quem passa pela região, bem como os moradores. “Quando chove, a água do leito do córrego transborda e salta por cima da pista da (avenida) T-7, atrás da Santa Casa, inclusive já provocou vítimas fatais”, diz.
A Secretaria de Obras de Goiânia (Semob) afirma que as obras foram interrompidas por problemas de idoneidade da construtora responsável pelos serviços, a Delta. Atualmente, apenas estão sendo feitos trabalhos para para voltar o leito natural do córrego e conter a erosão no local. Uma nova licitação está em andamento para que outra empresa seja escolhida e as obras sejam, enfim, retomadas.
Para o engenheiro civil e conselheiro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea-GO), Idalino Terra Hortêncio a metodologia de trabalho do Poder público, contribui para a repetição de problemas. “As licitações são feitas com base no projeto básico, o que não permite saber detalhadamente os custos da obra. Elas teriam que ser realizadas com base no projeto executivo”, explica.
A diferença entre os projetos é que o básico é elaborado com informações preliminares e não fundamentado em estudos detalhados. Já o executivo é o desenho real da obra que será construída. Essas variações entre uma planta e outra permitem, por exemplo, que na construção de uma rodovia, a empreiteira se depare com uma rocha em um local onde o projeto não aponte tal informação. A diferença altera significativamente os custos, o que confunde a fiscalização e pode fazer com que uma empreiteira desista de um projeto.
Hortêncio é contra a paralisação de obras públicas. Para ele é importante apurar irregularidades e cobrar ressarcimento, se for o caso, na Justiça. “Quando você começa uma construção, você tem um custo administrativo, se você para são mais custos e para retomar também há despesas. Os prejuízos são enormes”, avalia.
O Custo Brasil, indicador que aponta o impacto das deficiências da infraestrutura brasileira na economia só aumenta. E o reflexo dói no bolso do contribuinte. Um dos exemplos clássicos é o ineficiente sistema de transporte de cargas que encarece o valor de produtos e serviços por causa do frete. Podemos citar também os problemas de mobilidade urbana. Eles tornam o dia a dia do trabalhador mais penoso e prejudicam a qualidade de vida em capitais como Goiânia, além de roubar produtividade da mão de obra.
Poderes diferentes: os mesmos problemas
Em se tratando de construção, o Estado não distoa muito do município. Um exemplo é o Centro de Excelência. O projeto foi elaborado em 1999. A execução dos serviços, iniciada no ano 2000 deveria ter sido concretizada em 730 dias corridos. No entanto, em 2010, o Ministério Público Federal de Goiás (MPF-GO) moveu uma ação civil pública contra a União, o Estado de Goiás, a Agência de Esporte e Lazer (Agel) e a empresa Eletroenge Engenharia e Construção. Segundo o órgão várias irregularidades foram apuradas, tais como a “ausência de indicação dos serviços necessários para a conclusão das obras”. Pelo menos R$ 14 milhões foram gastos até a interrupção dos trabalhos em 2010, segundo o MPF-GO.
Na teoria o projeto é muito bom, inclui salas de estudo, biblioteca, alojamentos, lojas, restaurantes, área de convenções, estacionamento coberto, laboratórios, auditório, academia, quadra para vários esportes coletivos e ainda a reconstrução do Estádio Olímpico, que vai poder receber diversas modalidades esportivas e terá capacidade para 12 mil espectadores, segundo informações do site da Agetop.
Explicação
Segundo a Agetop os questionamentos do MPF-GO já foram superados e uma nova licitação está em andamento. O órgão esclareceu ainda que a obra, incluindo a construção do Laboratório de Capacitação, demolição e edificação do Estádio Olímpico além da adequação e ampliação do Parque Aquático devem custar no total R$ 24.654.801 milhões, sendo que já foram pagos às empreiteiras 13.938.605 milhões.
Uma das construções mais cobradas pela população é a do viaduto do Setor Madre Germana. Os trabalhos foram interrompidos no local em 2005, de lá para cá várias promessas de solução para o problema foram anunciadas. As obras foram retomadas em dezembro do ano passado, graças a um acordo entre o governo do Estado e o Tribunal de Contas do Estado (TCE). A intervenção também contempla a duplicação de um trecho de 7,6 Km entre Goiânia e Aragoiânia. Para tal, R$ 10,3 milhões ainda serão empregados no local, conforme informações do site da Agetop.
Em relação ao atraso, a agência de obras explicou que o projeto de retomada dos trabalhos foi lançado em março de 2012 e os trabalhos iniciados em dezembro. Porém também foram paralisados de fevereiro a março de 2013. O viaduto, excluídas as melhorias na GO-040, tem orçamento de R$ 9,2 milhões, sendo que destes R$ 3,4 já foram gastos. A previsão oficial do término é para o mês de outubro deste ano.
Bodas de Prata
Se fosse um casamento, a Ferrovia Norte-Sul já teria completado bodas de prata. Iniciada em 1987, ainda no governo do então presidente, José Sarney, a via é uma longa história de fraudes, atrasos e desperdício de verbas. O projeto tem o objetivo de promover a integração nacional, minimizando custos de transporte de longa distância e interligando as regiões Norte e Nordeste às Sul e Sudeste, por meio das suas conexões, com 5 mil quilômetros de ferrovias privadas.
Apesar de já terem alguns trechos concluídos e em operação, muitos problemas ainda existem e impedem que ela cumpra a função para a qual foi idealizada.
Este mês o TCU divulgou ter encontrado novas irregularidades em contratos firmados pela Valec com empresas que atuaram na construção. A auditoria do órgão verificou o trecho da estrada de ferro que está sendo construído para ligar as cidades de Palmas, em Tocantins e Uruaçu, em Goiás. Serviços de baixa qualidade e outros medidos e pagos pela Valec sem que fossem executados, se somados, ultrapassam a faixa de R$ 35 milhões.
As obras de ampliação do Aeroporto Santa Genoveva estão paralisadas desde 2007. Haviam sido iniciadas em 2005. O motivo foram várias irregularidades encontradas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A liberação para retomadas só aconteceu em julho. O acórdão divulgado pelo órgão fiscalizador revela que há um impasse sobre o valor da construção. Para as duas construtoras que assumirão a empreita, são necessários mais R$ 251,8 milhões. O TCU entende que não são precisos mais que R$ 179,6 milhões para conclusão das melhorias, portanto um acordo foi feito. O órgão fiscalizador concordou com a retomada, porém vai continuar investigando os problemas encontrados: a maioria graves.
Esta semana um aditivo de contrato foi assinado entre a Infraero e o consórcio Odebrecht/Via Engenharia para a retomada dos trabalhos. Ainda falta a emissão da ordem de serviços, que deve ser emitida nas próximas semanas.
Um ano e meio é o prazo para que a Capital receba a nova plataforma que passará a operar com capacidade de 8,6 milhões de passageiros ao ano.
Entrevista - Vicente Rocha
“De certa forma, a lei amarra o gestor público”
O professor da UFG, Vicente Rocha é um pesquisador das causas da ineficiência no setor público, ele também já foi gestor público e atuamente faz doutorado em Administração Pública. Para ele, de maneira geral, existem várias pedras no caminho de quem atua no setor. O excesso de desconfiança, que aparece nas leis complicam a administração pública no País.
Diário da Manhã - Repórter - Quais são as causas do atraso nas obras públicas?
Professor Vicente Rocha - Pra ser sincero é problema de elaboração de projetos, políticas públlicas mal-elaboradas, você tem problemas de qualificação de mão de obra, às vezes você não tem todos os recursos necessários.
DM - E a burocracia atrapalha?
Professor Vicente Rocha - Considerando a burocracia no senso comum. Existe excesso de regras, normas com prazos muito longos, e isto cria um custo administrativo muito alto. A lei parte do pressuposto da desconfiança, de que o cidadão não é honesto. Se você partisse do princípio de que o gestor quer fazer o melhor, não haveriam tantos órgãos fiscalizadores. De certa forma, a lei amarra o gestor público.
DM - Como fica o cidadão neste contexto?
Professor Vicente Rocha - O cidadão fica sem entender. Para ele, o problema é só o gestor. Ele paga os impostos e fica prejudicado, porque os benefícios demoram muito a chegar. Ele não entende que tem várias dificuldades para o administrador público.
DM - E diante de tantos problemas, qual a solução?
Professor Vicente Rocha - Você teria que ter mais foco na eficiência, não na fiscalização. Mas nos últimos 20 anos eu vejo avanços, a gente vêm tentando construir uma mehor metodologia de gestão dos processos físicos. Eu vejo que as mudanças na Lei 8.666 (legislação que trata dos processos licitatórios no País) são positivas.
Precisamos encurtar prazos, buscar mais a eficiência, os resultados e não ter tanto foco nos meios, nos preocupar com eles, mas focar nos resultados, não deixando de lado a transparência é claro!
Fonte: DM