Expresso Pequi: A promessa do trem entre Goiânia e Brasília
Anúncio de construção de um expresso entre Goiânia e Brasília desperta dúvida sobre andamento de obras prometidas pela parceria dos governos estadual e federal
A 1 ano e 3 meses do fim do mandato do governador Alcides Rodrigues (PP) e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), promessas de obras grandiosas e complexas começam a virar rotina em discursos políticos. Após a visita do petista a Goiás, em agosto, e das garantias de retomar a reforma e ampliação do Aeroporto de Goiânia, construir 50 mil casas até o final de 2010, duplicar a BR-060 no trecho Goiânia-Abadia de Goiás, garantir empréstimo de R$ 1,35 bilhão para a Celg, via Eletrobrás e BNDES, e concluir trecho goiano da Ferrovia Norte-Sul, a ousadia da vez é iniciar a implantação do trem de cargas e passageiros que vai ligar Goiânia a Brasília. Isso, já em março do ano que vem.
Seria maravilhoso para a sociedade local, empresários, estudantes, funcionários públicos e todo cidadão goiano que precisa se deslocar, às vezes todos os dias úteis, à capital federal. Poderia ser a retomada da esperança de instalar no trecho Goiânia-Brasília um transporte terrestre acessível e capaz de diminuir o tempo de viagem entre as duas capitais. A dificuldade de viabilizar técnica, burocrática e financeiramente uma obra de tal porte, daqui a cerca de seis meses, pode despertar a desconfiança da população. A reação com a notícia proclamada do outro lado do mundo pode ser a de descrédito antes mesmo de ela ser detalhada.
A novidade foi anunciada pelo presidente da Valec, José Francisco das Neves, Juquinha, na terça-feira, 8, em Pequim — mais especificamente em Tangshan, na província de Hebei —, durante visita a uma fábrica de vagões para metrô de superfície realizada pela comitiva que acompanha o governador Alcides à China. Na ocasião, Juquinha disse que com R$ 300 milhões é possível iniciar a obra. “Depois de começar é mais fácil”, teria dito, deixando clara a intenção dos atuais governos estadual e federal de lançar o projeto e, quem sabe, até iniciá-lo no próximo ano eleitoral, antes do fim dos mandatos. Mas nem chegaram a tocar nos pontos cruciais de execução, conclusão e manutenção da obra após 2010.
O grande diferencial do trem de Juquinha e Alcides seria a velocidade: média. Em nada se assemelharia, portanto, ao antigo projeto de trem-bala proposto pelos ex-governadores Joaquim Roriz (PMDB-DF) e Marconi Perillo (PSDB-GO), a não ser o percurso e o nome “Expresso Pequi” — considerado por Juquinha “homenagem” à região. Provavelmente amarelinho, o transporte faria o trajeto em torno de uma hora e meia, com velocidade entre 140 km/h e 180 km/h. O valor estimado de R$ 1 bilhão seria a principal mudança, uma vez que o custo do projeto anterior era cinco vezes maior, R$ 5 bilhões.
Na imprensa goiana, a defesa durante essa semana foi em relação às características “realistas” do projeto de trem convencional: média velocidade, preço menor, estrutura inferior. É até passível de ser aplaudida a iniciativa, não fosse pelo detalhe que seus defensores esqueceram de levantar: o valor estimado da obra é praticamente o mesmo que o Estado tem implorado de empréstimo ao governo federal para dar fôlego à Companhia Energética de Goiás na tentativa de evitar uma quase necessária privatização da empresa. Dinheiro emprestado, não doado ou investido em fundo perdido. Nem assim, até hoje, Goiás recebeu mais do que promessa sobre o assunto.
O Jornal Opção colocou a idéia para a avaliação de especialistas. É no mínimo curioso que nem funcionários da Secretaria Estadual de Infra-estrutura (Seinfra) muito menos da própria Valec tivessem conhecimento mínimo sobre o novo modelo do Expresso Pequi. “Nós fomos pegos de surpresa. O que tínhamos aqui eram estudos do projeto anterior, do trem-bala”, disse um funcionário de alto escalão da Seinfra. Ele chegou a pedir um dia à reportagem para levantar informações sobre a nova proposta, mas não obteve sucesso, já que os detalhes estariam em mãos apenas do presidente da Valec, em missão na China. Na Valec, a informação repassada era a mesma: nenhum técnico estava a par do projeto.
Direto do Oriente, Juquinha disse à imprensa que vinha conversando sobre o projeto com o governador Alcides desde março deste ano. O Jornal Opção apurou que o presidente da Valec esteve há cerca de dois meses na Câmara dos Deputados conversando com representantes da bancada goiana na Comissão de Infra-estrutura, na tentativa de assegurar pelo menos R$ 300 milhões para essa obra, em emendas parlamentares na previsão orçamentária do próximo ano. Segundo fontes ouvidas, acompanhavam Juquinha representantes de duas empresas de consultoria conhecidas pela elaboração de projetos de engenharia.
Segundo um deputado federal, é ilusório acreditar que a verba será liberada. Ele explica que uma parte do montante, R$ 100 milhões, pode até ser acatada se partir de emenda apresentada por toda a bancada goiana na Comissão de Orçamento, mas que a quantia previsível de ser aprovada no orçamento é de no máximo R$ 15 milhões — valor que, na opinião do deputado, é “mixaria” para construções ferroviárias. Daí, até o governo federal liberar a verba é outra história. “Não adianta aprovar emenda e, no ano que vem, Lula cortar tudo, pois ele tem feito isso. Todas as emendas de bancadas foram canceladas e as individuais não foram pagas, estão atrasadíssimas desde 2008”, denuncia.
O deputado acredita que não há sequer projeto para a construção do trem convencional e que o anúncio seria apenas promessa eleitoreira. “Mesmo sendo trem de média velocidade, não vejo fonte de recurso. O governo não tem dinheiro nem para as obras que considera mais importante, como a Norte-Sul.” Para ele, a obra não será iniciada, apenas prometida, pois além de todas as dificuldades técnicas, é preciso que haja recurso também da iniciativa privada. “Tem de diminuir o discurso ufanista e apresentar projetos realistas à sociedade.”
Um ex-secretário estadual ligado à área de infra-estrutura também afirma que o governo federal não possui recurso suficiente para arcar com a promessa. “Não tem dinheiro nem para tocar as obras da Norte-Sul, vai ter pra construir um trem?”, questiona. Ele faz crítica à comparação, quanto ao melhor ou pior projeto. “É totalmente eleitoreiro dizer que vai ser inaugurado daqui a tanto tempo, já que custa tantas vezes menos que o outro. Esperamos que seja uma promessa séria, pois a discussão que estão querendo implantar está parecendo politiqueira.”
A mesma fonte afirma que é indispensável estudo de engenharia, relevo, viabilidade econômica e técnica, melhor percurso, impactos socioambientais e desenvolvimento econômico do eixo Goiânia-Brasília. Tudo sob detalhamento minucioso. “Aí sim, é possível elaborar um projeto enxergando não só questão eleitoral, mas de desenvolvimento macroeconômico.” Ele critica até mesmo o projeto anterior, que não chegou a ser aprofundado. “Trem e metrô não são assuntos para criar identidade de governo, são projetos de médio e longo-prazos.”
Segundo informações preliminares passadas na China, o traçado da ferrovia começa na Vila Matinha, em Senador Canedo, mas não especifica o destino de chegada em Brasília. Aliás, na Secretaria da Fazenda do DF fontes ouvidas afirmaram que “não estão sabendo do projeto do trem da Valec”. Juquinha garantiu que em fevereiro de 2010 o governador Alcides anunciará detalhes da construção da ferrovia. Ele assegurou também que nos próximos dias se reunirá com o presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres, Bernardo Figueiredo, para tratar dos aspectos legais da obra.
Impasses naturais — Outro ex-secretário de Estado critica a proposta de trem para o próximo ano já na primeira afirmativa de Juquinha. “Não é possível iniciar a obra em março de 2010, porque é preciso antes de tudo fazer o projeto, que não existe.” Explica que para contratar uma empresa de projetos é preciso realizar uma licitação, o que demoraria no mínimo 90 dias. Feita a licitação, a contratação da empresa levaria pelo menos quatro meses, caso não houvesse recursos na Justiça por parte de outras empresas, fato freqüente. Depois, a elaboração do projeto levaria no mínimo mais quatro meses. Mais quatro meses e haveria condições de abrir licitação para início das obras. A conclusão é que o tempo mínimo para o trâmite legal e burocrático requer intervalo de mais de um ano. Só depois desse período haveria condições de iniciar as obras.
“É muito improvável que essa obra comece em março. A afirmativa do Juquinha é altamente questionável”, diz a fonte. Todavia, o ex-secretário aprova o fato de a nova proposta de trem ser de média velocidade, característica que, para ele, diminui custos e facilita a execução da obra. “A velocidade se encaixa perfeitamente no percurso curto de Goiânia a Brasília. Seria uma excelente opção de negócios”, opina.
Ele estima que o eixo Goiânia-Brasília recebe fluxo de aproximadamente 6 milhões de pessoas e que em dez anos essa média deve chegar a 10 milhões. Alternativas de desenvolvimento econômico no percurso, segundo ele, só faria Goiás e DF se projetar. Mas lembra que é extremamente necessário realizar estudos aprofundados de viabilidade econômica. “Transportes ferroviários são sempre opções eficientes e importantes, além de mais confortáveis em minha opinião. Para a sociedade, é importante a retomada da idéia. O que não se pode é fazer demagogia”, defende.
O funcionário da Seinfra citado no início da reportagem lembrou que o preço do bilhete de passagem do trem-bala proposto pelos ex-governadores Roriz e Perillo, caso o projeto fosse implementado, seria semelhante ao preço de passagem de avião de Goiânia a Brasília. Ou seja, o investimento não compensaria aos cofres públicos. Além desse aspecto negativo, ele informou que a diferença de altitude no percurso entre as capitais chega a 300 metros e, principalmente por isso, o mapeamento do projeto deve ser feito detalhadamente — para não dizer que já deveria estar pronto durante o anúncio da obra.
Divergências — Dois economistas procurados pela reportagem divergem sobre a viabilidade do trem de média velocidade. Jefferson Vieira defende que o eixo possui importante fluxo de passageiros e cargas e que é necessário aproveitar a economia proporcionada pela instalação de ferrovia para desenvolver outras formas de atividades econômicas, ao longo do trajeto. Segundo ele, Goiânia-Brasília está entre os quatro principais trechos econômicos do Brasil. “É fundamental criar um plano de desenvolvimento a médio e longo prazos para a região. Um projeto sério é viável e necessário, e não acarretaria prejuízo”, acredita.
Em contrapartida, o consultor e professor da UCG Eber Vaz afirma que financeiramente o projeto não compensaria: “Se o governo levar adiante, vai ter déficit”. Ele aponta três motivos: “Não haverá dinheiro para dar manutenção quando o trem estiver circulando; não terá contingente de cargas e pessoas para o sistema ser lucrativo; e o preço da passagem não ficará barato, logo não receberá demanda necessária”, pontua.
No entanto, do ponto de vista social, ele diz acreditar que a estrutura seria importante para a sociedade, pois evitaria superlotação em estradas, rodoviárias e aeroportos. Mas opina que a iniciativa teria o mesmo destino que o projeto City Bus de Goiânia: fracasso por falta de demanda. “A tendência é acabar, justamente porque não há demanda que sustente o projeto”. Exemplifica a inviabilidade econômica citando também a ausência de pedágio em estradas: “Não temos pedágio porque não temos demanda que compense cobrar tarifa”.
Fonte: Jornal Opção (SARAH MOHN)