Eixo Anhanguera: Uso político destrói Metrobus
Mesmo operando a linha com maior possibilidade de lucro da América Latina, empresa mista do Estado de Goiás acumula prejuízos desde 2004 e chega ao caos
A Metrobus S.A. fechou o ano de 2017 com um prejuízo de R$ 28,77 milhões, o que daria quase R$ 2,4 milhões por mês em que as despesas foram mais altas do que as arrecadações. Os números são improváveis para uma empresa que detém contrato de concessão ativo desde 2008 da linha que é considerada a mais rentável da América Latina, que é o Eixo Anhanguera. Mas políticas públicas nos últimos 15 anos deixaram as contas para a Metrobus, o que causou a situação calamitosa, prejudicando usuários e complicando todo o sistema de transporte coletivo.
Apenas nesta sexta-feira (2), por exemplo, 52 ônibus da frota total de 133 não estavam em operação por necessitarem de manutenção. Na quinta-feira, o número chegou a ser ainda pior: 62. No entanto, a média de passageiros diários nos dias de semana continua em 200 mil. Ocorre que o Eixão é considerado a coluna vertebral do sistema, que recebe passageiros de 114 linhas alimentadoras, o que seria mais de um terço de toda a rede. Logo, menos ônibus rodando leva a uma lotação maior no sistema.
Ao mesmo tempo, essa configuração é o principal bem da Metrobus. Apenas na linha de Goiânia, entre os terminais Padre Pelágio e Novo Mundo, o Eixão tem um índice de passageiro por quilômetro (ipK) próximo a 8, o que chega a ser mais de quatro vezes maior do que as demais linhas metropolitanas. Estar em um corredor exclusivo e um desenho viário de poucas curvas e declives ou aclives, ainda gera o benefício de ter uma menor despesa na operação.
Nos últimos anos, porém, medidas políticas afetaram todas as facilidades de quem opera o Eixo Anhanguera. Em 2014, a opção do governo estadual pela extensão do Eixão para as cidades de Goianira, Trindade e Senador Canedo fez com que a Metrobus gastasse mais para carregar a mesma quantidade de passageiros, já que a maior parte desses já usaria a linha a partir de Goiânia. No acordo inicial a Metrobus manteria 75% da arrecadação, mas continuou havendo operação em duplicidade com as demais concessionárias e foi fechado novo entendimento, que deixou apenas 47% da renda com a empresa mista.
A Metrobus passou a se locomover 66% a mais na quilometragem e gastou mais 50,16% em quantidade de combustível. Além disso, a inclusão das extensões faz com que o ipK das linhas somadas da empresa caia para no máximo 6. Em 2017, por exemplo, o melhor mês da empresa foi em março, quando teve um ipK de 4,34. A estimativa é que esses custos elevaram as despesas da Metrobus em R$ 2 milhões ao mês, valor semelhante ao que se apresenta de déficit em 2017.
Custo Social
Mas o problema não seria só a extensão. Desde 2009, quando iniciou na prática o novo contrato de concessão, os balanços da Metrobus apresentam déficits. Em 2012, mesmo antes da extensão do Eixo, o ano fechou com prejuízo de quase R$ 45 milhões. A razão disso também está no custo social da empresa quando foi utilizada por políticas públicas estaduais, como a unificação das tarifas na região metropolitana.
As linhas alimentadoras que chegam de 9 das 18 cidades metropolitanas para o Eixo recebem a diferença que seria paga na tarifa em razão da unificação. O custo disto em 2016, por exemplo, foi de R$ 9 milhões, mas apenas R$ 6 milhões chegaram nos cofres da Metrobus no mesmo exercício fiscal. Outro problema foi em relação ao subsídio da meia tarifa no Eixão, em que nem sempre o valor foi repassado integralmente e no mesmo exercício do Estado para a empresa.
Em nota, o governo informa que “a melhoria do atendimento ao cidadão usuário do Eixo Anhanguera é prioridade entre as políticas públicas do Governo de Goiás para o transporte coletivo da Região Metropolitana de Goiânia”. Assim, houve a determinação de estabelecer medidas para a melhoria do serviço. “Entre as medidas está a proposta de criação de consórcio no Eixo Anhanguera, em discussão na empresa, no setor e com o Ministério Público, como forma de garantir melhorias no serviço.”
Já o consórcio das empresas concessionárias do sistema (Redemob) informa que o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de Goiânia (SET), após reunião com o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), a pedido da promotora Fabiana Zamalloa, da 90ª Promotoria de Justiça, analisa um novo acordo a respeito da extensão do Eixo. A promotora garante que o fim da extensão, no entanto, não estará em questão.
Empresa possui maior custo
No geral, a Metrobus é a que mais arrecada dentre as cinco empresas concessionárias do sistema de transporte coletivo da região metropolitana de Goiânia. Mas é também a que apresenta maior custo em comparação. Técnicos do sistema ouvidos pelo POPULAR ressaltam um índice administrativo medido no setor que é o número de motoristas por veículos de partida. Neste caso são considerados os ônibus que iniciam a operação, pela manhã. Na Metrobus, essa medida indica 3,47 motorista por ônibus. Já na HP Transportes, que opera na Área Sul, teria um índice de cerca de 1,87.
Outro índice que mostra essa diferença é o custo da folha por veículo de largada. Enquanto a Metrobus tem cada ônibus seu com um custo de R$ 28,7 mil, as empresas que operam no lote 3, dividido entre Viação Reunidas e Rápido Araguaia, possui um custo por veículo de R$ 12 mil. Em contrapartida, a cada quilômetro rodado em janeiro deste ano, a concessionária do Eixo Anhanguera arrecadou R$ 8,9 mil. Na Área Sul, operada pela HP Transportes e Rápido Araguaia, é onde se conseguiu o índice mais semelhante, com R$ 6,13 mil por quilômetro.
O caso tem explicação plausível. Os servidores da Metrobus, por exemplo, tem salário maior e mais benefícios do que os demais, historicamente. Apenas desde o ano passado é que a diretoria da empresa decidiu não conceder aumentos acima do previsto na convenção coletiva de trabalho, o que causou paralisação dos motoristas na garagem da empresa. Também foi a empresa estatal a única que pagou, por quase todo o ano de 2014 e 2015, a parcela do poder concedente de 2% do total da arrecadação.
O valor é remetido para a Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC) e chegou a ser definido em deliberação da Câmara Deliberativa de Transportes Coletivos (CDTC), mas nunca foi pago pelas demais concessionárias neste valor, mantendo todas em 1% do valor arrecadado. Isso porque as concessionárias questionaram que a mudança no contrato teria de ocorrer em comum acordo entre as partes, não podendo ser feita apenas com a deliberação da CDTC. A CMTC ainda negocia a ampliação da parcela.
A mudança se refere a uma tentativa da Metrobus de conseguir reduzir o déficit da empresa nos últimos anos. Houve até mesmo um enxugamento de servidores, saindo de 888 em 2015 para 582 no ano passado. Além disso, houve a entrada no consórcio Redemob, o que auxiliou em melhorias no custeio, como a manutenção dos terminais do Eixo e a contratação de empresa terceirizada de segurança. O Popular apurou que o contrato negociado pela empresa de economia mista seria 40% mais caro do que o acordo firmado pelo consórcio. A empresa também agora tem acesso à Central de Controle Operacional (CCO) e ao aplicativo do sistema de horários dos ônibus.
A Metrobus associa uma solução definitiva, no entanto, à realização de consórcio com uma empresa privada, o que seria feito com a Viação Reunidas. Nesta semana, no entanto, o Ministério Público se posicionou contrário ao acordo. A CMTC informou que sequer foi consultada sobre a possibilidade, tendo notícias apenas pela imprensa. Metrobus e Reunidas informaram que vão acatar a recomendação do órgão ministerial.
A justificativa para realizar o consórcio era de que ele poderia ser a solução administrativa, porque todas as despesas e a arrecadação seriam divididas. No entanto, a promotora Fabiana Zamalloa considera que há problemas legais para a assinatura do acordo. “Estariam transferindo toda a gestão da empresa para a iniciativa privada, mudaria o regime de contratação, a operação e a administração.” Segundo ela, seria possível fazer uma ação inibitória contra o consórcio, mas dado que as empresas afirmaram sobre a desistência deste modelo, deve apenas acompanhar o andamento.
Três perguntas para Marlius Braga Machado
Presidente da Metrobus, concessionária do Eixo Anhanguera, explica como a empresa chegou na situação atual e quais as alternativas para a melhoria do serviço ao usuário do sistema nos próximos dias
1 - As políticas públicas com a Metrobus são as responsáveis pelo prejuízo da empresa?
Vários programas realizados trouxeram prejuízo para a Metrobus, mas é natural que o governo utilize a empresa para as políticas de mobilidade na região metropolitana. É o custo social de se fazer política pública, como é o caso da extensão do Eixo Anhanguera, isso é natural.
2 - Mas a extensão foi feito por um acordo prejudicial para a Metrobus?
Foi um acordo prejudicial sim, porque o passageiro que anda no Eixo é o mesmo de antes, mas agora temos um custo maior para transportar. De modo grosseiro, eu tenho que ir mais longe hoje com a mesma receita que eu tinha antes. Nisso vamos ter que buscar alternativas para resolver.
3 - O MP rejeitou a realização do consórcio com a Viação Reunidas, como fica agora?
Estamos pensando em alternativas e na semana que vem vamos ter isso de um modo mais claro. A curto prazo, para a manutenção dos ônibus, vamos contar com um aporte extra do sócio majoritário, que é o governo estadual. Uma parte já veio e estamos esperando outra parte para a próxima semana.